Os produtores rurais brasileiros contrataram na safra 2015/16, encerrada em junho, apenas 68% do volume total de crédito disponibilizado pelo governo federal para o desenvolvimento de uma agricultura de baixo carbono. Conforme o balanço detalhado de desembolsos referente ao período, que será divulgado amanhã e ao qual o Valor teve acesso, foram destinados R$ 2.05 bilhões dos R$ 3 bilhões previstos no chamado “Programa ABC”.
O montante captado foi também significativamente inferior ao registrado na safra precedente, a de 2014/15, quando os produtores rurais brasileiros contrataram R$ 3.66 bilhões, ou 81% do total, de um volume disponibilizado também bem maior – R$ 4.5 bilhões.
Segundo o Observatório do Plano ABC, coordenado pelo Centro de Estudos de Agronegócios da Fundação Getúlio Vargas (GVAgro) para monitorar o desempenho do programa, a conjuntura econômica do País refletiu de forma negativa nos resultados, para além dos gargalos já identificados.
“Foi um ano de incertezas que afetou os investimentos no campo como um todo, e não apenas no programa de baixo carbono”, afirma o economista Angelo Gurgel, coordenador do Observatório.
Lançado na safra 2010/11, o programa é a principal linha de crédito ao produtor para o financiamento do Plano ABC, de modo a forçar a migração da agricultura para tecnologias que reduzam a emissão de carbono na atmosfera. Por esse motivo, é considerado crucial, entre especialistas do agronegócio, ambientalistas e representantes do governo, para que o Brasil consiga honrar seu compromisso internacional de redução de emissões de carbono, ratificado no Acordo de Paris.
Mas após cinco anos, o alcance do programa continua limitado: desde seu lançamento, o ABC nunca desembolsou o volume total de crédito proposto pelo governo. “Após todos esses anos, esperávamos que o programa estivesse mais consolidado”, disse Gurgel.
O número de contratos aprovados encerrou o ciclo 2015/16 em 6.353, uma queda de 57% em relação ao ano-safra anterior. Entre os motivos do avanço lento estão entraves sistemáticos: a falta de informação e assistência rural, sobretudo em regiões remotas, a necessidade de mudança da cultura de gestão no campo e a aversão ao risco.
“Como não há dados abrangentes e precisos sobre o retorno financeiro do investimento nas tecnologias contempladas, há resistências”, diz o economista da FGV.
De olho nisso, o Ministério da Agricultura aprovou na semana passada a formação de um grupo de trabalho para fazer uma revisão geral no Programa ABC. A intenção é “internalizar gargalos” para maximizar os desembolsos de crédito e avançar nessa agenda.
De acordo com João Campari, assessor especial para Meio Ambiente e Sustentabilidade do ministério, a intenção é aproximar a lupa de problemas e tentar solucioná-los. Ele não detalhou como isso será feito, mas frisou que o plano passa a ser atrelado diretamente à secretaria-executiva do ministério. Em tese, isso conferiria certa urgência à sua implementação.
A expectativa é de se avançar mais rápido também nos estados, na medida em que forem formalizados os grupos gestores responsáveis pela elaboração das diretrizes locais e fiscalização das ações. Augusto Billi, superintendente do ministério em São Paulo, disse que 12 estados já estão com seus planos publicados. Outros dez estão em processo de elaboração e em cinco não há previsão.
Em cinco anos, o programa disponibilizou recursos para a recuperação de pastagens (ver gráfico), plantio direto, integração da lavoura com floresta e pecuária e reflorestamento. São Paulo é o estado que, no acumulado dos anos, tem mais contratos do ABC, disse Billi.
Em 2015/16, a situação mudou. A crise e os juros mais elevados reduziram o apetite por tecnologias sustentáveis. São Paulo encerrou o ano-safra em quarta posição, com R$ 194 milhões contratos firmados. Goiás foi o primeiro, com R$ 366 milhões. Em seguida está Minas Gerais, com R$ 273 milhões contratados, e Mato Grosso subiu uma posição e ficou com a terceira colocação, com R$ 248 milhões.
Como região, o grande destaque nos desembolsos em 2015/16 foi o Norte. A região foi a única a elevar a contratação em relação ao período anterior, crescendo sua participação de 9,6% para 17,4%. Segundo o Observatório, o aumento se deve à melhor divulgação e capacitação dos produtores.
Fonte: Valor Econômico