Para o agricultor Pete Zimmerman, do Minnesota, a era dos alimentos com gene editado já chegou. Embora mal consiga conter sua satisfação, a soja de alta tecnologia que ele colhe agora está no cerne de um antigo e longo debate sobre o futuro dos chamados alimentos “Frankenstein”.
Zimmerman está entre os fazendeiros de três estados americanos que atualmente colhem quase 7.000 hectares de soja com DNA alterado que será usada em molhos de salada, barras de granola e óleo para frituras e que começará a ser vendida aos consumidores no início de 2019.
Trata-se da primeira comercialização de colheita criada a partir de uma tecnologia que alguns consideram que pode revolucionar a agricultura, e que outros temem ter riscos ainda desconhecidos.
Em março, o principal órgão regulador dos EUA definiu não haver necessidade de rótulos informando a existência de plantas com edição de genes, pois não há DNA externo sendo inserido, como ocorre com os organismos geneticamente modificados (OGM) tradicionais.
Em vez disso, enzimas que agem como tesouras são usadas para ajustar o sistema operacional genético da planta e impedi-lo de produzir material indesejado – no caso, gorduras poli-insaturadas – ou elevar o material desejado que já está presente.
Embora pareça que todos saem ganhando, “não se sabe o que essas mutações ou rearranjos podem fazer em uma planta”, disse Michael Hansen, cientista-sênior no Consumers Union, que reúne consumidores americanos. Hansen quer que a segurança das plantas seja testada antes da comercialização e que haja informações claras nos rótulos sobre sua natureza.
Mexer nos genes das plantas poderia levar a eliminações indesejadas ou a rearranjos genéticos complexos capazes de provocar “consequências inesperadas” dentro da cadeia alimentícia, afirmou Hansen.
O governo Trump, porém, discorda. Em comunicado em 28 de março, o secretário de Agricultura, Sonny Perdue, disse que o USDA não tem planos para regulamentar novas variedades de plantas desenvolvidas por edição genética, contrariando a decisão da União Europeia de tratar a técnica como se fosse produção transgênica.
Perdue considerou a edição de genes uma técnica “inovadora”, que é “indistinguível das desenvolvidas por métodos de reprodução tradicionais”.
O resultado final: plantas editadas geneticamente podem ser criadas e comercializadas nos EUA de forma muito mais rápida e menos custosa do que os transgênicos, que misturam DNA de variedades diferentes de plantas e são altamente regulamentados com testes de campo obrigatórios que podem levar dez anos ou mais.
Isso permitiu à Calyxt, empresa de biotecnologia de Minnessota, colocar sua soja no mercado cinco anos depois de Dan Voytas, cofundador e diretor científico da empresa, ter alterado o DNA de uma célula de soja em 2012 usando uma enzima chamada TALEN, que ajudou a desenvolver na Universidade de Minnesota. Depois que a colheita for concluída, a soja vai ser esmagada para a extração do óleo e vendida a empresas de alimentos.
O objetivo: “os consumidores vão absorver menos gorduras nocivas ao coração de um produto que é usado em uma ampla variedade de alimentos, que é plantado localmente e pode ser rastreado até a região em que foi produzido”, disse Manoj Sahoo, diretor comercial da Calyxt.
Os alimentos editados geneticamente não precisam ter rótulos específicos, mas Sahoo afirmou que as empresas de alimentos usando o óleo de soja podem informar na embalagem que há zero gordura trans ou que não são OGMs.
A Calyxt negocia com cerca de 20 empresas possíveis compradoras, segundo Sahoo. Ele acrescenta que espera vender a primeira colheita para duas a cinco empresas. O contrato seria de venda do produto de acordo com a necessidade dos compradores.
Zach Luttrell, diretor na consultoria StraightRow, vê a edição de genes como uma forma para o setor continuar reduzindo custos. “Um produto desenvolvido usando a nova técnica pode ser levado ao mercado em três anos a custo de US$ 10 milhões a US$ 20 milhões”, disse Luttrell, em comparação a um transgênico que pode custar US$ 100 milhões ao longo de dez anos.
“A agricultura tem sido historicamente dominada por poucos e grandes participantes, mas agora empresas muito menores vão ser capazes de surgir e desenvolver essas novas colheitas”, declarou Luttrell. “No futuro, realmente vamos ter colheitas de criadores”.
“A decisão de Zimmerman de plantar a soja alterada foi principalmente econômica”, afirmou o diretor. “Os agricultores que plantarem a soja vão ganhar entre US$ 0,40 e US$ 0,90 por bushel acima dos preços no mercado futuro”, disse Charles Baron, cofundador da Farmer’s Business Network.
A empresa, cujas fazendas integrantes representam 10.5 milhões de hectares nos Estados Unidos e no Canadá, ajudou a Calyxt a recrutar plantadores e financiou a compra das sementes pelos agricultores.
Há, entretanto, trabalhos adicionais necessários. O produto exige pesticidas diferentes e precisa ser armazenado separadamente. Os equipamentos de colheita, caminhões e armazéns precisam ser limpos completamente, para assegurar que não exista a contaminação por produtos antigos.
Ainda assim, Zimmerman disse estar satisfeito por ter feito o esforço. “Tem sido a soja mais bonita de todo o ano”. Se os preços no contrato forem similares em 2019, ele vai voltar a plantar o produto.
A Calyxt não é a única na área. A suíça Syngenta busca lançar no mercado seus primeiros produtos editados geneticamente no início da próxima década e vem aplicando a técnica a colheitas como tomate, arroz e girassol. A Arcadia Biosciences, na Califórnia, é outra que usa a edição de genes para desenvolver alimentos.
“A colheita da Calyxt não é nem o começo do jogo”, afirmou John Dombrosky, executivo-chefe da AgTech Accelerator, um consórcio de empresas de capital de risco da Carolina do Norte que investe em empresas iniciantes agrícolas.
“Estamos apenas dirigindo para o estádio”, disse Dombrosky. A edição do genoma dos alimentos “poderá fazer tremendas realizações no espectro agrícola e as promessas são simplesmente gigantescas. Seremos capazes de fazer uma sintonia fina dos alimentos para ter benefícios espetaculares na saúde e nutrição”.
Fonte: Bloomberg