Investimentos da China no Brasil voltam a crescer

A recessão e o enfraquecimento de grandes grupos nacionais, abatidos pela Lava-jato, tornaram companhias e ativos brasileiros presas fáceis para o apetite chinês. Com dinheiro sobrando, empresas do gigante asiático somam US$ 46,1 bilhões em negócios nos últimos dez anos, sem contar as compras fechadas em 2017.

Dados do Conselho Empresarial Brasil-China (CEBC) mostram que, somente em 2015 e 2016, auge da derrocada da economia brasileira, os aportes chegaram a US$ 15.8 bilhões, mais de um terço do contabilizado em uma década.

Os últimos movimentos, e com investimento mais pesado, miram o segmento de energia. A State Grid finalizou em janeiro a compra do grupo CPFL, maior empresa privada do setor no país, após adquirir em 2016 fatia que era da Camargo Corrêa.

Com a transação, avaliada em R$ 14 bilhões, passou a controlar concessionárias que levam luz à metade do território de São Paulo e a dois terços do Rio Grande do Sul (RGE e RGE Sul), além de se firmar como terceira maior geradora no Brasil.

No negócio mais recente, a Shanghai Electric assumiu oficialmente, no fim do ano passado, a liderança no consórcio que aplicará quase R$ 4 bilhões para construir 1.900 quilômetros de linhas de transmissão no Rio Grande do Sul. Esse projeto foi conquistado em leilão pela Eletrosul.

Uma das principais portas de entrada das importações chinesas no Brasil na última década, por ter cinco portos, Santa Catarina começa a brilhar no radar dos investimentos do país asiático em infraestrutura e em outros setores.

A gigante chinesa estatal de grãos Cofco está investindo R$ 200 milhões em porto privado para granel em São Francisco do Sul, o TGB. Além disso, mais grupos chineses estão sendo sondados para investir nesse mesmo terminal e no futuro Porto Brasil Sul.

O estado já conta com investimentos menores de grupos chineses, mas todos focados em setores promissores e de tecnologia. Até a montadora TAC, produtora do 4 x 4 Stark, um sonho de investidores catarinenses que foi transferida para o Nordeste porque aqui não era competitiva, foi adquirida por um grupo chinês por R$ 190 milhões.

Até 2010, os chineses priorizaram commodities, minérios, petróleo e grãos, para garantir o seu suprimento de matérias-primas. Depois de 2011, o interesse passou a ser o mercado interno brasileiro, com o ingresso no setor industrial, como o de eletrônicos e automóveis.

A partir de 2013, o alvo foram os serviços, especialmente financeiros. Por fim, com o início da crise, o foco virou para infraestrutura, centrada em energia.

Brasil ficou barato na hora certa para os chineses

O coordenador de análise e pesquisa do CEBC, Tulio Cariello, observa que a avalanche de aquisições chinesas se repete em outros países, em sintonia com uma diretriz do governo da China, desde meados de 2000, de internacionalizar suas empresas. Mas o interesse no Brasil seria especial, pelo tamanho do mercado e pelo grande comércio entre os dois países, especialmente em áreas estratégicas para Pequim.

A China vê o momento de crise como oportunidade. Basta observar os investimentos no setor energético: o Brasil passou a oferecer ativos a preços convidativos, e a China detém algumas das maiores empresas de energia do mundo. É uma combinação de interesses, disse Cariello.

Marcos Troyjo, diretor do BricLab da Universidade Columbia (EUA), também relacionou uma série de fatores. Após a China se tornar a maior nação comerciante do mundo, se transformou em um centro irradiador de liquidez, por seus bancos.

Um terço do capital está hoje aplicado em títulos de países maduros, com baixíssima remuneração. É natural buscar maior risco e rentabilidade, afirmou Troyjo. Ao mesmo tempo, a era de produção barata na China começa a ficar para trás. Se os custos sobem lá e a demanda por manufatura arrefece, buscam negócios em outros países.

O Brasil estava caro e, de repente, os custos caíram, seja por câmbio ou valor das empresas. Grandes grupos nacionais foram atingidos pela Lava-jato. Isso gerou uma tremenda desnacionalização.

O setor de infraestrutura dependia de injeção de capital do Estado, que ficou sem gasolina no tanque. Vieram os programas de privatizações e concessões. Isso tudo fez os ativos brasileiros se tornarem presa fácil, disse Troyjo.

Roberto Dumas Damas, professor do instituto de ensino superior Insper e especialista em economia chinesa, nota que, enquanto os EUA, sob o comando de Donald Trump, dão sinais contraditórios em relação à política externa e caminham para o isolacionismo, o dragão asiático dá passos largos na direção do posto de nova nação hegemônica do planeta, mas por meio do soft power, ou seja, mais por persuasão do que por coerção militar.

“Após a Lava-jato, empresas brasileiras ficaram sem capacidade de investir e venderam ativos a preço de banana. Quem pode fazer investimentos e obras? Os chineses. Têm recursos, excesso de reservas internacionais, o câmbio é favorável, o Brasil está barato e não há quem faça”, afirmou Damas.

Ele acrescentou ainda que, com o encolhimento do BNDES, os bancos chineses assumiram o papel de financiadores dos projetos tocados por empresas compatriotas.

E como o país vem mudando o motor do crescimento do investimento para o consumo, os próximos setores que devem gerar interesse, pelo aumento da renda e mudança de hábitos, podem ser os de carne e celulose. Além de comer melhor, os chineses vêm sofisticando a higiene. Um dos mercados que mais crescem por lá é o de papel tissue, usado para fabricar papel higiênico.

Negócios com fundos geopolíticos

Não é apenas o interesse econômico e a oportunidade que explicam o avanço chinês sobre o Brasil. Há uma pitada de geopolítica no processo, avaliam especialistas, embora não vejam razões para preocupações extremadas, nem motivos para os investimentos serem vistos de forma diferente em relação aos originários de qualquer outro país. Mas, na perspectiva das relações sino-brasileiras, há pontos que precisam de atenção ou de um papel mais ativo do lado de cá.

O coordenador de análise e pesquisa do CEBC, Tulio Cariello, lembra que, no atual tabuleiro global, a China vem aumentando a sua influência em regiões que antes tinham atenção de outras potências, como a América Latina. Enquanto isso, os Estados Unidos estão mais preocupados com terrorismo e Coreia do Norte, deixando terreno para Pequim.

“Creio que o grande problema é, na verdade, a assimetria de poder entre os dois países. A China é quem dita o compasso das relações com o Brasil, que, por sua vez, deveria ter um papel mais ativo e ter de fato uma agenda estratégica com relação à China”, disse Cariello, ressaltando que os maiores investimentos chineses no Brasil, no setor de energia, são de estatais centrais, ou seja, sujeitas às orientações do governo.

Para Roberto Dumas Damas. professor do instituto Insper, a investida das empresas chinesas, não só no Brasil, mas em outros países da América Latina e da África, integra a estratégia de internacionalização das suas empresas e de sua moeda, o yuan, como forma de fazer da China uma nação cada vez mais respeitada.

“Na África, houve tensão pela busca de trabalhadores chineses para tocar empreendimentos de capital de origem asiática e acusações até de que estaria em curso uma espécie de nova colonização do continente. No caso do Brasil, basta o governo aplicar boas regras regulatórias”, declarou Damas.

“O único país interessado em investir no Brasil ultimamente é a China. Se são confiáveis ou não, depende de nós. É preciso ter regulação. Deixar claro nos contratos de concessão. Se não forem feitos os investimentos necessários e não houver qualidade, retoma-se o ativo e se faz novo leilão”, afirmou o professor do Insper, autor de um livro sobre as transformações da economia chinesa.

O diretor do BricLab da Universidade Columbia (EUA) Marcos Troyjo também avalia que há espaço para qualificar a chegada do capital chinês, com impacto nos indicadores de investimento, ajudando o país a formar a infraestrutura necessária para melhorar a competitividade a longo prazo.

“Precisamos mostrar aos chineses que existem oportunidades não apenas de aquisições, mas para projetos greenfield, dando a eles um cardápio de opções de investimentos, principalmente em infraestrutura”, disse Troyjo, referindo-se a empreendimentos que são erguidos do zero, o que teria maior impacto no PIB, e não apenas a compra de empresas ou ativos existentes.

Um exemplo são os investimentos em transmissão. Como a Shanghai Electric no Estado, a State Grid vai desembolsar R$ 9.6 bilhões para construir uma linha de 2.500 quilômetros da hidrelétrica de Belo Monte, no Pará, até o Sudeste. Ao mesmo tempo, observa o especialista, “o Brasil deveria seguir a receita chinesa de formar joint venture com empresas estrangeiras para assimilar tecnologia, como forma de, ao longo do tempo, criar mais áreas de competência no país”.

Empresas que operam em Santa Catarina

Santa Catarina, sede da primeira empresa brasileira a abrir unidade na China – a fabricante de compressores Embraco, de Joinville, em 1995, já abriga diversos negócios chineses e registra mais projetos cujas instalações estão sendo negociadas com a Investe SC, a agência catarinense de investimentos.

Segundo Rodrigo Prisco Paraíso, assessor técnico da Secretaria de Estado da Fazenda e membro da equipe da Investe SC, o número de projetos de empresas chinesas para investir em Santa Catarina cresceu ano passado e os contatos de executivos com o governo do estado se intensificaram.

“Até representantes da CCCC estiveram reunidos com o governador Raimundo Colombo. Muitos projetos avançaram e só dependem de questões burocráticas ou ambientais para serem implantados”.

Entre as empresas chinesas com unidades em SC está a Eklem Silicones, marca do China National Bluestar Group. A companhia investiu no ano passado R$ 40 milhões em unidade no Perini Business Park, em Joinville, para onde transferiu sua fábrica que estava em São Paulo.

A Donper, indústria chinesa de compressores para refrigeração, que é a terceira maior do mundo (atrás apenas da Embraco e de outra chinesa), abriu há três anos um centro de desenvolvimento tecnológico em Joinville. Já investiu R$ 10 milhões em tecnologia e pessoal e registrou dez patentes, informa Marcio Silveira, um dos gerentes da unidade.

Diversidade de negociações em investimentos pelo país

Há presença chinesa também nas áreas de tecnologia e serviços. A chinesa Baidu é dona do Peixe Urbano, maior plataforma de compras do Brasil que transferiu, no ano passado, sua matriz de São Paulo para Florianópolis e em dezembro firmou uma fusão com o Groupon Brasil, também de compras coletivas.

No setor financeiro, o Banco de Construção da China (CCB), considerado o quarto maior do mundo, atua em Santa Catarina com três agências, em Florianópolis, Blumenau e Chapecó. Elas pertenciam ao BicBanco, adquirido em 2013 por cerca de R$ 200 milhões pelo CCB.

No setor automotivo, a TAC, produtora do jipe 4 x 4 Stark, que foi fundada em Joinville em 2004 e transferida para Sobral, Ceará, em 2012, foi adquirida ano passado pela chinesa Zhejiang Zotye Auto. O investimento alcançou R$ 190 milhões e a produção continua no Nordeste.

SC não teve a mesma sorte com a montadora de caminhões chinesa Sinotruk. Foram muitas negociações para a instalação de unidade montadora em Lages, um projeto de R$ 300 milhões, mas o mercado mudou e o negócio foi cancelado.

Operações em 2017

Janeiro

– A State Grid assume o controle da CPFL Energia. Fica com 54% do capital. Negócio é avaliado em R$ 14 bilhões. Em setembro de 2016, já tinha adquirido a fatia de 23% que era da empreiteira Camargo Corrêa.
– Didi Chuxing, apelidada de Uber chinês, faz aporte de US$ 100 milhões para comprar a criadora do aplicativo de transporte 99Taxis.

Abril

– A State Power Investment Corporation (Spic) finaliza compra dos ativos da Pacific Hydro Brasil, que operava parques eólicos na Paraíba. O valor da operação não foi revelado.
– A China Communications Construction Company (CCCC) assina acordo para construção de terminal de uso privado (TUP), em São Luís (MA), com o Grupo WTorre. O projeto é orçado R$ 1.7 bilhão.

Maio

– A Shenzhen Center Power adquire 59,2% da Unicoba Baterias. O valor foi de US$ 46.4 milhões.
– A paranaense Belagrícola, do ramo de comercialização de grãos e insumos, é vendida para a Hunan Dakang Pasture Farming. O valor não revelado. A chinesa comprou, ano passado, a trading de grãos brasileira Fiagril.

Julho

– A Odebrecht Transport vendeu participação na concessionária que administra o Aeroporto do Galeão, no Rio, para o grupo chinês HNA Infrastructure. A HNA também tem 22% da Azul Linhas Aéreas. O negócio foi de R$ 60 milhões.

Setembro

– A China Merchants Port Holdings compra de 90% da operadora de instalações portuárias brasileiras TCP Participações, por R$ 2.9 bilhões.
– A Fosun compra 70% da corretora de valores Guide Investimentos, em negócio que avaliou a empresa em R$ 414.5 milhões.
– A Spic arremata, em leilão, a usina hidrelétrica de São Simão, entre Minas Gerais e Goiás, por R$ 7 bilhões.

Novembro

– A Shanghai Electric, em parceria com o fundo chinês Clai, assume a liderança no consórcio que vai construir 1.900 quilômetros de linhas de transmissão no Rio Grande do Sul, mais subestações. O investimento, que era responsabilidade da Eletrosul, é de quase R$ 4 bilhões.

 

Fonte: Diário Catarinense

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