O tabelamento do frete e a competitividade

Por Sergio Lamucci

A brilhante ideia de tabelar o frete rodoviário tem levado empresas que precisam escoar a produção agrícola a pensar na criação ou ampliação de frotas próprias de caminhões, como noticiou o Valor na semana passada. Medida adotada pelo governo para encerrar a greve dos caminhoneiros que paralisou o País no fim de maio, o estabelecimento de preços mínimos para o transporte de carga elevou fortemente os custos, segundo as companhias, causando transtornos a quem deveria se concentrar em produzir, processar e comercializar alimentos.

A distorção obriga as empresas a perder tempo e dinheiro para traçar planos para lidar com o impacto da alta do preço do frete. É a típica política intervencionista que prejudica a eficiência do setor privado. Em entrevista à repórter do Valor Bettina Barros, o diretor para oleaginosas na América do Sul da Cargill, Paulo Sousa, deixou clara a sua irritação com a medida. “Estamos vivendo algo inédito: o governo brasileiro defendendo a formação de cartéis privados no país. Não tenho palavras para descrever quão absurda é a intromissão governamental e a omissão regulatória em assuntos privados”, disse Sousa, que está em vias de definir a compra de 1.000 caminhões. O assunto tomou a agenda do empresário nos últimos dois meses.

Executivos de empresas como a Cargill deveriam dedicar o seu tempo em planejar como operar com a maior eficiência possível em seu setor de atuação, e não em decidir se devem ou não adquirir, e depois administrar, uma frota de 1.000 veículos pesados.

“O governo fez concessões que infringem regras básicas de funcionamento de uma economia de mercado”, disse o economista Renato Fragelli, professor da Escola de Pós Graduação em Economia (EPGE) da Fundação Getúlio Vargas (FGV), ao comentar as decisões do Planalto na crise da greve dos caminhoneiros.

Decidido às pressas, o tabelamento do frete prejudica ainda mais a competitividade das empresas brasileiras, brindadas com uma alta inesperada de custos por causa do desespero do governo em encerrar a paralisação. A medida provisória (MP) sobre o tema foi aprovada pelo Congresso e aguarda sanção do presidente Michel Temer. O ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal (STF), marcou para 27 de agosto uma audiência pública sobre o caso com representantes do governo, das empresas e dos transportadores autônomos.

Pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (IBRE) da FGV, Samuel Pessôa vê no episódio “um claro caso” de intervenção gerando menor eficiência na economia. O ponto é que decisão das empresas de formar ou ampliar frotas próprias não tem como objetivo melhorar a eficiência produtiva.

O resultado acaba por prejudicar a produtividade de uma economia que já enfrenta graves problemas nesse front. Cálculos de Pessôa mostram que a produtividade total dos fatores (PTF) cresceu apenas 0,2% ao ano entre 1982 e 2016. A PTF é uma medida de eficiência com que os fatores, capital e trabalho, se transformam em produção. Com uma PTF que se move nesse ritmo fraquíssimo, as perspectivas de crescimento no longo prazo são obviamente pouco animadoras.

O tabelamento do frete foi uma medida tomada de improviso e no meio de uma crise que emparedou um governo fraco, mas no Brasil abundam exemplos de regras vigentes há muito tempo que prejudicam a competitividade da economia. Um dos casos mais óbvios é a dificuldade das empresas em cumprir com as obrigações de um sistema tributário ultra complexo.

Presidente da Câmara de Comércio e Indústria Brasil-Alemanha e vice-presidente-executivo do grupo Robert Bosch na América Latina, Wolfram Anders faz uma comparação que dá uma ideia do tamanho do problema. Segundo ele, a Bosch da Espanha, que tem um volume de vendas semelhante ao da companhia no Brasil, conta com apenas um especialista em tributação. Por aqui, são 35, disse Anders, em junho. A empresa tem de gastar um tempo enorme com uma tarefa que nada tem a ver com a sua atividade principal.

Simplificar o sistema tributário é uma das medidas fundamentais para tornar mais competitivas as companhias que atuam no Brasil, repetem sempre os especialistas em tributação. Os assessores dos principais candidatos à Presidência têm mencionado o assunto e o apontam como prioridade, mas o País mostra uma incapacidade de avançar nessa direção, apesar de o tema ser amplamente conhecido há muitos anos.

Embora o problema mais urgente a ser resolvido na economia seja a situação fiscal, dada à trajetória de alta explosiva da dívida pública, é crucial que o próximo presidente adote uma agenda clara e bem definida para melhorar a eficiência. O crescimento sustentado a taxas mais elevadas depende da melhora da produtividade.

É preciso evitar regras que atrapalhem a vida do setor privado, como a complexidade do sistema tributário, ao mesmo tempo em que também é necessário deixar de proteger empresas ou setores ineficientes. Companhias que dependem de tarifas de importação elevadas e de crédito subsidiado para sobreviver prejudicam a produtividade média da economia, reduzindo a capacidade de crescer a taxas mais robustas. Uma abertura comercial mais agressiva, nesse cenário, é um ponto importante a ser perseguido nos próximos anos.

Outro fator que torna urgente a adoção de políticas para aumentar a eficiência da economia é o fim do bônus demográfico, como apontado em reportagem de Bruno Villas Bôas, publicada no Valor da semana passada. As novas projeções populacionais divulgadas pelo IBGE indicam que esse fenômeno terminou neste ano, uma vez que a população em idade ativa, de 15 a 64 anos, passou a crescer a um ritmo inferior ao da população total. Com isso, chegou ao fim à etapa mais propícia da estrutura etária do país ao crescimento.

O término do bônus demográfico é um motivo dos mais relevantes a mostrar que a produtividade precisa ser de fato tratada como prioridade, como defendem analistas como Pessôa e Fragelli. Sem isso, a tendência é que as taxas de expansão do PIB sejam ainda mais magras do que já foram nas últimas décadas.

 

Fonte: Valor

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