Estudos realizados pela Embrapa Milho e Sorgo (MG) mostram que a Cratylia argentea, leguminosa arbustiva popularmente conhecida como camaratuba, apresenta grande potencial para a restauração da fertilidade do solo do Cerrado, ofertando serviços ambientais aos sistemas produtivos agroecológicos e reagindo bem a fatores abióticos, como o fogo e a estiagem, e também a fatores bióticos, como ao ataque de formigas.
Estima-se que metade dos mais de dois milhões de quilômetros quadrados do Cerrado, segundo maior bioma da América do Sul, já tenha sido modificada pela ação humana. Números do Ministério do Meio Ambiente revelam que a perda anual de cobertura vegetal chega a nove mil quilômetros quadrados.
“Podemos caracterizar a Cratylia argentea como uma ‘ilha de biodiversidade’ por hospedar ao longo de todo o ano muitos artrópodes e seus agentes de controle biológico. Sua presença em sistemas de transição agroecológica pode também favorecer o repovoamento de áreas em transição e degradadas do Cerrado com a dispersão desses agentes para o seu entorno”, informa o pesquisador da Embrapa Walter Matrangolo, que coordena os estudos.
SUPLEMENTAÇÃO ALIMENTAR PARA O GADO
A espécie também tem demonstrado grande potencial para a suplementação alimentar do gado na estação seca. Seu valor nutritivo, segundo Matrangolo, é superior ao da maioria das outras leguminosas arbustivas adaptadas aos solos ácidos.
“A cratília tem utilidade em sistemas de produção como fonte de proteína para ruminantes principalmente durante a estação seca, seja na forma de forragem fresca, silagem seja em sistemas de pastejo direto. Essa leguminosa tem mostrado ainda muitas vantagens, como alta retenção foliar e boa capacidade de rebrota durante a época de estiagem, uma das suas principais características.”
Estudos preliminares realizados pela Embrapa Milho e Sorgo relacionados à oferta de serviços ambientais da cratília aos sistemas agroecológicos revelam ainda que a planta tem potencial para favorecer a população de agentes de controle biológico de insetos fitófagos, como a lagarta-do-cartucho, a principal praga do milho, e fornecer alimento para abelhas no período da seca, quando está em florescimento – entre os meses de abril e setembro.
ADUBO VERDE IN NATURA
Outra característica da leguminosa é a fixação biológica do nitrogênio atmosférico no solo, importante elemento para aumentar a produtividade das lavouras, substituindo a necessidade de uso de adubos nitrogenados.
Segundo Matrangolo, a Cratylia argentea produz cerca de 200 quilogramas de nitrogênio por hectare nos primeiros dois anos e pode chegar a fornecer 300 quilos por hectare no terceiro ano, numa densidade de plantio de 7,5 mil plantas por hectare.
“A baixa fertilidade natural dos solos limita a produtividade dos sistemas agrícolas no Cerrado, onde a degradação de pastagens é um problema que atinge cerca da metade dos 60 milhões de hectares”, explica o pesquisador. Os dados de degradação são da Embrapa Monitoramento por Satélite (SP).
CARBONO ORGÂNICO
Ainda conforme Matrangolo, estudiosos consideram que o solo com a cobertura viva de leguminosas perenes apresenta altos índices de agregação.
“Essas plantas contribuem também para o incremento de carbono orgânico, o que permite uma recuperação das funções estruturais físicas, químicas e biológicas, tornando a área possível de se tornar novamente produtiva.”
SOLO MAIS ‘FRESCO’
O uso da cratília como cobertura viva é uma das principais vantagens da planta, na visão do comerciante aposentado Jorge Gilberto de Carvalho, que reside em um pequeno sítio no município de Sete Lagoas. Em janeiro de 2011, ele recebeu 250 mudas da leguminosa e plantou em uma área íngreme da chácara, com pouca vegetação e muito cascalho.
“A cratília é muito boa para refrescar a terra. Já deu para perceber uma diferença na área onde ela foi plantada. O solo fica mais úmido”, conta.
O agricultor faz podas na leguminosa e deposita as folhagens nos pés das fruteiras, como manga, laranja, limão e jabuticaba. “Onde tem folhas da cratília, o mato não cresce. Esse é outro atrativo da planta.”
A resistência à seca e o potencial de recuperar o solo são os principais benefícios da leguminosa, segundo Élcio Antônio Ribeiro, proprietário da fazenda das Nascentes, localizada no Município de Araçaí, na região Central de Minas Gerais. A propriedade, de 50 hectares, tem como uma de suas atividades o plantio de milho para silagem, em sistema de sequeiro. Há quatro anos, a cratília foi plantada em sistema de consórcio com a lavoura.
“Ela apresenta um desenvolvimento muito bom e pode ser usada na recuperação do solo. Os efeitos são visíveis. Outra vantagem é que, no período de floração, a leguminosa tem a propriedade de atrair insetos polinizadores.”
REDE DE PESQUISA
O pesquisador Walter Matrangolo propôs a criação de uma rede de pesquisa participativa e a construção de um mapa com informações relacionadas ao zoneamento ecológico da planta (início e duração do período de florescimento e época de colheita das sementes) com base nos registros fotográficos de insetos benéficos que visitam a planta em diferentes regiões, com o objetivo de produzir um catálogo de organismos que visitam a espécie, com foco nos agentes de controle biológico e nas abelhas.
“Será, acima de tudo, um exercício de produção de conhecimento agroecológico em rede”, antecipa.
POLÍTICA INCENTIVA AÇÕES COM A CRATÍLIA
As pesquisas envolvendo as propriedades da Cratylia argentea na Embrapa receberam incentivos da Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica, lançada pelo governo federal no decreto 7.794, de 2012. É integrante dessa política o Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica, que prevê o desenvolvimento de diversos eixos estratégicos, como o que promove o uso sustentável, a gestão, o manejo, a recomposição e a conservação dos recursos naturais e ecossistemas.
Nesse contexto, com financiamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), foi criado o Núcleo de Agroecologia da Embrapa Milho e Sorgo com ações voltadas para estudos com a leguminosa.
Campanhas de produção de mudas foram feitas com a divulgação das características da leguminosa, além da distribuição de sementes para agricultores familiares e instituições de pesquisa e ensino interessadas.
Ao mesmo tempo, estudos sobre os aspectos fitotécnicos e ecológicos da planta na região central de Minas estão sendo realizados. A iniciativa, denominada Centro Vocacional Tecnológico em Agroecologia e Produção Orgânica/Grupo Guayi, engloba uma equipe de profissionais de diversas instituições: Universidade Federal de São João del-Rei, Emater-MG, Epamig, Fundação Zoobotânica e associações de agricultores familiares da região.
A equipe tem como objetivos quantificar a produção de sementes e a quantidade de massa produzida pela cratília em diferentes arranjos, além de diagnosticar sua interação com plantas espontâneas e com a fauna do Cerrado.
Na sub-bacia do Ribeirão Jequitibá, onde se situa a Embrapa Milho e Sorgo, predominam pequenas propriedades rurais com tradição na produção de hortaliças que abastecem a região metropolitana de Belo Horizonte e também a produção de leite.
“Estamos situados em uma importante bacia leiteira de Minas Gerais e temos intuito de ampliar a base de informações para fundamentar uma melhor forma possível de inserção da cratília em sistemas agropecuários locais”, descreve o pesquisador Walter Matrangolo.
ESTUDO DE ARRANJOS
Para o plantio da Cratylia argentea estão em estudo diversos arranjos, com o objetivo de aprimorar o manejo. A equipe da Embrapa Milho e Sorgo vem estudando, por exemplo, o impacto das podas drásticas sobre sua sobrevivência a cada três meses de idade, quando o volume de fitomassa já é significativo.
Em novembro deste ano, por exemplo, a operação de corte radical depositou as folhagens em uma pequena área na vitrine de tecnologias, na qual posteriormente serão plantados milho, feijão e abóbora. “Nosso objetivo é obter um sistema de produção que aumente a ciclagem de nutrientes, proteja o solo e garanta diversidade e segurança alimentar”, destaca Matrangolo.
Pequenas quantidades de sementes da Cratylia argentea podem ser solicitadas diretamente ao pesquisador, que poderá também esclarecer dúvidas sobre o plantio e as propriedades da planta. Mais informações podem ser solicitadas pelo e-mail walter.matrangolo@embrapa.br.
Fonte: Embrapa Milho e Sorgo com edição d’A Lavoura