O Projeto “Estradas com Araucárias” alcançou uma linha de cem quilômetros de plantios dessa espécie florestal em divisas de propriedades rurais com estradas. São mais de 20 mil árvores plantadas em linha simples, a um espaçamento de cinco metros, por 68 produtores rurais familiares nos Estados do Paraná e de Santa Catarina.
O trabalho é fruto de parceria entre instituições públicas e iniciativa privada com o objetivo principal de preservar a araucária, árvore sob risco de extinção. A iniciativa surgiu durante o desenvolvimento do projeto de pesquisa da Embrapa “Uso e conservação da araucária na agricultura familiar” e as árvores ao longo das rodovias formam um enorme banco ativo de germoplasma para a conservação da espécie.
A intensa exploração dessa árvore para fins madeireiros e a abertura de áreas para a agropecuária provocaram forte declínio populacional, o que colocou a araucária na lista de espécies ameaçadas de extinção.
“A legislação proíbe o seu corte, mas infelizmente, a lei que protege a espécie gerou um efeito negativo. Os produtores rurais, desestimulados, alegando perda de áreas agrícolas e dificuldade em obter autorização caso precisassem cortar alguma árvore, passaram a não plantar araucária e até a evitar o desenvolvimento de regeneração natural”, conta o idealizador do projeto, Edilson Batista de Oliveira, pesquisador da Embrapa Florestas (PR).
O problema fez Oliveira elaborar uma solução. “As áreas de divisas das propriedades com estradas geralmente são pouco utilizadas e poderiam servir para abrigar as araucárias e gerar renda aos produtores, sem prejudicar a atividade agropecuária,” lembra o cientista.
“Para atender normas de segurança da legislação, os plantios são sempre realizados fora da faixa de domínio das estradas, mantendo acostamentos e áreas de escapes totalmente livres”, frisa Oliveira.
ABSORÇÃO DE CARBONO
Ainda faltava o estímulo para que os produtores aderissem à ideia. A solução veio de uma parceria público-privada que remunera pelos serviços ambientais enquanto as árvores ainda não estão produzindo pinhões. O grupo empresarial de transporte e logística DSR se interessou em participar do projeto como forma de compensar gases de efeito estufa emitidos por sua frota.
Por meio dessa parceria, cada produtor recebe mil reais por ano para plantar e cuidar das árvores. O pagamento por serviço ambiental (PSA) será efetuado no período entre 12 e 15 anos, tempo após o qual as árvores começarão a produzir pinhões, que se tornarão a nova fonte de renda dos plantadores.
Segundo Oliveira, resultados de pesquisa indicam que, com 25 anos, cada árvore deve ter acumulado o equivalente a 2,4 toneladas de carbono (pouco menos de 100 kg por ano).
“Trata-se de um valor alto quando comparado a outras espécies florestais”, declara o pesquisador.
ADESÕES VOLUNTÁRIAS
“Hoje, um dos grandes ganhos que temos é a adesão voluntária de produtores rurais, de diversos tamanhos de propriedade, que plantam araucárias nas divisas de suas propriedades com estradas rurais pelos benefícios que as araucárias promovem, em especial o embelezamento da paisagem”, comemora Oliveira.
Um dos produtores entusiastas da ideia é Amauri Delponte, da Lapa. Sua propriedade tem 5,5 alqueires, onde tem gado de corte consorciado com soja.
“As araucárias do jeito que estão plantadas, em linha, não atrapalham a propriedade e consigo contribuir com o meio ambiente, além de poder comercializar o pinhão depois. O pinhão também pode ser utilizado como alimento pelo gado, que gosta bastante”, conta o produtor.
Com a renda proporcionada pelo pagamento da empresa, Delponte compra insumos para a propriedade e conta que conhece outros produtores que foram sensibilizados pela ideia e que hoje plantam araucárias na divisa das propriedades com estradas mesmo sem participar do projeto.
Seu desejo? “Que essas árvores produzam pinhão, sombra, e mantenham a biodiversidade. Você tem que ver a quantidade de animais e pássaros que vêm,” admira-se.
Outra propriedade beneficiada é a área do Colégio Agrícola da Lapa. Os alunos são envolvidos no plantio e manutenção das araucárias e usam a experiência prática em seu aprendizado. O professor Heitor Vidal Leonardi conta que o projeto foi implantado no Colégio há seis anos e hoje os alunos são multiplicadores do projeto: “Além de fazer a manutenção, eles levam a ideia para suas propriedades e para os vizinhos. Por conta disso, já conseguimos cerca de duas mil mudas para interessados que não participam do projeto”.
TÉCNICAS DE PLANTIO E MANEJO
Os alunos aprendem técnicas de plantio e manejo e repassam as informações aos interessados. “O produtor aqui da nossa região tem o instinto de preservação, mas precisa de renda para sobreviver. Portanto, se damos condições de renda com preservação ambiental, é o ideal para ele”, avalia o professor.
“Nós, como futuros técnicos agrícolas, precisamos saber como preservar o meio ambiente. O projeto não prejudica os produtores, não prejudica as culturas. É uma alternativa ao produtor, pois é plantado na divisa com as estradas e depois vai gerar renda com o pinhão, além de preservar a araucária”, analisa a aluna Brydien Mildemberg, do terceiro ano do curso de Técnico Agrícola,
CAPTURA DE CARBONO
O plantio de espécies florestais é um dos fatores de sucesso para a mitigação dos gases de efeito estufa para redução do impacto das mudanças climáticas. Os plantios do projeto Estradas com Araucárias têm sido acompanhados com o software SisAraucária, desenvolvido pela Embrapa Florestas, que simula o crescimento das árvores e calcula o carbono armazenado.
Os algoritmos do software são baseados em pesquisas com a araucária que acompanharam o desenvolvimento da espécie ao longo dos anos com dados de inventários florestais contínuos.
Toda a modelagem do “Estradas com Araucárias” foi realizada a partir de estudos e simulações efetuados com o sistema, que mostraram ser uma estratégia eficaz na mitigação de gases de efeito estufa.
“As araucárias estão plantadas em linha simples e bem espaçadas, isso permite um incremento de madeira em cada árvore e o crescimento de galhos vigorosos, o que amplia a capacidade de armazenamento de carbono das árvores do projeto”, afirma Oliveira, acrescentando que “eessa forma, podemos informar ao patrocinador a contribuição ambiental de seu investimento”.
PRESERVAÇÃO GENÉTICA
O projeto tem auxiliado também em ações de pesquisa científica, em especial as ligadas a melhoramento genético, conservação da espécie e restauração ecológica. Um programa eficiente de conservação da araucária depende do resgate de matrizes locais. Por isso, todas as mudas plantadas pelo projeto são fruto da coleta de pinhões feitas nas próprias regiões. Na Lapa, por exemplo, os pinhões foram coletados pelos alunos do Colégio Agrícola.
“Nossa intenção é preservar a base genética local e, assim, colaborar com a conservação da espécie. As árvores plantadas hoje são um grande banco ativo de germoplasma”, comenta o cientista.
Em Irati, por exemplo, foram selecionadas árvores com características superiores de produção de madeira e pinhão, consideradas de interesse para conservação, e elas têm sido acompanhadas em projetos de pesquisa da Universidade Estadual do Centro-Oeste do Paraná (Unicentro). Em Caçador (SC), foram selecionadas matrizes do Bosque Modelo de Caçador, uma das regiões de remanescentes melhor conservadas.
Leandro Piska Albanski, filho de produtor rural, conta que entraram no projeto em especial para ajudar na conservação da araucária.
“A parte financeira também é importante, mas a gente quer mesmo é ajudar a conservar essa espécie tão importante.” A ideia é corroborada por Amauri Delponte: “Vale a pena preservar, a gente vê o benefício disso e a quantidade de animais que vêm se alimentar”.
BENEFÍCIOS AMBIENTAIS E SOCIOECONÔMICOS
Para o idealizador do projeto, localmente, espera-se que o pagamento do serviço de sequestro de carbono contribua para um aumento significativo do número de araucárias, melhorando a beleza cênica e trazendo benefícios ambientais e socioeconômicos decorrentes. O cientista pretende que o projeto estimule a adesão de outras empresas, possibilitando sua proliferação e formando corredores verdes de araucárias.
Nacionalmente, os especialistas esperam que o trabalho contribua com as metas de redução de emissões de carbono assumidas pelo Brasil e que sirva de modelo para outros estados com outras espécies também ameaçadas e de importância socioeconômica e ambiental. Oliveira afirma que o projeto tem alto poder de replicabilidade com outras espécies.
“Esperamos que o pagamento pelo serviço ambiental contribua para o sequestro de carbono, como uma das medidas para a mitigação do aquecimento global,” almeja o cientista.
Para a execução do projeto, a Embrapa Florestas obteve a adesão no Paraná da Secretaria do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Sema-PR), Instituto Ambiental do Paraná (IAP), Instituto Paranaense de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater), Universidade do Centro Oeste do Paraná (Unicentro) e Universidade Federal do Paraná (UFPR).
Em Santa Catarina, conta com a parceria da Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc). O trabalho é apoiado ainda pelas secretarias de Agricultura dos municípios envolvidos: Lapa, Fernandes Pinheiro e Fazenda Rio Grande, no Paraná; e Caçador, em Santa Catarina.
O projeto já obteve várias premiações: “Prêmio Frotas e Fretes Verdes (2015) – Categoria Sustentabilidade em Produtos”, concedido à Embrapa Florestas e ao Grupo DSR; “Prêmio Social e Ambiental Chico Mendes (2016)”, conferido pelo Instituto Internacional de Pesquisa e Responsabilidade Socioambiental “Chico Mendes”; e o patrocinador do projeto, o Grupo DSR, recebeu o Selo Verde Paraná da Sema-PR, nos anos 2015 e 2016.
Fonte: Embrapa Florestas com edição d’A Lavoura