Por Juliana Alves Dias*
A cadeia produtiva do leite em Rondônia tem se fortalecido nos últimos anos, colocando o agronegócio do leite em posição de destaque na economia do Estado. Rondônia é o oitavo maior produtor de leite no Brasil com uma produção em 2014 de 940.621 milhões de litros, respondendo por 48,3% da produção da região Norte e 2,7% da produção nacional (IBGE, 2016).
Cerca de 70% da produção de leite de Rondônia é procedente da agricultura familiar e deste grupo se destacam assentados da reforma agrária e comunidades tradicionais, o qual remete a importância socioeconômica da atividade no estado (IBGE, 2006). De acordo com os dados do Sistema de Informações Gerenciais do Serviço de Inspeção Federal (SIGSIF, 2015), 51 indústrias lácteas com Serviço de Inspeção Federal estão instaladas no estado, contribuindo para a modernização do setor.
Dentro dos aspectos envolvendo a cadeia produtiva do leite, a qualidade é um ponto de extrema importância devido a fatores como: a garantia de alimento seguro e de qualidade nutricional para o consumidor, aumento da vida de prateleira e rendimento industrial de derivados lácteos.
Em 2002, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento publicou a Instrução Normativa 51 (atualizada pela Instrução Normativa 62) estabelecendo normas para essa cadeia. Isso devido a desestruturação do setor e a baixa qualidade do leite demonstrada em vários estudos. Desde então, o setor vem passando por um processo de reorganização, visando atender os parâmetros definidos para a produção, comercialização e modernização da cadeia produtiva.
No Estado de Rondônia não tem sido diferente, esforços por parte do governo, empresas de lácteos e produtores têm sido realizados especialmente com relação a melhoria da qualidade do leite cru. Avanços estruturais, como a aquisição de tanques de resfriamento, melhoria das estradas e qualidade de energia elétrica são observados. Entretanto, estudos demonstram a predominância de produtores com baixo nível tecnológico para a produção de leite refletindo em alta sazonalidade de produção e baixa produtividade.
Dentre os parâmetros que caracterizam a qualidade do leite, o atendimento aos limites para a Contagem Total Bacteriana (CTB) se caracteriza por um grande desafio à cadeia produtiva devido às altas contagens e comprometimento da matéria prima e seus derivados.
A qualidade microbiológica do leite cru resulta, entre outros fatores, das condições de manejo da ordenha, e de estocagem e armazenamento da matéria prima. A contaminação do leite pode ocorrer por microrganismos presentes no interior da glândula mamária, na superfície exterior do úbere e tetos, na superfície do equipamento de ordenha e do tanque, assim como por utensílios utilizados na ordenha (baldes, latões) e pelas mãos do ordenhador (SANTOS & FONSECA, 2001). Fatores como a temperatura e tempo de armazenagem do leite são importantes, pois estão diretamente ligados à multiplicação dos microrganismos, afetando a CTB.
PONTOS CRÍTICOS E ESTRATÉGIAS
Com o objetivo de subsidiar a definição de estratégias para melhoria da qualidade do leite, a Embrapa Rondônia, em parceria com a Embrapa Monitoramento por Satélite, Embrapa Gado de Leite, laticínios e a Emater-RO, realizou em 2013 um estudo em 275 propriedades na microrregião de Ji-Paraná, principal bacia leiteira do Estado.
Os resultados da avaliação demonstraram baixa adoção de boas práticas, como higiene da ordenha e controle da mastite, indicando a importância de capacitação de mão de obra e da assistência técnica efetiva. A análise espacial mostrou as áreas com altas e baixas contagens de bactérias, auxiliando na definição de áreas prioritárias de atuação.
Nas áreas com alta CTB, observou-se a presença de intermediários (carreteiros) na entrega do leite no tanque comunitário, aumentando nestes casos em 3,8 vezes a chance de ocorrência de resultados de CTB acima de 300.000 UFC/mL (limite atual definido pela IN62).
Dentre os fatores relacionados à presença do carreteiro, podemos citar o maior período de tempo entre a ordenha e o resfriamento do leite, a deficiente lavagem de latões e o tempo que o latão permanece nas bancadas localizadas na entrada das propriedades. Estes resultados demonstram a importância de reavaliar a logística de resfriamento do leite a fim de definir medidas para redução dos pontos críticos de contaminação.
Considerando os resultados obtidos, a Embrapa Rondônia no fim do ano de 2015, estabeleceu parcerias com indústrias lácteas para identificação de áreas prioritárias de atuação analisando a distribuição espacial dos resultados de CTB de tanques de resfriamento dentro da área de abrangência dos laticínios. Desta forma, está sendo realizada a caracterização dos produtores e da logística de resfriamento do leite nestas áreas, visando subsidiar a tomada de decisão pela indústria com foco na redução da CTB e melhoria da qualidade da matéria prima.
BONS RESULTADOS
Desde julho de 2015, o Laticínio Joia, localizado no município de Ministro Andreazza, introduziu um sistema de bonificação por qualidade do leite e foi observada redução significativa da CTB dos tanques de resfriamento comparando os resultados das análises do indicador no período chuvoso de 2015 e 2016.
Para a avaliação da CTB, foram selecionados os tanques de resfriamento com três análises consecutivas no período chuvoso de 2015 e 2016, totalizando 51 tanques. Comparando a média geométrica de CTB no período chuvoso de 2015 e 2016, observa-se redução significativa após a introdução do sistema de pagamento por qualidade pelo laticínio. A frequência de tanques de resfriamento adequados ao limite de 100.000 UFC/mL previsto pela IN62 para 2019, foi de 7,8% (4/51) em 2015 para 62,7% (32/51) em 2016, considerando os mesmos tanques e período do ano.
Os critérios de bonificação utilizados pelo laticínio são baseados nos teores de gordura, Contagem de Células Somáticas (CCS) e Contagem Total Bacteriana (CTB) em amostras de leite de tanques de resfriamento, e considera os resultados das análises de leite realizadas mensalmente em Laboratório de Qualidade do Leite credenciado ao Mapa para cumprir as exigências da IN 62 no estado. Os resultados das análises do leite são entregues mensalmente ao responsável do tanque e o valor referente à bonificação é descrito na nota de pagamento do produtor.
A Embrapa Rondônia e seus parceiros acreditam que iniciativas como a implementada pelo Laticínio Joia são de grande importância para a sustentabilidade da cadeia produtiva do leite em Rondônia. Investir em ações que promovam a obtenção de matéria prima com qualidade, como capacitação de mão de obra, transparência nas ações e valorização do produto, podem levar o negócio do leite a um novo patamar, gerando mais empregos e renda para a economia e famílias de produtores de Rondônia.
* Juliana Alves Dias é médica veterinária, D.Sc. em Sanidade Animal, pesquisadora da Embrapa Rondônia, em Porto Velho (RO)
Fonte: Embrapa Rondônia