Especialistas reunidos na Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro (Emerj) promoveram um debate em torno dos desafios da regularização da propriedade rural no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e no registro de imóveis. O evento foi organizado pelo Fórum Permanente de Direito da Cidade.
“O Plano Diretor do Rio de Janeiro obrigatoriamente considera toda a extensão do município. Daí a relevância de se discutir a regularização do imóvel rural e dos desafios acerca de sua conformidade, considerando ainda as suas peculiaridades e função socioeconômica. O imóvel rural, que é destinado à produção agropastoril, também se relaciona com o direito à segurança alimentar”, destacou Frederico Price Grechi, diretor jurídico da Sociedade Nacional de Agricultura (SNA), na abertura do encontro.
Na ocasião, ele lembrou que o Estatuto da Cidade prevê, entre suas diretrizes legais, nos artigos 2º, inciso VII, e 40, parágrafo 2, a necessidade de integração e complementariedade das atividades das áreas urbana com a rural, tendo em vista o desenvolvimento socioeconômico do município e do território sob sua área de influência.
Irregularidades
“Essas discussões sobre regularização fundiária são de grande importância para que no futuro deixem de haver irregularidades no setor”, salientou o advogado Rogério Devisate. “Hoje em dia é importante saber quem vai titular o que e para quem”, disse ele, fazendo referência às fraudes registradas nos processos de titularização de imóveis, envolvendo ocorrências de grilagem de terras e sobreposição de áreas.
Ao comentar sobre alguns casos do gênero, o jurista citou a Lei 6.739/79, pela qual “são declarados inexistentes e cancelados a matrícula e o registro de imóvel rural vinculado a título nulo de pleno direito, ou feitos em desacordo (…)”
Devisate ressaltou ainda que a origem histórica das irregularidades no campo da regularização fundiária se iniciou em 1494, com o Tratado de Tordesilhas, acordo assinado entre Portugal e Espanha, em 1494, com o objetivo de estabelecer os limites para a exploração das terras encontradas no Atlântico Sul.
No Brasil, de 1530 até 1822, terrenos abandonados pertencentes a Portugal, conhecidos por sesmarias, foram entregues para ocupação.
Cadastros integrados
Hoje em dia, a gestão fundiária por parte do Estado envolve um sistema de cadastros integrados com diversas finalidades, contemplando, nesse contexto, aspectos tributários, ambientais e de produção agrícola, e ainda informações de georreferenciamento, que definem a forma, a dimensão e a localização dos imóveis, por meio de métodos de levantamento topográfico.
O cadastro do Incra, por exemplo, tem caráter declaratório e inclui dados sobre os detentores dos imóveis, seus respectivos títulos, tipos de atividade produtiva e descrições de áreas não ocupadas, explicou Pablo Pontes, engenheiro florestal e coordenador da divisão de Governança Fundiária do órgão da administração pública federal.
“A partir daí, são criados índices que vão servir para a Reforma Agrária e definir outros parâmetros, como procedimentos para que o imóvel seja desmembrado ou deixe de ser um imóvel rural”.
Entraves
Pontes reconhece que a regularização tem enfrentado alguns entraves, como no caso de imóveis rurais antigos em terras da União, que precisam ser doados aos municípios para a realização do processo de regularização urbana (Reurb) no âmbito legislativo.
“É um processo complicadíssimo. A União não pode doar nenhum bem sem que haja um objetivo e um prazo, sob pena de nulidade do contrato de doação e reversão. O prazo de cinco anos geralmente é insuficiente para a regularização fundiária urbana. É um processo burocrático que exige a atuação do poder público em várias instâncias”, destacou o coordenador do Incra.
“A doação precisa ser ajustada, mas com iniciativas e discussões partindo do judiciário, para que o legislativo seja sensibilizado”.
No caso da certificação dos imóveis rurais, Pontes observou que atualmente há dificuldades na identificação da natureza do bem, tendo em vista sua descrição “extremamente técnica e extensa”. Além disso, pontuou o especialista, “o Incra garante uma boa descrição do imóvel, sem que haja sobreposição de áreas, mas não garante o direito de propriedade sobre o pedaço de terra. Isso tem causado confusão e problemas no judiciário”.
Esforço conjunto
O desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ) e presidente do Fórum Permanente de Direito da Cidade, Marcos Alcino Torres, enfatizou que a regularização de imóveis requer planejamento e um esforço conjunto por parte do poder público, de especialistas e instituições para que o processo seja mais rápido e eficiente. “O caminho por onde estamos indo é o da segurança”, disse o jurista.
Arbitragem e outros assuntos
Ainda durante o seminário, o diretor jurídico da SNA ressaltou a importância da arbitragem para a solução de conflitos fundiários agrários, os quais podem também impedir a regularização imobiliária de área rural. Grechi recomendou a prévia realização da mediação entre as partes em conflito, objetivando uma solução consensual e que pode ser cumprida de forma mais célere e eficaz.
Marcelo Brandão, especialista em direito negocial e registral, falou à ocasião sobre questões de interesse como correspondência entre área e matrícula do imóvel, incidência de impostos no processo de regularização, averbações, competências e procedimentos do registrador, itens essenciais de matrícula, desmembramento de imóveis para atender a interesse público, entre outros assuntos.