Indústria e organizações ambientais apresentarão hoje, em São Paulo, a “Agroideal”, uma nova plataforma para a cadeia da soja. Mas, diferentemente de outras ferramentas já no mercado, essa traz um olhar inovador: em vez de monitorar os passos do produtor rural ou desencorajar o plantio, ela ajudará a guiar as tradings agrícolas no processo de expansão de sua originação de grãos e outros investimentos logísticos, sem riscos socioambientais embutidos.
Segundo ambientalistas, não se trata de “abrir a porteira” para que os grãos avancem a qualquer preço, mas contribuir para o norteamento da expansão sustentável da agricultura. A premissa é simples: se não é possível estancar o avanço da soja no País, melhor então que ele seja bem feito. Sem atritos com a legislação ambiental ou com comunidades passíveis de serem impactadas.
Com uma produção estimada em 238 milhões de toneladas nesta safra, segundo a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), o Brasil é um fornecedor importante para atender à crescente demanda mundial por grãos. Estudo recente do banco holandês Rabobank apontou que os produtores brasileiros poderão absorver até 80% da demanda extra da China por soja na próxima década, que deverá subir em 35 milhões de toneladas.
“É uma ferramenta de inteligência estratégica, que nos ajudará, a saber, melhor onde pisamos”, disse ao Valor, de Nova York, o brasileiro Michel Santos, diretor global de sustentabilidade da Bunge.
A plataforma foi uma iniciativa costurada por bancos (Rabobank e Banco do Brasil), indústria (Abiove, ADM, Bunge, Cofco, Dreyfus, Amaggi), institutos de pesquisa (Embrapa, Agroícone, Agrosatélite e INPA) e terceiro setor (TNC, WWF, Earth Innovation Institute, entre outros). O desenvolvimento da plataforma contou com o aporte de US$ 1.7 milhão da Bunge e Fundação Gordon e Betty Moore.
Com a Agroideal, as tradings podem, a partir de agora, fazer cruzamentos de um número significativo de informações (são 23 indicadores atualmente), que resultarão em percentuais diferenciados de risco, ou de oportunidades.
As decisões estratégicas de investimento podem ser estudadas sob um espectro muito maior de dados alimentados por fontes oficiais, estudos e prognósticos atualizados. A construção de um silo, por exemplo, pode levar em consideração projeções de produtividade, informações de conflitos agrários, mapas de corredores logísticos, listas de desmatamento e de áreas protegidas. Tudo cruzado, a plataforma apontará qual o grau de risco ou oportunidade para o investimento. Caberá ao tomador de decisão de trading bancar ou não a orientação do programa.
“A plataforma não põe o zoom na fazenda, mas olha a paisagem”, disse Santos. Segundo ele, a diferença entre a nova plataforma e outras está no fato de ela “olhar para frente, e não para o retrovisor”. “A ferramenta vê o potencial [para investimento] em áreas que nem estavam no nosso radar ou endossa reflexos [riscos] que já tinham sido identificados”.
Na primeira versão, a Agroideal estará voltada somente à região do Cerrado. Já no fim deste ano, será estendida para o Chaco paraguaio e argentino. Depois, para a Amazônia. A partir do ano que vem, o sistema deverá estar rodando também para pecuaristas desses mesmos biomas.
Rodrigo Spuri, coordenador de engajamento do setor da The Nature Conservancy (TNC), responsável pela manutenção técnica da Agroideal, disse que uma preocupação das empresas era em evitar a rastreabilidade do sistema, quem entrou, que tipos de buscas fez, quais regiões foram pesquisadas, etc. Por isso, construíram uma ferramenta com a opção de entrada sem login. “A trading realiza a simulação de cenário e faz o download para a sua própria máquina, sem deixar rastros. São informações confidenciais estratégicas”.
Fonte: Valor