Vanguarda tecnológica: arquitetura vertical

Fazendas e pequenas produções agrícolas em edifícios podem ser alternativas para o abastecimento de alimento nas grandes cidades. Foto: Divulgação A Lavoura nº 717/2017

Uma fazenda com 200 espécies de frutas e vegetais divide quatro mil metros quadrados com escritórios comerciais e reuniões de negócios. Localizado no centro econômico de Tóquio, no Japão, o edifício empresarial Pasona chama a atenção de quem passa por conta dos jardins verticais que ornamentam a fachada. Mas quem atravessa a porta principal do prédio se surpreende ainda mais.

Frutos de tomate estão suspensos sobre mesas de reunião, enquanto pés de limão e maracujá servem como divisórias entre espaços de encontro. Abóboras hidropônicas se desenvolvem no corrimão das escadas, ao passo que folhas de alface crescem em estantes no auditório e brotos de feijão são vistos em gavetas, debaixo de bancos espalhados pelos corredores. Se não fosse o bastante, verdadeiras plantações de arroz, brócolis e flores ocupam os halls do edifício. É uma experiência viva da agricultura vertical.

FARM-TO-TABLE

Em tradução livre, farm-to-table quer dizer do campo direto para a mesa. Tudo que é produzido no edifico é servido nas cafeterias e no restaurante do prédio. Atualmente, o Japão produz menos de um terço dos grãos que consome, e importa 50 milhões de toneladas de alimento por ano que, em média, precisam percorrer 14 mil quilômetros até chegarem ao país.

No projeto do Pasona, de autoria do escritório de design Kono, o destaque fica para o que se pode chamar de “alimento zero quilômetro”, conceito que busca mais sustentabilidade no sistema de distribuição de alimentos e na redução de custos com energia e transporte.

BEM-ESTAR

O edifício vai além de um projeto puro de agricultura vertical, ele também busca um desenvolvimento de melhor bem estar e saúde mental dos moradores de áreas urbanas. Segundo estudos, a maioria desta população passa 80% do dia em ambientes fechados.

“Plantas ajudam na melhoria da qualidade do ar, o que aumenta a produtividade dos funcionários em 12% e diminui sintomas de desconforto e estresse no trabalho em 23%”, conta Nasiq Khan, representante da Kono.

Os funcionários da empresa também passam por uma série de atividades, são encorajados a participar da produção e da colheita, ajudando-os no senso de responsabilidade e interação social.

FÁBRICA DE ALFACES

Também no Japão, em parceria com a GE Reports, o produtor Shigeharu Shimamura transformou o galpão de uma antiga indústria de semicondutores em uma fábrica de alface. Isso só foi possível com a utilização de 17 mil lâmpadas de LED, em 18 prateleiras verticais, que garantem a produção média de até dez mil pés de alface por dia.

Cada prateleira possui 15 andares. O sistema conta com um ambiente 100% controlado – umidade, temperatura, água e luz –, fazendo com que a planta desenvolva mais que o dobro de minerais e vitaminas produzidos normalmente.

As alfaces são irrigadas de forma inteligente, garantindo a utilização de apenas 1% da quantidade de água de uma produção comum. “Eu acredito que esta tecnologia marca o começo da industrialização agrícola”, diz Shimamura.

TENDÊNCIA

Os casos no Japão são apenas alguns exemplos de muitos projetos da chamada “agricultura vertical”, que vem ganhando força pelo mundo. Esta é uma das apostas da produção agrícola do futuro. Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), a população mundial deve passar dos atuais sete bilhões de habitantes para nove bilhões até o ano 2050.

Considerando que grande parte dela continuará se concentrando nas grandes cidades – estima-se algo em torno de 71% –, fazendas verticais em edifícios urbanos podem ser a resposta ao desafio de abastecimento de alimentos.

Vale destacar que o conceito de agricultura vertical foi desenvolvido pelo professor de microbiologia da Universidade de Columbia (EUA), Dickson Despommier, em 1999, em parceria com alguns de seus alunos. De acordo com eles, em pouco menos de 50 anos, metade dos alimentos serão produzidos neste sistema.

VANTAGENS

Ao invés de transportar alimentos em caminhões da lavoura para a cidade, os frutos são produzidos perto do consumidor final, em edifícios. Os defensores da agricultura vertical apontam para benefícios inquestionáveis, como a redução de utilização de combustível fóssil, já que não haverá mais a necessidade de transporte; e o acesso da população urbana a alimentos cada vez mais frescos e saudáveis, com menor risco de contaminação, o que também envolve a questão de segurança alimentar.

MUDANÇAS CLIMÁTICAS

A agricultura em espaços fechados (indoor) também reduziria o uso de herbicidas e pesticidas que prejudicam a saúde do ser humano e o meio ambiente, uma vez que o local de produção é totalmente controlado, evitando a incidência de pragas e doenças.

Outro argumento favorável é que quanto mais comida se produzir em interiores menos suscetíveis as pessoas estariam a mudanças climáticas ou até mesmo a crises ambientais, que alteram a produtividade e elevam o preço dos alimentos.

Poupar terra e água também está entre as vantagens deste sistema, já que a agricultura vertical preza pelo uso racional e econômico da água, e substitui por completo a necessidade de grandes espaços de terra e a degradação de florestas nativas para cultivo.

CRÍTICAS

Os críticos deste sistema afirmam que os custos com iluminação artificial e outros equipamentos especiais necessários anulariam as vantagens da agricultura vertical e sua viabilidade econômica.

Presidente executivo da Plantagon, empresa responsável pela construção de uma das maiores fazendas verticais da Europa, na Suécia, um edifício de 12 andares, Hans Hasslen, argumenta: “De fato, é muito mais custoso construir uma estufa vertical do que uma convencional, porém, se imaginarmos que a agricultura vertical vai se converter em um programa de segurança alimentar de um país, é natural que parte destas empresas receba subsídios”.

Ele também afirma que os custos com energia do projeto em execução serão menores em relação aos outros, uma vez que será utilizado o calor de uma central elétrica próxima e biogás derivado da conversão do próprio resíduo orgânico produzido pelo edifício. No total, essas medidas reduzirão o consumo de energia de 30% a 50%.

PROJETOS DE ARQUITETURA

A maioria dos projetos de agricultura vertical ainda não saiu do papel. Londres, por exemplo, é uma das cidades que mais irá crescer nos próximos anos. Pensando nisso, o escritório de arquitetura Xome, liderado pelos arquitetos Carolina Vázquez e Allan Aguirre, pretende colocar um pouco mais de cor e vida no cenário cinza da capital inglesa.

Com a natureza presente nas sacadas e com tetos verdes, o projeto do edifício traz a ideia de produção de frutas e vegetais para alimentar os moradores do próprio local, e também gerar recursos renováveis, como energia elétrica, captura de água da chuva para reuso na produção hidropônica, chuveiro e banheiro.

A intenção é criar um microecossistema para demonstrar pequenas atitudes capazes de reduzir a “pegada de carbono” do homem na Terra.

“Com este projeto, nós estamos tentando demonstrar o efeito de semear. Algo que vá além de simplesmente plantar e colher. É uma forma de despertar consciência nas pessoas”, diz Allan Aguirre.

LAGO MICHIGAN

Também pensando no conceito de “alimento zero quilômetro”, que diminuiria a distância entre a produção e o consumidor final, reduzindo o consumo de combustíveis fósseis, o arquiteto Blake Kurasek projetou um edifício localizado no Lago de Michigan, em Chicago (EUA).

Mais de 1,2 mil toneladas de hortifrutigranjeiros, alface, morango, tomate, espinafre, pimenta, entre outros, seriam produzidos anualmente. No primeiro andar, um mercado venderia a produção aos cerca de mil moradores do prédio, ou ao público em geral da região.

Segundo Kurasek, a produção no interior do edifício poderia ser em parte hidropônica e em parte no modelo tradicional, baseada no solo das áreas externas da construção. A água doce do Lago Michigan seria utilizada como composição para a irrigação de plantas e o excesso de água seria reciclado de volta para o lago.

Entre outras tecnologias ambientais do projeto, está um sistema de esgoto capaz de produzir fertilizantes sólidos para uso na adubação agrícola do edifício, assim como para a produção de biogás, por meio da retenção de metano, que serviria como mais uma fonte renovável de energia.

 

Leia essa reportagem, entre outras, na edição da revista A Lavoura nº 717/2017, que traz na capa a especial “Startups revolucionam o campo”, clicando aqui.

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