O sucesso dos agricultores modernos se transformou no tormento dos operadores das maiores tradings agrícolas do mundo. Os lucros estão encolhendo, depois que anos de safras abundantes minaram a volatilidade e as oportunidades de negócios, forçando as companhias a apertar o cinto.
Empresas como a chinesa Cofco International reorganizaram este ano as atividades nessa frente e substituíram altos executivos. Alguns estão arriscando a sorte em outros lugares, enquanto outros decidiram se aposentar.
“Os resultados não são mais os mesmos e isso está levando as companhias a reduzirem custos. Nem todo mundo consegue suportar a pressão”, disse Miroslaw Marciniak, consultor da InfoGrain em Varsóvia e ex-trader de grãos.
Pelo menos 40 gerentes e diretores deixaram suas posições em multinacionais como ADM e Louis Dreyfus este ano, segundo cálculos baseados em artigos publicados pela Bloomberg. Em muitos casos, as posições até foram preenchidas, mas mesmo assim é uma troca de guarda sem precedentes.
De acordo com a empresa de recrutamento Commodity Appointments, o setor agrícola responde por quase metade das mudanças de empregos na área de commodities em 2017. As pessoas estão saindo num cenário de condições de negociações mais difíceis.
O melhor armazenamento da produção agrícola nas fazendas e a maior disponibilidade de dados de mercado significam que produtores e consumidores estão firmando acordos mais favoráveis, em detrimento das tradings.
O setor, que durante um século foi dominado pelo quarteto “ABCD” (ADM, Bunge, Cargill e Louis Dreyfus), foi forçado a promover mudanças profundas. Recorreram à venda de ativos, negociação em mercados de nicho ou mesmo o processamento de carne para gerar mais caixa.
Segundo Marciniak, executivos estão pressionando mais os traders para que eles apresentem lucros, mas isso está ficando cada vez mais difícil.
A tensão contribuiu para a saída do diretor global de grãos e de vários traders da francesa Louis Dreyfus em agosto. Em parte, o movimento teria ocorrido por diferenças em relação à estratégia da companhia, que quer se concentrar em operações com seus ativos físicos de grãos, e não apenas na compra e venda de contratos no papel.
Mas as mudanças não se restringem às mesas de operação. A americana ADM reorganizou sua cúpula administrativa e as operações de sua problemática unidade de comercialização global de produtos agrícolas. A Cofco International nomeou uma nova gestão este ano, depois do takeover da Nidera e da saída do presidente de suas operações americanas. A gigantesca cooperativa agrícola CHS dos EUA e a Engelhart substituíram seus executivos-chefes.
As tradings também enfrentam dificuldades em outros mercados, como o de açúcar. A maior concorrência e os preços em queda tornaram mais difícil para companhias como ED&F Man Holdings e Wilmar International obterem lucros com a compra e a venda da commodity.
“Entramos em tempos difíceis para os negociadores de commodities agrícolas como um todo, e também para os traders de energia e metais”, disse Philippe Chalmin, professor de história econômica da Universidade Paris-Dauphine. “O mercado está muito fraco no momento. O espaço para expansão está mais limitado”.
E os gigantes estão encolhendo. A ADM anunciou demissões em julho, após lucros desapontadores e um prejuízo na área de comercialização, e a Bunge anunciou um plano de corte de custos de US$ 250 milhões. Louis Dreyfus e Cargill também venderam ativos e, embora as duas tenham divulgado lucros maiores no mês passado, ambas disseram que o mercado continua “desafiador”.
As mudanças podem ser uma oportunidade para empresas menores. A Freepoint Commodities é uma que vem crescendo, enquanto a ucraniana Kernel Holding contratou traders da Engelhart para montar mesas internacionais com foco em oleaginosas como a soja. Operadores também estão sendo atraídos para o Mar Negro, onde a oferta de trigo e milho está aumentando, segundo Marciniak da InfoGrain.
“É uma aldeia global e os operadores irão para onde houver infraestrutura e incentivos”, declarou Swithun Still, diretor da suíça Solaris Commodities, que negocia grãos russos. Mesmo assim, com o setor preocupado em reduzir custos ou com a consolidação, traders individuais caminham para sentir uma menor segurança em seus empregos em relação há alguns anos, afirmou Jean-François Lambert, consultor do setor.
“Grandes mudanças ocorrerão nos negócios de commodities agrícolas. Os melhores vão prosperar, mas o resto da manada vai sofrer”, disse Lambert, ex-banqueiro do HSBC especializado em commodities.
Fonte: Valor Econômico