Automação intensiva

“Basta uma fagulha para o canavial arder em chamas, espalhando prejuízos financeiros e ambientais. “A redução dos danos depende da agilidade no combate ao fogo”, disse Raul Guaragna, diretor de operações industriais da Tereos, grupo de origem francesa que produz açúcar, etanol, amidos e adoçantes. No interior paulista, a empresa mantém sete unidades. Enfrenta invernos secos e quentes, propícios aos incêndios. A vigilância constante é a única estratégia possível.

No início da safra (2018/2019), a companhia instalou um sistema que monitora cada metro quadrado de seus canaviais. A solução é composta pelos “olhos atentos” de 13 satélites e um software, desenvolvido pela startup rio-pretense GMC Ambiental, capaz de captar e interpretar as informações que chegam da órbita da Terra. “Em dez minutos, o sistema identifica mudanças bruscas na temperatura, indica as coordenadas exatas do foco e envia alerta para a central de controle”, disse o executivo.

O investimento na solução de monitoramento chegou a R$ 1 milhão. Já no primeiro ciclo de uso, a Tereos registrou queda na área (- 40%) e na quantidade (- 30%) de cana queimadas. “Foi um ano extremamente seco e ainda estávamos ajustando os algoritmos e os parâmetros. Esperamos índices melhores para a próxima safra”, afirmou Guaragna. Na visão dele, só a redução dos impactos ambientais já compensa o investimento. “Mais do que plantar e processar cana com eficiência, temos responsabilidade com a sociedade”, disse.

A operação da Tereos, que conta com automação intensiva, aprendizado de máquinas e uso de análise complexa de dados, do plantio ao processamento industrial, exemplifica a busca dos produtores brasileiros por uma agricultura moderna, eficiente e a alinhada à expansão sustentável do agronegócio. O Brasil é considerado território estratégico para saciar a fome da crescente população mundial.

As projeções globais, segundo informa a Embrapa em um estudo sobre o futuro da agricultura, são de aumento no consumo de água (+ 50%), energia (+ 40%) e alimentos (+ 35%) até o ano de 2030. Neste cenário, a saída está em aplicar ciência, tecnologia e inovação, os componentes do agronegócio 4.0, para intensificar a produção, sem abrir mão de áreas de preservação ambiental. É preciso ainda reduzir uso de água e integrar as atividades de agricultura, pecuária e floresta.

“Cresce também a demanda por produtos de maior qualidade, que permitem tirar o máximo proveito da área plantada”, afirmou Cleiton Vargas, vice-presidente de produção da Yara Brasil. Para ele, o avanço da tecnologia vai permitir nutrição mais especializada no campo, ampliando a produtividade por hectare.

O Brasil é um gigante do agronegócio e uma reserva de valor para a segurança alimentar. Não é à toa que as lavouras brasileiras são acompanhadas de perto por órgãos como a Organização das Nações Unidas e a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que pressionam o país para produzir de forma mais eficiente e sustentável.

Em 2017, segundo dados do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada da Universidade de São Paulo (Cepea/USP), o agronegócio respondeu por 21 59% do Produto Interno Bruto (PIB). Somando toda a cadeia produtiva (agricultura, agropecuária, silvicultura, máquinas e implementos, fertilizantes, defensivos, entre outros insumos), o PIB do agronegócio somou R$ 1.4 trilhão em 2017. Só as exportações movimentaram US$ 96 bilhões, gerando saldo positivo de US$ 81.8 bilhões na conta corrente do país.

“A produção de grãos está no patamar de 230 milhões de toneladas e a de celulose vai muito bem”, disse Luiz Cornacchioni, diretor-executivo da Associação Brasileira do Agronegócio (Abag). Para ele, o país tem de assumir sua vocação agrária. “Não há vergonha nisso. Se conseguirmos disseminar a agricultura moderna, baseada no uso intensivo de tecnologia, vamos transformar a economia e ampliar nossa relevância global”.

A conta de Cornacchioni inclui a preparação do país para conectar a roça à internet, melhorias na infraestrutura para o escoamento da produção e programas de capacitação para que a agricultura digital leve ganhos a propriedades de todos os portes. “A modernização do campo vai permitir melhor integração com a indústria. Há uma oportunidade real de verticalizarmos a produção”, disse o diretor da Abag.

Essa verticalização inclui, na visão dele, o beneficiamento de alimentos e a criação de negócios que dependem de insumos agrícolas, como alcoolquímica, produção de óleos vegetais para indústria de cosméticos e exploração sustentável da biodiversidade. “Se olharmos nossos recursos, somos imbatíveis. Temos tudo aqui”, afirmou Cornacchioni.

Uma demonstração clara da força do setor está na formação de gigantes, nacionais e estrangeiras, para explorar os produtos da terra. A fusão entre Fibria e Suzano resultou na maior empresa do agronegócio brasileiro. Já a compra da Monsanto pela Bayer vai mudar o portfólio da empresa alemã por aqui. “Com a aquisição, 85% dos negócios estarão concentrados na divisão agrícola. O Brasil será o segundo maior mercado destes produtos, atrás apenas dos EUA”, disse Gerhard Bohne, presidente da divisão agrícola da Bayer no Brasil.

Outro ganho do negócio está em aumentar a atuação da Bayer na entrega de soluções de agricultura digital, ampliando os serviços oferecidos no País. “Nosso compromisso vai além do desenvolvimento de sementes capazes de proteger as culturas. Os avanços tecnológicos oferecem aos agricultores métodos mais rápidos e precisos para monitoramento da produção”, afirmou Bohne.

“A conectividade é um grande desafio para a agricultura 4.0”, disse Eduardo Polidoro, diretor de negócios de Internet das Coisas da Embratel. Segundo ele, as operadoras de telecomunicações montaram infraestrutura para chegar às aglomerações urbanas, atendendo à demanda das pessoas.

“No campo, o usuário de rede é a máquina. Muda a oferta de serviços”, comentou. A Embratel precisou fazer uma incursão no agronegócio antes de passar cabos, instalar antenas ou direcionar satélites para as propriedades. “Levar só a conexão não adianta”, disse Polidoro, lembrando que o produtor rural compra soluções prontas para gerar valor ao negócio.

Para chegar aos rincões do País, a empresa tem apostado em parcerias com os clientes. “Infraestrutura de telecomunicações exige capital intensivo, então buscamos contratos que nos permitam realizar o investimento e amortizá-lo”, explicou Polidoro.

Rodrigo Bonato, diretor de vendas da John Deere Brasil, garantiu que a demanda por conexão vai aumentar no campo. “A partir do próximo ano, todos os tratores saem de fábrica com alguma função de conectividade”. Ele ressaltou que, somente no Brasil, a John Deere investiu US$ 550 milhões na última década, orçamento que incluiu soluções para a agricultura de precisão e conectividade das máquinas.

“O produtor entendeu que precisa automatizar para reduzir os custos de produção e o uso de insumos”, disse Bonato. Com o avanço da agricultura digital e suas soluções capazes de transformar dados em informações relevantes para o negócio, quem estiver no modo analógico fica fora do jogo. “Os ganhos da conectividade são imediatos”, afirmou o diretor.

 

Fonte: Valor Econômico

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