A onda de fusões bilionárias no agronegócio está mascarando uma transformação na agricultura. O domínio dos produtos agrícolas geneticamente modificados está ameaçado.
Desde sua introdução nas lavouras americanas, 20 anos atrás, as sementes transgênicas ficaram parecidas com celulares: multifuncionais e onipresentes. Cientistas inseriram genes nas sementes para tornar as plantas capazes de repelir insetos, resistir à aplicação de herbicidas potentes, sobreviver com menos água e produzir mais oleaginosas com menos gordura saturada, eliminando, assim, as práticas científicas amadoras dos agricultores. O USDA estima que, neste ano, as variedades biotecnológicas vão responder por 94% da área plantada com soja no país e 92% da área cultivada com milho.
Hoje, porém, os agricultores estão tendo dificuldade para justificar os preços altos — e, em muitos casos, ainda ascendentes — das sementes geneticamente modificadas, dado o declínio de três anos nos preços das commodities agrícolas, que deve deixar muitos produtores no vermelho em 2016. Os gastos com sementes quase quadruplicaram desde 1996, quando a Monsanto se tornou a primeira empresa a lançar variedades biotecnológicas.
O cultivo de lavouras geneticamente modificadas também tem mostrado limitações, com certas pragas desenvolvendo resistência aos herbicidas e forçando produtores a usar um número maior de químicos. Alguns começam a voltar às sementes convencionais diante dos retornos menores proporcionados pelas transgênicas.
Com “o preço que estamos pagando pelas sementes biotecnológicas agora, não obtemos retorno”, diz Joe Logan, produtor do Estado de Ohio. Ele pagou US$ 85,00 por cada saco de sementes modificadas de soja no primeiro semestre, quase o quíntuplo de 20 anos atrás. Na próxima safra, ele planeja plantar a maioria de seus campos de soja e milho com sementes convencionais para economizar dinheiro.
As grandes empresas do agronegócio, por sua vez, estão tentando cortar custos e ganhar escala em resposta à queda nos preços dos produtos agrícolas e a resultante retração dos produtores, o que disparou a febre de fusões e aquisições no setor. E fabricantes de sementes, insumos, fertilizantes e tratores têm sido forçados a cortar preços e demitir funcionários.
“O boom da agricultura acabou”, declararam analistas da firma de pesquisa financeira Sanford C. Bernstein & Co. em uma nota em 2015, diante de três anos seguidos de safras recorde de milho nos EUA. Essa sequência de grandes colheitas derrubou os preços do milho e da soja, os dois principais produtos agrícolas do país. Neste ano, os produtores americanos vão faturar, ao todo, US$ 9.2 bilhões menos que em 2015 e 42% menos que em 2013, segundo o USDA.
O mundo todo também produziu milhões de toneladas a mais de milho, soja e trigo do que consumiu, segundo o órgão. O preço do milho, por exemplo, que atingiu um pico de US$ 8,00 por bushel em 2012, caiu para a metade em meados de 2014, chegando a pouco mais de US$ 3,00 no fim de agosto. Já o preço da soja despencou 46% desde a máxima de 2012.
E o USDA estima que os preços do milho, da soja e do trigo vão ficar perto dos níveis atuais pelos próximos dez anos, enquanto a Bernstein prevê que os fornecedores terão dificuldade para elevar os preços das sementes acima da inflação pelos próximos três a cinco anos.
A premissa por trás das sementes transgênicas era simples: plantas modificadas que cresceriam com a aplicação de um único herbicida contra todas as pragas, permitindo aos agricultores gastar menos com químicos. O milho, a soja e o algodão eram mercados naturais, cobrindo milhões de hectares nos EUA.
A Monsanto e outras fornecedoras poderiam cobrar um prêmio pelas sementes biotecnológicas que fossem “Roundup Ready” — concebidas para resistir ao glifosato, o herbicida que a Monsanto vende sob a popular marca Roundup —, dividindo com os produtores as economias obtidas com a redução que supostamente teriam no uso de químicos e mão de obra.
A estratégia foi lucrativa para a Monsanto, que em 2000 começou um processo para se desmembrar de sua controladora, a Pharmacia Corp., e se tornar uma empresa de agronegócio independente. A Monsanto lucrava com a venda de suas próprias sementes e também com o licenciamento de genes para outras fornecedoras, como a americana DuPont e a suíça Syngenta.
Jim Zimmerman, produtor de milho, soja e trigo no Estado do Wisconsin, diz que o boom da biotecnologia mudou a agricultura para melhor, apesar de alguns problemas. Ele diz que o uso de milho e soja resistentes ao Roundup possibilitou que ele economizasse dezenas de milhares de dólares por ano em mão de obra e combustível para tratores que seriam necessários se tivesse que pulverizar mais vezes suas plantações. Isso também ajudou a proteger o solo da erosão, diz ele, acrescentando que pretende usar sementes transgênicas de novo no próximo ano.
Mas Kyle Stackhouse, que cultiva quase 650 hectares de milho e soja em Indiana, questiona o valor dessas caras sementes.
Depois de adotar sementes transgênicas em suas lavouras de soja e perto de 75% das de milho, Stackhouse decidiu, cerca de dez anos atrás, que elas não propiciavam uma colheita grande o bastante para justificar seu preço.
Ele estima gastar cerca de US$ 131,00 por hectare em sementes de soja e US$ 99,00 em pesticidas, contra US$ 205,00 que teria gasto em sementes biotecnológicas e outros US$ 59,00 em químicos relacionados. Isso significa uma economia de custo de US$ 34,00 por hectare. Stackhouse diz que não planta transgênicos há três anos.
Kevin Cavanaugh, diretor de pesquisa da Beck’s Hybrids, fornecedora de sementes de capital fechado de Atlanta, disse que, embora as variedades biotecnológicas ainda representem 86% das vendas de semente de milho da Beck, a fatia de sementes não transgênicas que vende subiu cerca de 17% desde 2014. “Os produtores estão dizendo: Não vejo valor suficiente, ou pressão suficiente [das pragas] para justificar essas tecnologias”, declarou.
Robert Fraley, diretor de tecnologia da Monsanto, diz que os agricultores continuarão fiéis aos produtos. “Mesmo nas duras condições econômicas dos últimos anos […], os produtores ainda compram as sementes de alta tecnologia porque elas economizam dinheiro em inseticidas e outros produtos”, afirmou.
O Brasil parece confirmar essa crença, já que o uso dos transgênicos continua subindo no País. Para o plantio da safra 2016/17 que começa nos próximos meses, a estimativa é que sementes transgênicas sejam plantadas em 95% da área cultivada com soja e 89% da área de milho, segundo Luiz Fernando Gutierrez, consultor da firma Safras & Mercado.
“No caso da soja, o grão convencional conseguia um prêmio elevado que cobria os gastos extras com fertilizantes, que são menores na soja transgênica, mas esse prêmio caiu nos últimos anos”, disse Gutierrez.
Em 2013/14, por exemplo, essas áreas giravam em torno de 85%. Mesmo no Estado do Mato Grosso, onde um programa da associação de produtores, a Aprosoja, incentiva o plantio de culturas convencionais, a área com transgênicos deve subir. Maior produtor brasileiro, responsável por 27% da soja do País, a expectativa que o plantio de soja transgênica atinja 92% na safra 2016/17, ante cerca de 85% na safra passada, afirma Luiz Nery Ribas, diretor da entidade.
Fonte: The Wall Street Journal