Agronegócio dá sinais de retomada, mas o risco de faltar alimentos permanece

Apesar do desbloqueio de algumas estradas e da gradual retomada da distribuição de combustíveis, que permitiram um tímido reaquecimento das atividades em alguns segmentos, o agronegócio ainda sofre com a greve dos caminhoneiros, e o abastecimento de alimentos básicos segue comprometido.

As áreas mais prejudicadas são as de carnes de frango e suína, lácteos e hortifrutis, mas todas as cadeias produtivas ontem calculavam perdas e informavam que a recuperação não se dará de uma hora para outra. E a mais nova ameaça, se a situação não se normalizar rapidamente, é faltar arroz e feijão no prato dos brasileiros.

Nos três segmentos nos quais a situação é mais crítica, a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) estimou que os prejuízos alcançaram R$ 6.6 bilhões até segunda-feira, o oitavo dia de greves. É difícil diferenciar prejuízo de vendas adiadas, mas o fato é que o cenário ontem permanecia crítico e o escoamento de produtos no mercado doméstico ou em direção aos portos caminhava a passos de tartaruga.

Conforme empacotadoras de arroz e feijão, não havia mais matéria-prima à disposição para beneficiamento e a oferta interna já estava limitada aos estoques do varejo. Mesmo que a paralisação dos caminhoneiros acabe de vez nesta quarta-feira, são necessários ao menos 12 dias para tratar e beneficiar os grãos, segundo Lázaro Moreto, CEO da Broto Legal.

Segundo ele, no nono dia de greve, cerca de 300 carretas com arroz e feijão entregues por produtores ficaram paradas nas estradas do país e não conseguiram chegar às unidades de produção da empresa. Outros 50 caminhões com 6.000 toneladas de arroz e 1.500 toneladas de feijão já ensacados saíram na segunda-feira passada (21/5) e não chegaram aos centros de distribuição e aos varejistas. As vendas da companhia caíram quase 50% neste mês.

Também houve mais notícias de falta de carne bovina em açougues e supermercados do país. Na área, os abates diminuíram consideravelmente nos últimos dias, e a Associação Brasileira de Frigoríficos (Abrafrigo) calculou que o segmento deixou de movimentar R$ 4.5 bilhões desde a semana passada, incluindo vendas no país e exportações.

A despeito dos problemas, a situação dos frigoríficos de carne bovina é menos grave que a das indústrias de carnes de frango e suína. O boi pode esperar mais tempo no pasto. Aves e suínos, porém, dependem da ração. Além disso, as atividades dos frigoríficos de carne bovina não foram paralisadas totalmente, disse uma fonte, já que o transporte de cargas foi mantido em algumas regiões desde o início das manifestações, embora em ritmo mais lento.

Segundo a Associação Brasileira dos Produtores de Pintos de Corte (Apinco), por causa da crise, a oferta doméstica de carne de frango ficará comprometida em julho. A entidade informou que cerca de 25 milhões de ovos são incubados por mês para que sejam produzidos um milhão de toneladas de carne de frango. A interrupção do fluxo nas rodovias, porém, impediu a chegada da maior parte dos ovos férteis.

“A oferta de carne de frango cairá drasticamente”, alertou a Apinco. Na avaliação do vice-presidente de mercados da Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA), Ricardo Santin, o preço da carne de frango poderá aumentar de 30% a 45% no país devido à redução da oferta. Mais de 70 milhões de aves já morreram.

Nessa frente, porém, também houve um alento: a catarinense Aurora, primeira agroindústria de carnes a paralisar totalmente seus frigoríficos por causa da greve, informou que retomará gradualmente suas operações – a central de cooperativas é o terceiro maior “player” de carnes de frango e suína do país.

Embora algumas estradas tenham sido desbloqueadas em estados produtores de leite, as dificuldades dos laticínios para captar a matéria-prima persistiam, segundo Laércio Barbosa, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Lácteos Longa Vida (ABLV). Ele estimou que deverá demorar de 30 a 60 dias para que a cadeia produtiva de lácteos volte ao normal.

Além da falta de insumos para a indústria, a própria oferta de leite será afetada, uma vez que a produção “tende a cair um pouco”, segundo Valter Galan, analista da MilkPoint. Isso porque os produtores tiveram de reduzir a alimentação das vacas.

Maior na captação de leite no Brasil, a Nestlé anunciou a retomada da coleta de matéria-prima em algumas regiões, entre elas, Minas Gerais. Apesar disso, afirmou, por meio de nota, que “ainda enfrenta dificuldades” na operação. A empresa teve de paralisar algumas fábricas no país por causa da greve dos caminhoneiros.

Nas grandes centrais de abastecimento de hortifrutis do país, o cenário permanecia difícil. O entreposto da estatal Ceagesp em São Paulo, o maior do país, voltou a registrar apenas 10% de seu movimento normal e diversos itens continuavam em falta, como alface, mamão, melão e batata. Os preços em geral continuaram subindo.

João Dornellas, presidente executivo da Associação Brasileira das Indústrias da Alimentação (Abia), disse que a estimativa é de que serão necessárias pelo menos três semanas para normalizar toda a cadeia de abastecimento de alimentos no país.

Segundo a Aprosoja Brasil, entidade que representa produtores do grão, 400.000 toneladas por dia não estavam sendo exportadas até ontem por causa da greve. Em Mato Grosso, caminhoneiros ainda bloqueiam o escoamento em 21 municípios, segundo tradings. Conforme essas empresas, na tarde de ontem nenhuma carreta conseguia sair do Centro-Oeste para os terminais fluviais de transbordo de Miritituba, no Pará, com destino ao exterior.

Apesar do desbloqueio de estradas na região da Cooxupé, no sul de Minas Gerais, a cooperativa também continuava sem conseguir transportar café aos portos para exportação ontem. Segundo Carlos Alberto Paulino, presidente da cooperativa, ainda havia temor por parte dos transportadores de não conseguir chegar até os portos.

O dirigente estima que a Cooxupé deixou de embarcar ao exterior entre 100.000 e 150.000 sacas de café nesses dias de greve. Nesta época do ano (entressafra do café), a Cooxupé costuma embarcar cerca de 400.000 sacas mensais. Para evitar multas por não conseguir realizar os embarques, a Cooxupé comunicou os importadores que o atraso foi provocado por motivo de força maior – possibilidade prevista em contratos de exportação.

 

 

Fonte: Valor Econômico

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