Juliano Assunção*
A produção de alimentos é fundamental em nossas vidas e também na economia brasileira. Sem ela, a atual crise seria ainda pior. E isso não é fruto do acaso. Ao contrário, é o resultado de décadas de inovação e desenvolvimento que criaram uma agricultura adaptada aos trópicos.
O Brasil se tornou o maior exportador líquido de alimentos ao mesmo tempo em que reduziu a taxa de desmatamento e aperfeiçoou seus instrumentos de governança, aprimorando as políticas de proteção ambiental e melhorando as relações de trabalho. Ainda há muito por resolver nessas áreas, mas o país deu passos importantes nessa direção. São conquistas do setor que devem ser celebradas, mas, principalmente, incorporadas nas suas estratégias comerciais para que possam ser consolidadas.
O debate público, por outro lado, tem sido pautado em outra direção, incompatível com um setor que avança em suas práticas e deseja consolidar sua liderança internacional. O momento de crise e polarização política deveria ser utilizado para que o agronegócio mostrasse o Brasil que dá certo, onde crescimento econômico, ganhos sociais e avanços ambientais são obtidos de forma simultânea.
Vivemos um momento peculiar no país em que escândalos políticos e de corrupção convivem com uma abertura para implantação de reformas estruturais e maior racionalidade econômica. No entanto, ao invés de utilizar essa oportunidade para a discussão de questões com grande potencial de mudança para o setor, os ruralistas têm concentrado seu capital político em pleitos muito específicos, associados a questões há muito superadas. O mérito dessas demandas tem sido questionado por diversos grupos da sociedade, gerando grande repercussão internacional.
Há um padrão que tem sido recorrente. A imagem de todo o setor agropecuário fica comprometida para o benefício de poucos, em situações isoladas e tópicas. A proposta de redução da Floresta Nacional do Jamanxim, beneficiando invasões e desmatamento ilegal e a portaria sobre trabalho escravo, que dificulta a fiscalização de práticas deploráveis, são dois exemplos emblemáticos.
Nenhum deles tem, potencialmente, qualquer impacto significativo sobre o valor da produção agropecuária. Ao contrário, estão na contramão das tendências do setor e, não à toa, geraram manchetes desastrosas nas principais mídias nacionais e internacionais, o que sim pode gerar custos comerciais expressivos.
Mesmo deixando de lado o mérito desses pleitos, esse posicionamento não tem sentido estratégico. Quem são os beneficiários da implementação de tais demandas? Quem perde com a grande repercussão? A representação política do setor está alinhada com seus interesses mais fundamentais? O setor apoia a agenda política de seus representantes? Ou é mais um exemplo do abismo que se instalou entre o Poder Legislativo e as reais necessidades de seus eleitores?
O setor agropecuário precisa se apropriar de temas contemporâneos, presentes nos grandes fóruns internacionais, pelos quais o país obteve grandes avanços. Por que não abraçar temas ambientais e utilizar a articulação política para a implementação do novo Código Florestal? O código sim tem condições de provocar mudanças importantes no setor, que vão bem além da proteção dos remanescentes florestais.
Para entender o potencial dessas transformações, é importante termos em mente dois elementos. Primeiro, por razões históricas, o Brasil ocupou seu território de forma extensiva, estabelecendo grandes áreas subutilizadas, principalmente sob a forma de pastagens, gerando espaço para ampliação da produção agropecuária sem expansão de novas áreas.
Dessa forma, as restrições impostas pelo novo Código Florestal não impedem o crescimento econômico. Segundo, um estudo recente onde comparamos as legislações de proteção de florestas em áreas privadas em sete países (Alemanha, Argentina, Brasil, Canadá, China, Estados Unidos e França) mostra que o novo Código Florestal se destaca. Pois, dentre os países comparados, o Brasil é aquele que possui as regras mais rigorosas de proteção das margens dos rios, conhecidas como Áreas de Preservação Permanente (APP), em áreas privadas.
Além de adotar políticas de conservação da biodiversidade semelhantes aos demais países, o Brasil é o único que exige que toda propriedade privada mantenha parte de sua área protegida para a conservação da biodiversidade. Em suma, o setor está diante da oportunidade de implementação de uma legislação única, a um custo baixo, elevando os padrões internacionais de produção.
As restrições de expansão de área impostas pelo Código Florestal têm impactos econômicos pouco discutidos. De um lado, promovem aumento da produção via ganhos de produtividade, acelerando a difusão de melhores práticas. Nessa linha, os produtores mais eficientes tendem a ganhar espaço. A implementação do código gera uma dinâmica no mercado de terras que melhora a alocação dos recursos naturais e promove a modernização da agricultura e da pecuária.
Por outro lado, mais à frente, quando os ganhos de eficiência forem obtidos, a restrição sobre a expansão da produção terá impacto coordenado sobre a oferta e, assim, irá gerar ganhos de preço. Além disso, a percepção de que o Código Florestal ocupa um papel de destaque faz da sua implementação uma estratégia de promoção da produção agrícola em mercados internacionais.
O Brasil está diante de uma oportunidade única de consolidar sua posição de liderança como produtor mundial de alimentos, estabelecendo altos padrões ambientais. Nenhum outro país está tão bem posicionado para responder simultaneamente aos desafios da segurança alimentar e mitigação dos riscos da mudança do clima de forma tão contundente.
Mas para que isso ocorra é preciso que o setor e sua representação política estejam alinhados e se apropriem da agenda ambiental, estrategicamente, colocando em pauta uma agenda de reformas compatível com uma agricultura moderna. A implementação do novo Código Florestal é um passo fundamental.
*Juliano Assunção é professor do Departamento de Economia da PUC-Rio e Diretor do Climate Policy Initiative
Fonte: Valor Econômico