Fator Brasil: Antonio Alvarenga em entrevista

O presidente da Sociedade Nacional de Agricultura (SNA), Antonio Alvarenga, também diretor superintendente do Sebrae/RJ, nos fala em entrevista sobre alguns temas cruciais ligados ao agronegócio, perspectivas, enfim, confira a seguir.

1- Há alguns anos o entreposto de pescados na cidade do Rio de Janeiro é citado, até com alguns espaços para instalação, mas até hoje nada aconteceu. E, do que sabemos, cariocas, restaurantes, que desejam frutos do mar fresco e com bons preços, tem de atravessar a ponte até Niterói(RJ). Como está hoje esse encaminhamento, ou não há solução?

Antonio Alvarenga: A cidade do Rio possui um entreposto da Associação dos Pregoeiros de Pescadores e Afins do Estado do Rio de Janeiro (Apaerj) no Ceasa/Conab. Há também um entreposto em São Pedro (Niterói), um e Cabo Frio e outro que irá funcionar em Itaperuna, com pescadores artesanais. Quanto aos frutos do mar, a maior parte deles vêm do Nordeste. O que é importante frisar é que a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, em apoio ao setor, afirmou recentemente que é preciso transformar a pesca em indutora de desenvolvimento e de receita no País, até porquê é uma atividade que ficou parada por muitos anos. O governo reconhece que ainda está engatinhando nesse setor, mas já iniciou um trabalho de planejamento para que a pesca se desenvolva no País.

2O Rio de Janeiro pode ser um estado agropecuário, trabalhando em nível de inovação? Tínhamos a produção de sêmem bovino. Ainda continua? Enfim, hoje qual a produção em alta escala que daria certo no estado?

 AA: O agronegócio está mudando no Brasil e no mundo como resultado do avanço da tecnologia e das inovações. Os avanços tecnológicos no agro contribuem para incrementar a produtividade, melhorar a gestão das propriedades e incrementar a renda e a qualidade de vida dos produtores rurais.Trata-se de uma área que tem atraído muitas agritechs, startups e novos investidores. 

O desenvolvimento da tecnologia com seus sensores, drones, coleta e análise de dados, garante agilidade nos processos produtivos, permitindo o controle de pragas, a melhoria do manejo animal, a conectividade no campo e a elaboração de novos equipamentos, softwares de gestão, etc. Tudo isso está mudando o agro. O Rio de Janeiro, que é sede de diversas universidades de reconhecida excelência e entidades de pesquisa, pode se tornar referência nesse setor.Não se trata de produção em alta escala, mas de agregar valor ao conhecimento dos produtores rurais brasileiros com pesquisa e tecnologia.

3 – Poderia falar sobre a Agricultura Vertical instalada em supermercados? Será o futuro do consumo? Atenderá a grandes demandas?

AA: Esse tipo de agricultura – vertical, hidropônica, aquaponia, etc. são exemplos de produção de alimentos que requerem investimentos maiores em equipamentos, energia elétrica, estufas, entre outros, mas que para certos tipos de culturas como hortaliças, podem ser concebidas em espaços urbanos. A produtividade pode suprir as demandas nas grandes cidades, e isso em relação a certas culturas, mas não a demanda de todas as culturas que fazem parte da alimentação brasileira. Atualmente os produtos são mais caros que os convencionais, cultivados no solo, e atendem a nichos de mercado, mas estima-se que no futuro haja maior oferta para reduzir os preços.

4 – Durante o Enaex, o senhor se posicionou sobre produção sustentável nas agroflorestas. Qual seria a sugestão para o governo no que tange a Amazônia?

AA: O Brasil é o país com a maior biodiversidade do planeta e a Amazônia se destaca como um de seus biomas mais privilegiados, tanto em extensão territorial quanto em variedade biológica. Trata-se de um patrimônio extraordinário. Apesar de toda sua riqueza natural, a maioria da população daquela região vive em estado de extrema pobreza, e grande parte abaixo da dignidade humana. Na Amazônia, a riqueza contrasta com a miséria.

Defender a preservação da região amazônica como um santuário intocável é uma postura de extrema crueldade com seu povo, além de ser de uma burrice incomensurável em termos de desenvolvimento econômico e social do País. Está na hora de deixar de lado o ‘mimimi’ das ONGs e dos pseudo ambientalistas que, por ignorância ou má fé, propagam uma visão distorcida da Amazônia.

Não estamos defendendo a destruição da floresta amazônica. Estamos apenas preconizando sua utilização de forma racional e sustentável, com base em tecnologias que venham a ser desenvolvidas por meio de pesquisas científicas. Elevar o nível sócio-cultural da população amazônica é a forma mais eficiente de preservar a região. A miséria é a maior inimiga do meio ambiente. Não há floresta que resista à falta de educação e conhecimento de seus habitantes.

Há cerca de 40 anos, a partir de pesquisas desenvolvidas pela Embrapa, o produtor rural brasileiro, com sua extraordinária capacidade empreendedora, incorporou o Cerrado ao processo produtivo. E transformou a região em um dos mais prósperos celeiros do mundo.

Está na hora de direcionar os esforços de nossas instituições de pesquisa para estudar e conhecer melhor a Amazônia, a fim de que possamos explorá-la economicamente, de forma racional e sustentável. Temos de agregar à riqueza da região o que há de melhor em pesquisa científica aplicada e a inequívoca capacidade empreendedora do produtor rural brasileiro.

O Brasil não deve nada ao mundo em termos de preservação ambiental. Pelo contrário, temos a legislação ambiental mais avançada do planeta. 62% de nosso território é composto por vegetação nativa, incluindo reservas legais, unidades de conservação e territórios indígenas. No caso da Amazônia, 86% da área é coberta por florestas e rios. A Amazônia precisa ser o próximo desafio de nosso agro.

5 – Hoje, as exportações do agronegócio somam 43%. Qual a perspectiva de aumento para este ano e para os próximos?

AA: O surto do novo Coronavírus na China pode afetar as exportações brasileiras, assim como a assinatura da fase 1 acordo comercial entre EUA e China. É o caso da soja, por exemplo, que teria um cenário desfavorável, caso a China opte por comprar mais soja dos EUA. Outro setor que pode ser impactado é o da carne, porém, não no curto prazo.  Mesmo com a redução da demanda de carne na China, ainda falamos de escassez de carne no país asiático. Os EUA não têm como atender esta demanda sozinhos. Mas não podemos ignorar que um acordo comercial entre estes países pode ser prejudicial para o Brasil a longo prazo.

Outros produtos que podem sentir os impactos do acordo comercial EUA-China são o papel e a celulose. O etanol ainda não foi formalmente inserido na pauta do acordo.

Portanto, as commodities afetadas pela fase 1 do acordo comercial EUA-China seriam: a soja, o algodão, o café e o milho.  No caso do etanol, o cenário pode ser diferente porque o produto deve ser incluído no pacote de compras chinês que procura reduzir emissões e reduzir a poluição urbana. Outro fator é o etanol nos EUA: se os americanos começarem a exportar mais etanol, teremos uma demanda aquecida para os preços do milho.

A carne pode ter sua demanda reduzida pela trégua comercial. No entanto, a recuperação dos rebanhos chineses vai levar algum tempo, favorecendo ainda o Brasil.

Mesmo com o acordo comercial EUA-China, o Brasil continuará sendo um player internacional importante do agronegócio. Em 2020, se espera que o País seja fornecedor mundial de alimentos, agroindústria, biocombustível, papel, celulose, fibras e borracha. A produção da pecuária brasileira deve ocorrer de forma mais profissional.

Caso aconteça a perda de espaço no mercado chinês, nosso principal parceiro comercial, ainda há muitos destinos para as exportações brasileiras. Por exemplo: o mercado árabe, para a carne brasileira; e a União Europeia, para a soja, algodão e milho e outras commodities. O destino da EU deve ser favorecido com o novo acordo MERCOSUL-UE, ainda que barreiras protecionistas emperrem um fluxo maior de vendas em alguns casos.

Outro fator que deve contribuir para o crescimento do agronegócio brasileiro será a exportação de produtos lácteos à China, já sinalizada pela Ministra Tereza Cristina. Se o Brasil conseguir exportar estes produtos para uma economia rigorosa como a China, abriremos as portas em outros países com políticas de exportação rígidas.

Mesmo com as perspectivas de crescimento, o Brasil terá de superar alguns gargalos para potencializar a produção do setor. Entre eles: logística, uso da água e desmatamento.

A logística do setor encontra grandes desafios na infraestrutura portuária, especialmente nos picos de safra. Em 2020 ainda devem permanecer com estes gargalos, mas as melhorias devem ocorrer em 2025. A agenda de reformas do governo pode atrair projetos de privatização e concessões muito importantes para a infraestrutura de portos e estradas.

O uso correto de água deve fazer parte de uma das tendências do agro em 2020, com o uso sustentável da terra na produção conjugada de lavoura, floresta e pecuária.

Já a questão do desmatamento, fundamental para o sucesso dos acordos com a União Européia, vai depender das decisões das associações e produtores.  Alguns defendem, por exemplo, a moratória da soja, outros acreditam que não é necessária.

É um grave erro culpar o agronegócio pelo desmatamento da Amazônia. O desmatamento não é defendido pelas entidades de classe, nem pela Ministra Tereza Cristina. Mas hoje é difícil tirar essa ideia da população. Lidar com a desinformação sobre a origem do desmatamento ilegal será um grande desafio em 2020.

Enquanto isso, um novo protagonista rouba os holofotes da agroindústria brasileira: é o etanol de milho, que promete impulsionar o crescimento do setor, com a implantação de novas unidades de produção no País. Contudo, a soja ainda deve permanecer no seu posto de líder do agronegócio nacional.

6 – E a produção da avicultura da raça “Índio Gigante”? O senhor vê valor agregado à esta novidade para os produtores, consumidores, etc.?

AA: A “Índio Gigante” é uma raça de galo que pode ser encontrada em cerca de 20 mil propriedades brasileiras. Atualmente está bastante valorizada, mas o problema é que ainda não foi homologada como raça. É considerada uma das melhores aves do mundo. Acredito que daqui a alguns anos, com pesquisas de melhoramento genético, poderemos ter uma raça pura de origem, genuinamente brasileira, com registro e reconhecimento pelo Ministério da Agricultura. Com certeza, é uma ave diferenciada e seu tamanho chama a atenção dos criadores.

7 – Presidente, temos um histórico de Câmaras de Comércio no Brasil: uma que foi criada em 1896 (124 anos atrás), a CCIB (Câmara de Comércio e Indústria do Brasil), que está sendo ampliada com serviços, e neste 2020, com novos membros, atualização de estatuto e a expectativa de fomentar os negócios. Na sua opinião, qual a importância dessas Câmaras?

AA: Além de cumprirem seu papel de promover o comércio, a indústria e setores relacionados, as câmaras se destacam por seu caráter independente na organização de suas atuações e na elaboração de estratégias de penetração nos diversos mercados nacionais. Outro aspecto importante nesse contexto é a é a organização de missões comerciais em que empresários de determinado setor são trazidos para o Brasil para conhecer as possibilidades de mercado. No caso da CCIB, com seu programa de expansão, irá incrementar ainda mais as relações comerciais do Brasil com o mundo.

 

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