Os desafios da “abertura da economia” brasileira

A economia brasileira permanece como uma das mais “fechadas” do mundo, nomeadamente, mas não só, em termos comerciais.

Pesquisa recente do Banco Mundial, envolvendo 188 nações de todo o mundo, mostrou que nossa economia só é mais “aberta“ ao exterior que Nigéria e Sudão. Medindo-se o “grau de abertura” pela métrica mais consagrada (soma das exportações e importações de bens e serviços dividido pelo PIB), chega-se ao percentual de 22%, enquanto que a média mundial é de 45,19% (2017).

Pior que isso, parece mesmo que regredimos. Apenas como ilustração: em 1948, segundo a OMC (Organização Mundial do Comércio), o Brasil detinha 2% das exportações mundiais, mais que China (0,90%) e México (0,80%). Em, 2017 o Brasil encolheu sua fatia para 1,30%, enquanto China foi para 13,20% e México 2,40%.

Mas porque afinal permanecemos assim tão “fechados” ao resto do mundo? Ao permanecer nesse “status quo” de uma “autarquia econômica” estamos renunciando a muitos benefícios da integração com as demais economias, ficamos ausentes das cadeias produtivas internacionais, sem incentivos a aumentos da produtividade impulsionados pela maior concorrência, estagnados e acomodados na incorporação de novas tecnologias e inovações.

A razão principal dessa letargia se deve em grande medida a políticas públicas inadequadas, de corte marcadamente protecionista. Os níveis de proteção tarifária, e também “não tarifária”, as atividade produtivas nacionais, especialmente na indústria de transformação e em parte do setor de serviços, estão entre os mais elevados do mundo. Isso tem sido demonstrado, por décadas, por muitos estudos e pesquisas de organizações especializadas.

É verdade que em diversos momentos históricos recentes houve reações a este estado de coisas, com a implementação de liberalização tarifária. Isso ocorreu, por exemplo, em 1966/67, em 1990/92, e mesmo mais recentemente, ao final dos anos 90. Mas, infelizmente, sempre foram em grande parte revertidas por fatores conjunturais e/ou pressões de grupos de interesse.

Atualmente, já quase duas décadas em pleno século XXI, continuamos defasados do mundo, apesar dos esforços recentes do Governo em perseguir uma agenda de liberalização comercial e tecnológica.

Estudos recentes utilizando técnicas modernas de medir o grau de proteção à economia brasileira mostram com mais dramaticidade ainda essa distorção.

Trata-se da metodologia de avaliação do protecionismo pela chamada “assistência tarifária aos setores econômicos”. Ou ainda, o chamado “Índice de Assistência Efetiva” para os setores produtivos.

Esse indicador é calculado como uma proporção do valor adicionado de cada setor, a partir do chamado “valor adicionado de livre comércio”, que ocorreria se não houvesse incidência do protecionismo tarifário sobre os produtos finais e insumos.

O cálculo desse indicador parte do consagrado conceito de proteção efetiva formulado pioneiramente em meados dos anos 60, mas é mais amplo e compreensivo ao incluir não apenas as tarifas nominais de produtos e insumos, através dos coeficientes técnicos da matriz de insumo-produto, como também as influências de variáveis como o Valor Bruto da Produção, as exportações, as importações e o consumo intermediário.

Essa metodologia tem como referência trabalhos pioneiros na década de 70 desenvolvidos na Austrália, pela Industries Assistence Commission, que são publicados anualmente pelo governo australiano, e seguidos por diversos países.

Trata-se na verdade de estimativas do quanto a sociedade “transfere” a cada setor de atividade, algo como uma “mais valia”, através do sobre preço pago pelo produto vendido no mercado interno em função do protecionismo.

Nesse sentido, trabalho recente, aplicando a referida metodologia, foi desenvolvido pela equipe da diretoria de Estudos Internacionais do IPEA para a economia brasileira, em início de novembro de 2019 e lançado ao público no final de novembro.

Detalhes técnicos à parte, que não caberiam nesse breve artigo, ressalte-se que o conceito de “assistência efetiva” depende não apenas das tarifas protecionistas e dos coeficientes técnicos, como também fundamentalmente de dois elementos fundamentais, a saber, (i) do peso que as exportações nas vendas de cada setor.; como a parcela exportada da produção não recebe assistência via tarifas, o indicador será tanto maior como menor for a participação das exportações em relação ao valor da produção; e (ii) do valor adicionado, que sendo o denominador do indicador de assistência, será tanto maior quanto menor for o valor adicionado em proporção do valor da produção.

Os resultados dessas medidas encerram lições interessantes e curiosas. Se por um lado a tarifa média nominal das importações ficou estável nos últimos anos, em torno de 13,50% (ou seja, nenhum movimento premeditado de liberalização comercial), registraram-se muitas variações nas razões valor adicionado/valor bruto da produção e exportações/Valor Bruto da Produção, o que tem afetado sobremaneira a tal “assistência efetiva aos setores econômicos”.

Por exemplo, entre 2010 e 2014 houve compensação entre os efeitos, do que resultou relativa estabilidade na “assistência” Já entre 2015 e 2016 houve movimento no sentido de redução do indicador. Tudo isso sem alteração nas tarifas nominais de importação.

O que mais chama atenção, no entanto, são os valores em moeda constante dessas transferências, e as diferenças entre os setores. Medida em valores, o total real em 2016, por exemplo, foi de R$ 148.9 bilhões, valor equivalente a 2,20% do PIB. A indústria de transformação apropriou-se de quase toda a assistência efetiva, com R$ 141.8 bilhões, ou seja, 2,10% do PIB. E dentro da indústria, o valor mais elevado foi no ramo de “automóveis, caminhões e ônibus”. Talvez por isso a Austrália, que implantou essa metodologia, tenha decidido abandonar a produção de veículos há alguns anos atrás.

Os menores valores, e obviamente os menores percentuais de “assistência tarifária” foram registrados nos setores de agropecuária (apenas 2,60%, contra 25,70% na indústria automotiva) e extrativa em geral, nesse caso com proteção Negativa de -3%!

O Brasil possui sabidamente maiores vantagens comparativas de custo, e, portanto, vantagens competitivas, precisamente nesses setores que recebem menos “assistência tarifária”. E em grande parte dos ramos da indústria de transformação, por outro lado, compensamos a incapacidade competitiva com mais “assistência”.

O problema é que o processo de industrialização no Brasil implementado pela via da substituição de importações e sob a égide da “indústria nascente” não conseguiu até hoje firmar postura de eficiência competitiva capaz de dispensar “assistência”. Em algum momento teremos que refletir melhor sobre esse fato da vida econômica!

Carlos Von Doellinger é economista e Presidente do IPEA

Valor

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