Por que agricultores já estão vendendo a soja que só vai ser colhida em 2022

O agronegócio brasileiro vive um bom momento dentro e fora da porteira em 2020. Com exportações aquecidas, é o único setor da economia que tem conseguido bom desempenho em meio à pandemia do novo Coronavírus.

Reflexo disso está na soja, principal produto do agro brasileiro e item mais exportado pelo país. E com dólar valorizado e grande procura da China, agricultores estão antecipando a venda do grão que só vai ser colhido no começo de 2022, um fato inédito.

O Brasil se prepara agora para o plantio da safra 2020/21 e, no caso da soja, a colheita está prevista para o início do ano que vem. Isso significa que os agricultores estão antecipando as vendas do produto de uma safra à frente.

A avaliação de especialistas é de que três fatores permitiram esse cenário inédito:

  • Pela primeira vez as indústrias aceitaram comprar o grão tão cedo;
  • Preços atraentes por conta do dólar valorizado;
  • Alta demanda da China, maior compradora mundial.

Especialistas apontam pequenos negócios ocorrendo no Centro-Oeste e no Paraná. Segundo o Instituto Mato-grossense de Economia Agropecuária (Imea), pelo menos 1% da soja de 2022 já foi negociada. Essa venda normalmente ocorreria no início do ano que vem.

“O preço está muito bom. Nós nunca tivemos um ano tão bom como 2020 para preços e, com esse câmbio favorável (para exportação), a gente já consegue também bons preços lá na frente”, disse Luiz Fernando Gutierrez, analista da consultoria Safras & Mercado.

O real desvalorizou mais de 30% em relação ao dólar em 2020. Isso deixa o produto brasileiro mais barato no mercado internacional. Além disso, o Brasil é referência na produção de soja, sendo o maior produtor e exportador mundial.

Negociação antecipada

Outro fator, segundo Bartolomeu Braz, presidente da Associação Brasileira dos Produtores de Soja (Aprosoja Brasil), é que essa é a primeira vez em que os agricultores conseguem fazer uma negociação tão antecipada pelo grão.

“Isso mostra o planejamento e a credibilidade que o produtor rural conseguiu. Já se tentava fazer isso antes e não era possível. Nós conquistamos isso mostrando que somos sustentáveis e que respeitamos nossos clientes”, disse.

Ainda segundo Braz, o dinheiro das negociações está sendo utilizado para a compra de insumos da lavoura, que são cotados em dólar. É uma tática para tentar diminuir os custos de produção.

Porém, vendas tão aceleradas, tanto agora quanto nas negociações futuras, deixaram a soja mais cara no mercado interno e, com isso, indústrias começam a importar o grão de países vizinhos por um preço menor por causa do custo logístico (normalmente são empresas que ficam na fronteira).

Outro reflexo é que a baixa oferta de soja fez o governo rever os planos para o biodiesel no País.

Apetite chinês

Para Ana Luiza Lodi, analista da consultoria StoneX, a China vem buscando mais soja no exterior para recompor estoques e se preparar para o aumento do rebanho de porcos. Após a Peste Suína Africana matar milhares de animais no país, o farelo do grão é usado como ração.

“Além disso, com a pandemia, a gente viu uma preocupação da China com a ruptura da cadeia logística, com os portos parando de funcionar. A China e outros países se adiantaram nas compras, tanto que as exportações cresceram muito nesses sete meses do ano”, disse a analista.

Gutierrez, da Safras, indica também uma preparação da China para uma possível segunda onda da guerra comercial contra os Estados Unidos. Seria uma forma de os chineses terem mais grão estocado sem depender dos americanos.

Safra 2020/21

As vendas antecipadas da soja desta safra, que começa a ser cultivada em setembro, também estão em ritmo acelerado. Segundo as consultorias ouvidas pelo G1, as vendas até o início de agosto são mais do que o dobro da média dos últimos cinco anos.

“A antecipação da safra 2020/21 foi muito rápida. Pelo menos 44% já foi vendido, contra 16% de média”, disse Gutierrez. Para a StoneX, o percentual está em 42% contra a média de 21%.

Quanto negociar

O analista da Safras disse que a recomendação é de que o produtor inicie o plantio com pelo menos 20% da produção estimada já negociada. Mais do que isso, o agricultor passa a correr riscos.

“No avanço da safra, observando as condições de clima e da planta, o produtor vai avaliando a melhor estratégia e pode chegar até uns 60% a 70%”, indicou Gutierrez.

Se o produtor tiver uma grande quebra de safra e não conseguir entregar o grão, ele pode ter de pagar multa para a empresa compradora, ou ter de renegociar a entrega para outro ano e, até mesmo, ter de comprar a soja no mercado para cumprir o acordo.

“Mas é bem interessante esse movimento de venda antecipada de 2021/22. O produtor tem evoluído em seu pensamento, e isso o deixa menos exposto e ele acaba especulando menos.”

Importação de soja

Porém, com vendas tão aceleradas, um fato inusitado começa a acontecer com mais força este ano: o Brasil, maior produtor e exportador do mundo, precisar importar soja. No primeiro semestre de 2020, o País exportou mais de 60 milhões de toneladas da oleaginosa, quase 40% a mais do que no mesmo período de 2019.

A previsão da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) é de que as exportações de soja alcancem 82 milhões de toneladas, o que seria um recorde.

Neste cenário, os preços praticados no Brasil sobem muito, e as indústrias perto da fronteira começam a procurar soja em países vizinhos, especialmente o Paraguai. O motivo é que o frete pode sair mais barato para uma empresa do Paraná comprar do país vizinho do que de Goiás, por exemplo.

“A gente deve importar um milhão de toneladas até o fim do ano. O máximo que a gente tinha comprado foi 590.000 toneladas em um ano. Os estoques vão ser mínimos este ano, devem ser os menores da história”, afirmou Gutierrez.

A estimativa é de que o Brasil encerre 2020 com estoques de passagem (que é o que temos disponível até a próxima colheita) de um milhão de toneladas, contra a média que varia entre três a quatro milhões de toneladas nos últimos anos.

“A questão da oferta é preocupante. A gente já vê dificuldade nos mercados de subprodutos, como farelo e óleo. É uma situação de aperto”, disse Ana Luiza.

Outro reflexo da falta da baixa oferta de soja é de que o Brasil não terá biodiesel suficiente para atender a mistura obrigatória de 12% no diesel nos próximos meses. Com isso, o País reduzirá provisoriamente o percentual misturado para 10%, segundo o ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque.

 

G1

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