Grandes fabricantes de alimentos vêm sendo desafiadas pelos consumidores, que têm novas exigências. Têm perdido mercado para rivais de menor porte e procuram responder em várias frentes: mudam fórmulas de produtos, compram empresas e se aproximam de startups para acelerar a busca por produtos inovadores. Dentro de casa, as companhias também são cobradas por acionistas a ampliar os seus ganhos.
Nos últimos anos, as companhias reduziram em seus produtos a presença de açúcar, sódio, gorduras, conservantes, aspartame, entre outros ingredientes considerados nocivos à saúde. Mas os esforços não pararam por aí. Gigantes como Coca-Cola, Unilever, Pepsico e Kellogg fizeram aquisições para ampliar a oferta de produtos considerados mais saudáveis.
As companhias também investem no desenvolvimento de produtos inovadores em parceria com outras empresas. Além disso, Nestlé, Mondelez, Coca-Cola, Kraft Heinz e Danone fazem parcerias com aceleradoras de startups, para colocar mais rápido no mercado produtos que atendam às novas exigências dos consumidores – principalmente da geração “millenial” (dos 18 aos 34 anos), que demonstra mais preocupações com a dieta e a saúde.
“As grandes multinacionais precisam entender a geração ‘millennial’ e pensar em um modelo de crescimento alternativo, para se beneficiar do avanço das marcas de companhias novatas, seja por meio de aquisições, parcerias, ou transferência de tecnologia”, disse Matthew Meachan, consultor de bens de consumo da Bain & Company.
Alexandre Horta, diretor de varejo e consumo na PwC, observa que, no mundo, o setor de alimentos apresenta taxas baixas de crescimento (de zero a 3% ao ano), enquanto startups registram expansão acelerada. Esse cenário levou as múltis a perder mercado.
Entre 2012 e 2017, a participação da Nestlé no mercado global de alimentos baixou de 3% para 2,8%, segundo dados da Euromonitor. A fatia da Mondelez Internacional baixou de 2,1% para 1,9%; a Unilever encolheu de 1,7% para 1,5%. Na área de bebidas, a participação global da Coca-Cola caiu de 19,8%, para 17,6%. E a fatia da Pepsico baixou de 9,6% para 8,4%.
As multinacionais têm feito aquisições para acelerar sua expansão, observou Horta. O caso mais notório foi o da oferta feita em 2017 da Kraft Heinz, controlada pela 3G Capital e pelo grupo de investimentos Berkshire Hathaway, de Warren Buffett, pela Unilever, por US$ 143 bilhões. A proposta não foi adiante, mas aumentou, na Unilever e em outras multinacionais, a preocupação em acelerar o crescimento de receitas e lucros, para tornar as empresas menos expostas a aquisições e fusões.
Nos Estados Unidos, enquanto avalia novas aquisições, a Kraft Heinz criou a aceleradora de startups de alimentos Springboard, com foco em produtos com apelo artesanal e saudável. A empresa não atendeu ao pedido de entrevista do Valor.
José Pereira, gerente de inovação da Nestlé do Brasil, diz que as startups conseguem capturar novas tendências e desenvolver produtos com mais agilidade do que as multinacionais. Junto com a Endeavor Brasil, a Nestlé começou a selecionar neste mês 20 startups que participarão de um programa de aceleração de projetos. “Estamos mapeando empresas inovadoras para ajudar no seu desenvolvimento. Com inovação aberta, poderemos no futuro fazer negócios com essas empresas, trocar tecnologia, ou até mesmo adquiri-las”, disse Pereira.
Além de buscar startups, a Nestlé desenvolve produtos em conjunto com empresas parceiras, fornecedores e consumidores. Sob este modelo de “inovação aberta”, a Nestlé desenvolveu a linha de chocolates recheados Talento, e o Smoovlatté, bebida que mistura café e chocolate.
Recentemente, a Nestlé criou, com participação de consumidores, uma linha de sobremesas que tem 80% de frutas e 20% de chocolate. A criação da linha ficou pronta após um ano e meio de trabalho. “Foi uma vitória para nós desenvolver um produto rapidamente, com a participação dos consumidores. Esse formato foi testado pela primeira vez no Brasil e agora será incluído no processo global de inovação da companhia”, disse Pereira.
A Nestlé também avalia o mercado para eventuais aquisições e novos negócios. Neste ano, no Equador, adquiriu a empresa de alimentos naturais e orgânicos Terrafertil. Em maio, fechou um acordo de US$ 7.2 bilhões com a Starbucks pelos direitos de vender o café embalado da rede americana fora de suas cafeterias.
A Unilever também desenvolve um programa de aceleração, em parceria com a Liga Ventures. As startups serão selecionadas até agosto. “A Unilever avalia como se juntar com empresas que fazem um trabalho inovador, para dar escala e rapidez a essas companhias”, disse Marina Fernie, vice-presidente de alimentos no Brasil.
A Unilever fez aquisições de pequenas empresas no exterior, como a Pukka Herbs, de chás orgânicos, e a Sir Kensington’s, de molhos veganos. No Brasil, adquiriu em 2017, a Mãe Terra, de alimentos orgânicos e naturais. “A Unilever quer realmente ampliar sua atuação em alimentos naturais e orgânicos. Com nossa escala, conseguimos acelerar o crescimento nessa área usando a marca Mãe Terra”, afirmou Marina Fernie. A executiva acrescenta que a Unilever avalia outras aquisições no país.
A Pepsico também investe em companhias novatas na América Latina, por meio do prêmio Eco Desafio. Os projetos vencedores na área de inovação em nutrição recebem investimento de US$ 5.000,00 e participação em um programa de capacitação com especialistas da área. A companhia também fez aquisições nos últimos anos. No Brasil, a companhia adquiriu, em 2009, as marcas Kero Coco e Trop Coco.
Em 2017, a Pepsico, inaugurou em Sorocaba (SP), um centro de pesquisa e desenvolvimento especializado em alimentos feitos com ingredientes originários da América do Sul, como mandioca, inhame e açaí. Daniela Cachich, vice-presidente de marketing da PepsiCo Brasil, disse que o centro desenvolve produtos para o mercado brasileiro e para inovações globais.
Na França, a Danone Manifesto Ventures, fundo de investimento criado pela Danone, anunciou no início do ano que pretende investir em 20 a 25 companhias novatas até 2020. Criado em 2016, o fundo já investiu quase metade dos seus recursos, de US$ 150 milhões. Procurada, a empresa não comentou sobre projetos no Brasil.
Já a Mondelez, que no Brasil é dona da Lacta, tem se concentrado no desenvolvimento interno de produtos e em aquisições. Recentemente, a companhia concluiu a compra da Tate’s Bake Shop, marca americana de biscoitos finos, informou Andrezza Lamoglie, especialista em nutrição para Mondelez América Latina.
No Brasil, a companhia aumentou a quantidade de grãos integrais e cereais em 25% do seu portfólio, além de ter reduzido teores de açúcar, sódio e gorduras de seus produtos. “Hoje, 26% da receita global da Mondelez é proveniente das vendas das linhas mais saudáveis”, disse Andrezza.
A Coca-Cola também tem se concentrado no desenvolvimento de inovações dentro de casa ou com parceiros, disse Andréa Mota, diretora de sustentabilidade da Coca-Cola Brasil. A companhia fez aquisições relevantes no Brasil nos últimos três anos. Comprou a marca Ades, da Unilever, e o laticínio Verde Campo. “A companhia ainda avalia aquisições no país”, disse Andréa.
Fonte: Valor