Diante da expansão do setor de orgânicos no Brasil e do crescimento da demanda, por parte do consumidor, por alimentos mais saudáveis, o segmento de sementes orgânicas certificadas começa a atrair o interesse de investidores e empreendedores, com a promessa de potencializar o mercado.
“Temos observado o interesse de empresas produtoras de sementes de países europeus em iniciar a produção e a comercialização no Brasil”, informa Luiz Carlos Demattê Filho, coordenador geral do Centro de Pesquisas da Fundação Mokiti Okada.
Especialistas afirmam que produzir sementes orgânicas no país pode ser um bom negócio. “Acreditamos muito no potencial desse mercado”, afirma Demattê Filho. Porém, ele observa que ainda há muitos desafios até que seja estruturado um ambiente onde os produtores possam encontrar, com relativa facilidade, as sementes orgânicas.
“Em primeiro lugar, é preciso dispor de mais incentivos à pesquisa e ao desenvolvimento de materiais adequados às proposições da agricultura orgânica. Também precisamos estabelecer um marco regulatório mais favorável às iniciativas neste campo, e nisso há sempre a necessidade de um trabalho mais colaborativo entre o setor público, a sociedade e as iniciativas privadas”, salienta o coordenador.
Ao chamar a atenção para a importância da regulamentação do ambiente de produção e comercialização, Demattê Filho ressalta que “a falta de regras mais claras inibe, de maneira óbvia, as ações potencialmente favoráveis”.
BOM NEGÓCIO
O pesquisador científico Sebastião Tivelli, que atua como chefe de seção técnica na Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios (APTA) da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo, afirma que as sementes orgânicas já são um bom negócio em outros países, e prometem movimentar o mercado brasileiro.
“Em junho deste ano uma empresa holandesa, com distribuição de sementes em mais de cem países, irá lançar as suas sementes orgânicas no Brasil”, anuncia Tivelli. Ele cita ainda outras iniciativas em andamento, destacando o papel da Associação Biodinâmica e o do próprio Centro de Pesquisas Mokiti Okada no que se refere à produção de sementes.
“Isso acontece somente agora porque o mercado de sementes orgânicas no Brasil começa a ganhar economia de escala. Em outras palavras, a demanda por essas sementes cresce ano a ano e há uma expectativa de que a legislação orgânica seja implementada em relação às sementes”, complementa o pesquisador.
CONDIÇÕES BÁSICAS
Para Demattê Filho, explorar esse setor não é uma tarefa simples. “É preciso favorecer o desenvolvimento de mercados locais e dos chamados ciclos curtos de comercialização. Penso que o sucesso desta atividade estará na variabilidade e oferta de materiais adaptados a condições locais, e mais do que estarem simplesmente ‘adaptados’, possam efetivamente expressar diferenciais de cor, sabor, resistência a desafios de todo tipo”, argumenta o especialista.
Ele acredita que “tais condições, na medida em que sejam mais valorizadas pelos consumidores, promoverão de forma segura o florescimento de pesquisas e inovações que darão a base de sustentação para o sucesso, inclusive comercial, de empresas e demais iniciativas”.
LEGISLAÇÃO
Favorável ao incremento desse mercado, o pesquisador Sebastião Tivelli afirma que “a legislação em vigor no Brasil deve ser aplicada, com a divulgação da disponibilidade de sementes”, e destaca que “essa iniciativa já teve início em São Paulo”.
O Grupo de Trabalho de Sementes da Comissão de Produção Orgânica do Estado de São Paulo (CPOrg/SP) defende a aplicação do parágrafo terceiro do artigo 100 da Instrução Normativa 17/2014, que autoriza à CPOrg de cada unidade da Federação a produzir a cada ano uma lista com as espécies e variedades em que só poderão ser utilizadas sementes orgânicas, para que a disponibilidade no mercado seja capaz de atender às demandas locais.
SETOR PÚBLICO
Tivelli afirma que “o papel do setor público é produzir as sementes orgânicas que o setor privado ainda não tem interesse em colocar no mercado”.
Na opinião de Demattê Filho, “a função do setor público é a de induzir o ambiente produtivo a se organizar para construir cadeias produtivas estáveis que possam oferecer materiais genéticos de qualidade e aptos aos desafios de um mercado bastante exigente”. O pesquisador entende ainda que o papel do setor público é “promover o melhoramento genético para o desenvolvimento de cultivares adaptadas ao sistema orgânico de produção”.
CUSTO DE PRODUÇÃO
No entanto, há outro obstáculo: as sementes orgânicas demandam um custo maior de produção. “Esta é, sem dúvida, a maior questão. É um problema cíclico. O produtor tem de pagar mais pela semente orgânica, pois ela efetivamente custa mais para se produzir. A falta de tecnologias e de materiais mais adaptados provoca este aumento de custos. Desta forma, o produtor continuará optando pelas sementes convencionais, pois a oferta é maior, a variedade é também maior e o preço menor”, explica o coordenador da Mokiti Okada.
Nesse sentido, proibir o uso de sementes convencionais seria uma possível solução? Demattê Filho acredita que não. “No estágio atual, uma resolução como essa poderia colapsar a maior parte da produção orgânica do país. Por isso, é um tema delicado e precisa ser tratado com paciência e com aplicações de estratégias adequadas”, destaca. “Volto a dizer que, do meu ponto de vista, o melhor a fazer neste momento é estabelecer marcos regulatórios mais nítidos para os agentes e com uma perspectiva de evoluir a cada ano para um maior uso de materiais certificados”.
Por sua vez, Tivelli argumenta que “os agricultores estão interessados em fazer o que fazem de melhor, ou seja, suprir a demanda do mercado por alimentos seguros e saudáveis”. Segundo ele, “na medida em que a oferta de sementes orgânicas for aumentando no Brasil, os preços também irão encontrar o seu ponto de equilíbrio no sistema orgânico de produção”.
VANTAGENS
Projeções à parte, os especialistas concordam que os produtores, ao utilizar sementes orgânicas certificadas, contribuem para garantir um modelo eficiente de agricultura sustentável. “É um grande passo no sentido de avançarmos para modelos capazes de responder à demanda crescente de consumidores por produtos livres de agrotóxicos e com menor impacto ambiental e social”, aponta Demattê Filho.
Ele salienta ainda que os materiais genéticos voltados para essa forma de agricultura são capazes de responder de maneira mais favorável às práticas dos agricultores orgânicos. “Sementes orgânicas não são dependentes da oferta de fertilizantes solúveis, como no caso dos materiais convencionais. Por consequência, teremos materiais mais adaptados às condições de solo e clima e, portanto, muito menos dependentes dos pacotes tecnológicos inerentes à agricultura convencional”.
Ainda no quesito ‘vantagens’, Tivelli salienta que os produtores, além de contar com sementes de cultivares desenvolvidas para o sistema orgânico de produção, têm à disposição sementes adaptadas para as condições agroecológicas de seu sítio; não têm contato com os agrotóxicos utilizados no tratamento das sementes; e não precisam produzir suas próprias sementes, pois terá no mercado similares com pureza, vigor e garantia de germinação.
CONFERÊNCIA
No próximo dia 11 de maio, Tivelli e Demattê participam de um debate, a partir das 14h, na Marina da Glória, no Rio de Janeiro, com o coordenador de Agroecologia do Ministério da Agricultura, Rogério Dias, sobre o mercado de sementes orgânicas. O painel, que será mediado pela coordenadora do Centro de Inteligência em Orgânicos (CI Orgânicos) da Sociedade Nacional de Agricultura (SNA), Sylvia Wachsner, integra a programação da Conferência Green Rio 2017, organizada pelo Planeta Orgânico, e contará ainda com a participação de renomados pesquisadores e empresários do setor.
Por equipe SNA/RJ