As chances que o Brasil está perdendo de ter uma participação ainda mais vantajosa no comércio mundial de soja em face da guerra comercial entre China e Estados Unidos foi manchete no noticiário internacional no fim de mais uma semana em que o mercado nacional foi marcado pelas incertezas trazidas pela questão dos fretes.
“Os prêmios no Brasil têm subido de forma muito expressiva diante de uma demanda ainda maior por parte da China, mas os produtores não conseguem capturá-los em sua totalidade por conta da alta nos fretes”, destacou a Bloomberg. São mais de US$ 2,00 acima das cotações da Bolsa de Chicago, ofertados para a soja brasileira da safra 2017/18 neste momento.
O entrave em torno da questão dos preços dos fretes e de seu tabelamento se estende desde o último dia 30 de maio e tem ajustado de maneira muito severa as margens tanto dos produtores rurais, quanto dos demais elos das cadeias de produção e distribuição. Em determinados pontos do país, os fretes somente para a soja tiveram um aumento de até 150% ao seguir o tabelamento.
A situação é tão incerta que faz com que os produtores se retraiam e evitem novos negócios. O que se observa nos últimos dias é, portanto, a busca por uma retomada do ritmo, ao menos, do escoamento dos negócios já firmados.
A repórter da Bloomberg questiona: “E se a disputa entre China e Estados Unidos se resolver rapidamente? O Brasil terá desperdiçado essa ‘vantagem’ ocasionada por uma briga geopolítica?”.
O questionamento chega em um momento em que a situação dos fretes no Brasil tem a perspectiva de se resolver somente em agosto, com uma audiência pública marcada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) para acontecer no em 27 de agosto e no dia em que uma nova declaração do presidente Donald Trump afirma que os EUA estão prontos para tarifar a China em US$ 500 bilhões.
Será difícil prever.
Os preços para a soja brasileira, nos portos e no interior do Brasil, remuneram bem os produtores neste momento, segundo analistas e consultores de mercado. Com prêmios acima dos US$ 2,00 por bushel sobre as cotações de Chicago e com um câmbio favorável, apesar de volátil, o produto disponível se mantém próximo dos R$ 90,00/saca nos terminais de exportação.
Na última semana, em Rio Grande, a soja no mercado spot subiu 1,74%, sendo cotada a R$ 87,50/saca e no mercado futuro, para embarque em agosto, a alta foi de 2,07% para R$ 88,80. Em Paranaguá, apesar da baixa de 2,97% no acumulado semanal em função da queda do dólar nesta sexta-feira (20), o preço ainda ficou em R$ 88,30, testando, nos melhores momentos da semana, patamares acima dos R$ 90,00. Ainda no porto paranaense, a saca da soja da safra nova se manteve estável a R$ 81,00.
Nesta sexta-feira, boa parte das principais praças de comercialização pesquisadas pelo Notícias Agrícolas fecharam o dia com os preços sem variação, apesar da alta em Chicago, em função da queda do dólar e mais a incerteza sobre os fretes. As cotações têm variado entre R$ 67,00 e R$ 88,00/saca.
Safra 2018/19 travada
Se o ritmo na comercialização da safra 2017/18 é lento, a da safra 2018/19 está travada. Segundo números da Abiove (Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais), no período em que a questão se arrasta, as vendas antecipadas da nova temporada poderiam estar 7% mais avançadas.
“Com isso, perdemos de vender cerca de 9 milhões de toneladas e de faturar US$ 3 bilhões”, disse o gerente de economia da instituição, Daniel Furlan Amaral, em entrevista ao Notícias Agrícolas nesta sexta. “O avanço da comercialização da safra nova depende de uma solução desse impasse”.
Ainda sobre 2018/19, a Abiove expõe sua preocupação com a chegada dos insumos para que o plantio se dê no tempo correto, dentro da janela ideal de cultivo. “A agricultura não espera, estamos falando de um limite climático”.
Em entrevista à Bloomberg, o produtor rural Ricardo Arioli, de Mato Grosso, afirma ter apenas 8% de sua nova safra já comercializada, contra 40% do mesmo período do ano passado, nessa mesma época. “Ninguém quer comprar ou vender soja neste momento”, disse. “Os produtores irão ficar com esta conta. Tenho certeza disso”, completou.
Peso duplo
Comprometendo também a logística dos insumos, a incerteza paira também sobre o futuro da nova safra de verão do Brasil. A entrega dos fertilizantes se mostra atrasada no país, já que não há mais o frete de retorno após a entrega do grão nos portos, e o acúmulo de atividades, após a definição de um acordo sobre o assunto, pode comprometer os trabalhos de campo.
“Os grandes prejudicados são os produtores rurais. Estes sofrem duas vezes, na chegada dos insumos, com preços mais altos, e na venda da produção, com preços mais baixos”, disse o analista da Granoeste Corretora de Cereais, Camilo Motter.
O executivo disse ainda que o custo do transporte seja formado pela demanda ou pela oferta, como rege a lei de mercado, acaba ameaçado pelo tabelamento.
“Primeiro, no caso dos produtos agrícolas, estes são produtos cuja formação do preço é de demanda. Portanto, existe uma decomposição do preço de mercado até chegar ao produtor rural. Isto significa que o preço de mercado não irá subir e o custo do transporte será arcado pelo produtor”, disse Motter.
Na sequência, explica a contramão. “No segundo caso, quando o preço é de oferta, no caso dos produtos industriais, existe uma composição do preço e, portanto, o preço será acrescido aos custos de produção no campo – ou seja, quem produz os insumos usados no campo consegue impor seu preço para a próxima etapa da cadeia”, disse.
Em resumo, o produtor recebe insumos com preços industriais, de oferta, e, portanto, sofre aumento dos fretes, e ao vender a produção, vende por um preço formado pela demanda e, assim, sente a pressão da alta dos fretes. “Ou seja, ele perde nas duas pontas”, disse o analista.
No Piauí, segundo o presidente da Aprosoja PI, Altair Fianco, muitas empresas não querem entregar os fertilizantes com os mesmos preços acordados antes da paralisação dos caminhoneiros, movimento que originou o tabelamento dos fretes. “Fazendo isso já estão amargando os prejuízos”, disse.
Entre os grãos, após mais de 40 dias sem negociações, as tradings voltam lentamente às compras de soja, porém, descontando as diferenças dos custos logísticos. “Essa situação de tabelamento e tudo o que se discute acaba tirando quem compra do mercado. E quem precisa vender tem que honrar seus compromissos de primeira mão”, disse Fianco.
Como alternativa, os produtores buscaram comercializar sua soja no mercado interno, que também pressionou os preços e tirou cerca de R$ 10,00 por saca na negociação, ainda segundo o presidente da Aprosoja PI.
Fonte: Notícias Agrícolas