Acordo do trigo com EUA irrita Argentina

A decisão do Brasil de abrir uma cota de 750.000 toneladas de trigo sem tarifa de importação que beneficiará, sobretudo, os Estados Unidos, foi mal recebida pelo governo da Argentina, principal exportador do cereal ao mercado brasileiro. O país vizinho questionará a medida do governo Bolsonaro no âmbito do Mercosul.

“Sempre que o Brasil insinuou a possibilidade de comprar trigo fora do Mercosul, a Argentina se opôs”, disse Luis Miguel Etchevehere, secretário de governo da agroindústria da Argentina, ao La Nación. “Diante do ocorrido, vamos avaliar as ferramentas previstas que o Mercosul possui para analisar o caminho que devemos seguir”, completou Etchevehere.

Ocorre que pelas regras do Mercosul, o trigo importado de países que não fazem parte do bloco tem de pagar uma tarifa de 10%, o que costuma manter o produto argentino mais competitivo que o de concorrentes como os próprios EUA e a Rússia, por exemplo.

A cota anunciada, como esclareceu o Ministério da Agricultura, não é válida apenas para o produto dos EUA, ainda que o país tenha “vantagens comparativas” para aproveitá-la, como oferta ampla e logística.

Em 2017, os americanos passaram a pedir acesso ilimitado para exportar trigo sem tarifa ao Brasil na nossa entressafra, de fevereiro a setembro, pleito que contou com apoio dos moinhos brasileiros. Naquele momento, a Casa Rosada evitou a criação da cota após uma negociação diplomática com Brasília.

O que surpreende os argentinos neste momento é que não há problemas de abastecimento. Pelo contrário, já que o país acaba de registrar uma colheita recorde pouco superior a 19 milhões de toneladas.

Em 2018, o Brasil ampliou em 16,9% suas importações de trigo, para 7.04 milhões de toneladas. A Argentina foi responsável por 84,4% desse total, ou 5.9 milhões de toneladas. Em janeiro, Bolsonaro e o presidente da Argentina, Mauricio Macri, conversaram sobre readequar tarifas, sem definição para o trigo.

Segundo analistas, o fato é que a nova cota poderá pressionar as cotações na Argentina, melhorar o poder de barganha dos moinhos importadores e se tornar mais uma dor de cabeça para os produtores brasileiros, apesar de o tamanho do mercado e a geografia sugerirem que há espaço para todos.

Cálculos da T&F Consultoria mostram que, apesar da distância maior, o trigo proveniente dos EUA chegaria aos portos do Sudeste e Nordeste do Brasil praticamente nas mesmas condições do argentino. As diferenças seriam irrisórias e, assim, negociáveis.

Segundo a consultoria, levado-se em conta um câmbio de R$ 3,7892, o trigo americano chegaria a Santos por R$ 1.093,40 a tonelada, enquanto o argentino sairia por R$ 1.085,40. Já para Salvador e Fortaleza, o trigo dos EUA custaria até mais barato que o argentino. Na capital baiana, o cereal americano ficaria por R$ 1.032,37 contra R$ 1.036,56 do argentino. Na capital cearense, ficaria R$ 977,54, contra R$ 1.039,99.

“Os preços mais baratos praticados nos EUA, unidos ao frete marítimo, justificam a importação para os moinhos do Sudeste e Nordeste. O mesmo não acontece para as indústrias do Sul, que são atendidas pelos produtores locais e, obrigatoriamente, por países do Mercosul”, afirmou Luiz Pach, sócio consultor da T&F.

Paraná e Rio Grande do Sul são responsáveis por 90% da produção nacional de trigo, mas são grandes consumidores do cereal (principalmente o Paraná) devido a um grande parque moageiro. Outros estados não se beneficiam dessa oferta porque são obrigados a pagar 8% de ICMS no transporte.

Atualmente, um moinho de São Paulo pagaria R$ 1.176,00 a tonelada pelo trigo do Paraná, levando em consideração o preço de R$ 950,00 a tonelada, mais 8% de ICMS e R$ 150,00 de frete rodoviário. Para a compra de um carregamento argentino, o custo seria de R$ 1.085,00 a tonelada.

“O frete rodoviário do Paraná para São Paulo custa cerca de US$ 40,00 a tonelada, enquanto o marítimo de Baia Blanca (Província de Buenos Aires – Argentina) para o mesmo moinho, passando por Santos e todos os seus trâmites, é de US$ 17,00”, disse Pach. Vindo do Rio Grande do Sul, a diferença seria ainda maior devido à distância.

Para Fortaleza, o frete de cabotagem do trigo paranaense está em US$ 28,00 a tonelada, enquanto o marítimo, desde Baia Blanca, custa US$ 23,00. “Hoje só podemos contar com a Argentina e teremos outras opções. Mas são só 750.000 toneladas, o que é bem pouco diante do total importado pelo Brasil”, afirmou o consultor.

Neste ano, o país ainda precisa comprar entre 2.5 milhões e 3 milhões de toneladas entre abril e agosto e a Argentina tem estoques ajustados.

“Eles têm algo como sete milhões de toneladas, para uma necessidade dos moinhos locais em torno de 3.7 milhões de toneladas. Ou seja, são 3.3 milhões de toneladas para atender o Brasil e o restante dos compromissos internacionais da Argentina”, calculou Pach. De toda forma, com ou sem concorrência, a Argentina continuará a ser o principal fornecedor do Brasil, segundo o consultor.

A produção brasileira atingiu 5.4 milhões de toneladas em 2018, para um consumo de 11.3 milhões de toneladas. A expectativa da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) é que a produção do país cresça 3,7% em 2019.

 

Valor Econômico

 

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