A Lavoura Online destaca: resíduos de dendê são usados no cultivo de cogumelos comestíveis

Comprar shimeji no mercado brasileiro é para poucos, considerando que o quilo chega a custar entre 48 e 80 reais e maior parte é importada. Foto: Vinicius Braga/Divulgação Embrapa

Uma alternativa de baixo custo para produzir cogumelos comestíveis no Brasil, como o Pleurotus ostreatus ou shimeji, é a mais recente descoberta de cientistas das unidades Amazônia Oriental (PA) e Agroenergia (DF), da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa).

Para alcançar êxito, eles usaram biomassas residuais, que são resíduos gerados no processamento do óleo do dendê (óleo de palma), como substrato para cultivar o fungo.

Segundo o pesquisador Marcos Enê Oliveira, o shimeji encontra condições ideais para se desenvolver nos resíduos industriais do dendê produzido no País, especialmente no Pará, onde a indústria gera três toneladas de resíduos sólidos e uma tonelada de efluentes líquidos.

Oliveira explica que as biomassas residuais são fibras e substâncias ricas em proteína, lipídeos, carboidratos e minerais, que podem nutrir cogumelos comestíveis como o shimeji, conhecido também como cogumelo-ostra, produto bastante apreciado na culinária nacional e internacional.

PREÇO ‘SALGADO’

Atualmente, comprar shimeji no mercado brasileiro é para poucos, considerando que o quilo chega a variar entre 48 e 80 reais, um “preço salgado” para o bolso dos consumidores daqui, principalmente porque grande parte desse produto vem do exterior e tem alto custo de importação.

Conforme a Embrapa, somente de frete, paga-se em torno de dois reais por quilo. Além disso, é preciso cuidado redobrado no transporte e na conservação do produto.

O pesquisador destaca que o cultivo desses cogumelos comestíveis é possível devido à sua versatilidade em se desenvolver em diferentes condições climáticas e substratos.

“Esse fungo tem uma enorme capacidade de quebrar fibras lignocelulósicas, consideradas complexas quimicamente, e extrair delas os nutrientes necessários para o seu crescimento e frutificação”, conta o especialista.

Fungo inoculado em biomassa residual de dendê para produção de cogumelo comestível, o shimeji. Foto: Ana Laura Lima/Divulgação Embrapa

Ele ainda explica que o cultivo imita o que ocorre na natureza, ao oferecer resíduos vegetais em um substrato formado por fibras e pelo efluente gerado.

TESTES

Para se chegar à mistura ideal, os pesquisadores da Embrapa Agroenergia Félix Siqueira e Simone Mendonça testaram formulações de substratos com diferentes concentrações de resíduos, entre eles, a cinza de caldeira, também oriunda do processamento do óleo de dendê.

O substrato é esterilizado em autoclave industrial para depois inocular o fungo. A fase de colonização, que é o crescimento do fungo no substrato, leva em torno de 25 a 30 dias em uma câmara escura, a fim de imitar a natureza onde os cogumelos crescem ao abrigo da luz em serapilheiras ou troncos de árvores.

Assista ao vídeo com o pesquisador Marcos Enê Oliveira sobre a nova técnica de produção de cogumelos comestíveis, desenvolvida pela Embrapa!

https://youtu.be/q51xMSdtUkY

EFLUENTE RICO

O efluente líquido do processamento do dendê, conhecido pela sigla Pome (palm oil mill effluent), é constituído, principalmente, de água, minerais e matéria orgânica, e atualmente seu destino são as lagoas de estabilização, conforme orienta a legislação.

“Algumas experiências têm indicado a utilização desse efluente líquido como fertilizante para os plantios de dendê, mas essa aplicação ainda está sendo estudada para assegurar que não haja impacto ambiental”, esclarece o pesquisador Félix Siqueira.

PRODUÇÃO NO PARÁ

O Pará responde por mais de 90% da produção brasileira de óleo de dendê. Em 2017, por exemplo, o estado produziu cerca de 480 mil toneladas desse óleo, gerando aproximadamente 1,4 milhão de toneladas de resíduos sólidos e líquidos.

De acordo com Roberto Yokoyama, diretor da empresa Dendê do Pará (Denpasa) e presidente da Câmara Setorial da Palma de Óleo, o custo médio da tonelada de óleo bruto produzido no Brasil está por volta de 610 a 650 dólares.

O investimento necessário para se montar uma usina de beneficiamento é de um milhão de reais para cada tonelada de cacho processado, sendo que pelo menos 30% desse valor está diretamente ligado aos resíduos.

Na indústria de beneficiamento do óleo, os resíduos são o cacho vazio; o efluente líquido (Pome); a fibra e a casca do fruto, (resultante da prensagem); a borra, partículas sólidas geradas na separação entre o óleo e a água; e a torta de palmiste, resíduo da prensagem da amêndoa. Yokoyama conta que alguns deles já são utilizados para outros fins, como alimentação animal e geração de energia, mas o volume produzido ainda é grande. “Mesmo com alguns usos, o resíduo gerado ainda é um problema para a indústria”, afirma.

Em números, para cada tonelada de cacho de fruto fresco (CFF) que entra na agroindústria, são produzidos em média 220 kg de cacho vazio, 120 kg de fibra de prensagem, 50 kg de casca, 20 kg de torta de palmiste, 60 kg de borra e 650 kg a 1.000 kg de efluentes. Esses resíduos são basicamente compostos por celulose e lignina, um material fibroso complexo, cujas ligações conseguem ser quebradas pelos fungos do gênero pleurotus.

Cogumelos têm mercado promissor

Em 2017 o Brasil importou quase 12 mil toneladas de cogumelos e trufas, entre secos, em conservas e preparados, segundo dados do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa). E a produção nacional in natura está também na ordem de 12 mil toneladas ao ano, de acordo com a Associação Nacional dos Produtores de Cogumelos (ANPC).

O consumo interno, ainda de acordo com a associação, é pequeno por falta de tradição, tendo destaque o champignon de Paris (Agaricus bisporus), shitake (Lentinula edodes) e os cogumelos-ostra, ou shimeji preto ou branco (Pleurotus). Os maiores produtores de cogumelos shimeji no Brasil estão no estado de São Paulo. É do município de Mogi das Cruzes (SP) que vem o cogumelo que abastece a maior empresa desse produto no Pará. De acordo com o empresário Tomoaki Kishimoto, a empresa vende em torno de 700 quilos de shimeji por mês, principalmente para restaurantes japoneses localizados em Belém, capital paraense.

Kishimoto atribui o baixo consumo ao valor elevado do produto. Em Belém, o quilo do “shiimeji preto”, o mais popular entre os consumidores, custa entre R$ 50 e R$ 80, e o do “shiimeji branco” entre R$ 48 e R$ 70.

O tempo de validade do produto in natura é outro obstáculo para os comerciantes locais, de acordo com Kishimoto. O produto vem de caminhão com câmara frigorífica e é armazenado em isopores. “A validade após o beneficiamento é de 12 dias, mas perdemos cinco com o transporte, só restando sete dias para comercializar o produto fresco no mercado local”, conta o empresário. Por isso, a empresa importa as quantidades certas, limitando assim um crescimento mais expressivo do consumo local.

Mas nos restaurantes os pratos com shimeji estão entre os preferidos dos consumidores, que pagam um pouco mais caro pela iguaria. A empresária Tássia Araújo Costa, que administra um restaurante japonês em Belém, diz que o valor do cogumelo shimeji no mercado local é bastante variável e elevado, “mesmo assim, a saída dos pratos à base de shimeji é grande e ainda compensa o custo de aquisição do produto pelo restaurante”.

Para o pesquisador da Embrapa Marcos Enê Oliveira, considerando que o Pará tem a terceira maior colônia japonesa do Brasil, há uma demanda potencial para o shimeji na região, e a produção local pode favorecer esse mercado promissor.

Além disso, Félix Siqueira, pesquisador da Embrapa Agroenergia, ressalta que há potencial enorme para a produção de cogumelos comestíveis regionais amazônicos que já estão climatizados às condições de florestas. “As florestas tropicais são um dos maiores bancos de biodiversidades de cogumelos e entre esses muitos com potenciais alimentícios e nutracêuticos (substâncias bioativas benéficas à saúde)”, frisa o cientista. “Junto aos resíduos lignocelulósicos são observadas muitas espécies de cogumelos crescendo naturalmente, que podem ser espécies já domesticadas e com clientela fidelizada”, acredita.

 

Resíduos de cogumelos viram ração para peixes

Até mesmo os resíduos gerados na produção dos cogumelos podem dar origem a bioprodutos valiosos segundo explica o pesquisador Félix Siqueira, da Embrapa Agroenergia. Após o cultivo e colheita dos cogumelos (Pleurotus ou “shiimeji”), os pesquisadores utilizaram a biomassa residual para preparar rações para peixes.

A biomassa vegetal que sobra após a colheita dos cogumelos é rica em nutrientes, tanto da planta como da massa fúngica, característica importante para compor formulações de ração animal. O pesquisador observou que a biomassa pós-colheita apresentava digestibilidade suficiente para inserção como alimento de peixes.

Os primeiros testes com alevinos de tambacu (híbrido de tambaqui com pacu) mostraram resultados positivos. “Os alevinos alimentados com a biomassa de dendê após o cultivo do fungo apresentaram digestibilidade semelhante ou melhor comparando-se aos alimentados com o formulado comercial”, relata Siqueira.

Ele explica que esse é apenas o primeiro passo para dar continuidade à pesquisa, e que os resultados preliminares abrem oportunidade de discussão com as agroindústrias de dendê para a criação de pesquisas permanentes com foco na exploração de bioprodutos de fermentados microbianos (macrofungos formadores de cogumelos). “É uma alternativa para minimizar o passivo ambiental do setor, seguindo o modelo das biorrefinarias”, sugere. Ele destaca que, no contexto da bioeconomia, essa é a produção “zero de resíduos”, ciclo de sustentabilidade no qual resíduos são matérias-primas para novos produtos.

CURSO DA EWB/SNA

Há quase 86 anos, a Sociedade Nacional de Agricultura mantém a Escola Wencesláo Bello, no bairro da Penha, Rio de Janeiro. A EWB oferece atualmente 53 cursos de extensão livre, com aulas ministradas sempre aos sábados, para quem deseja investir em alguma área do setor agropecuário ou aprimorar os conhecimentos já adquiridos.

Dentre os cursos oferecidos está o de  Cultivo de Cogumelos comestíveis. Para conferir a  programação completa, clique aqui. Outras informações gerais sobre a EWB e as atividades que oferece, acesse www.sna.agr.br/ensino/extensao.

Fontes: Embrapa Amazônia Oriental e Embrapa Agroenergia com edição d’A Lavoura 

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