Nos recentes encontros com representantes de mercado, o Banco Central tem manifestado certa preocupação com o fato de a desvalorização do dólar estar ocorrendo na expectativa de uma forte entrada de recursos que não se materializou até agora, apurou o Valor. Os bancos são unânimes em prever forte entrada de dólares para investimento direto, bolsa e renda fixa e dizem que o gatilho será o impeachment da presidente afastada Dilma Rousseff, previsto para o fim deste mês. A autoridade monetária não vê razão para alarme, mas monitora os riscos de perto.
Enquanto o esperado fluxo não vem, a posição vendida dos bancos em dólar no mercado à vista tem crescido, está ao redor de US$ 30 bilhões e o BC está atento a isso. Os diretores também têm perguntado aos agentes se bancos e investidores estão alavancados ou não em reais, juros e bolsa, para medir o risco de valorização exagerada dos ativos brasileiros.
Se e quando o fluxo vier, o BC quer avaliar que tipo de dinheiro será esse, se serão recursos de curto prazo de caráter especulativo, ou mais estáveis para investimento direto. Por ora, os diretores indicam que não existe discussão interna sobre compra ou venda de reservas ou remontagem de posição de swaps num cenário de escassez de dólares porque não há necessidade de se antecipar a movimentos de mercado que não ocorreram. Se um excesso ou falta de dólares ocorrer, o BC irá avaliar qual a melhor posição a adotar.
O BC tem sido cauteloso em seus movimentos no sentido de aproveitar o favorável momento internacional para os mercados emergentes para reduzir o estoque de swap cambial, promovendo pequenos leilões diários de swaps cambiais reversos. Mas a indicação é que não se sabe quanto tempo a farta liquidez internacional irá durar e se a posição de swap cambial será zerada.
Sobre os limites para a queda do dólar, já que um real valorizado pode começar a incomodar setores da indústria, o BC tem dito que considera esse um bom problema, muito melhor que um dólar excessivamente valorizado.
A leitura do cenário internacional mostra-se um desafio. Assim como os agentes de mercado, o BC se surpreendeu com o apetite por risco que se seguiu ao Brexit. E a autoridade tem questionado os profissionais sobre possíveis equívocos na interpretação dos próximos movimentos do Federal Reserve. O último relatório de emprego nos EUA, por exemplo, poderia sugerir um sinal de antecipação da alta de juros. No entanto, o mercado de forma geral apostou numa postergação.
Nos encontros, representantes de bancos e gestoras de recursos têm tentado elucidar o que o presidente do BC, Ilan Goldfajn, quis dizer ao declarar, recentemente, que a decisão do COPOM sobre juros é subjetiva. Muitos interpretaram essa frase como um sinal de mais tolerância do BC com a inflação.
Ao insistir na necessidade de ajuste fiscal em suas comunicações recentes, o BC deixou dúvidas sobre o que de fato precisaria acontecer nesse campo para chancelar um início de ciclo de afrouxamento monetário. A aprovação no Congresso do projeto que impõe teto para os gastos públicos é vista como crucial. Esta pode acontecer, na melhor das hipóteses, em novembro. Mas, na leitura da diretoria, assim como aconteceu com o impeachment, o próprio mercado poderá antecipar no preço dos ativos a aprovação da medida, o que abriria algum espaço para o Banco Central se mover se os demais indicadores forem favoráveis.
Bancos financiam déficit de dólar físico
O tamanho das posições vendidas de bancos no mercado à vista de dólar chama atenção, mas por enquanto não chega a preocupar, já que o cenário externo é de farta liquidez. De toda forma, já há questionamentos sobre a capacidade das instituições de seguirem financiando a demanda por dólar físico sem ajuda extra do Banco Central, que precisaria em casos mais delicados ofertar mais linhas de moeda estrangeira.
A posição vendida dos bancos indica que essas instituições estão financiando o déficit de dólar físico no País. Esse financiamento é feito tanto com recursos captados a juros mais baixos no exterior quanto a partir dos dólares disponibilizados pelo BC em leilões de linha.
Os bancos terminaram julho com posições vendidas em dólar à vista de US$ 29.445 bilhões, segundo dados do BC. Mas o fluxo cambial negativo de US$ 2.251 bilhões na primeira semana de agosto deve ter elevado esse montante para um recorde em torno de US$ 32 bilhões.
Profissionais de tesourarias bancárias dizem que as condições de financiamento externas e o momento mais positivo para o Brasil têm permitido que os bancos financiem sem maiores sobressaltos a demanda por dólar “spot”. O risco, portanto, é de o ambiente externo sofrer alguma deterioração, reduzindo canais de financiamento e esfriando a possibilidade de fluxos para o Brasil.
A dúvida sobre o ambiente internacional mais benigno tem sido um ponto a que o BC recorrentemente vem chamando atenção. No começo da semana passada, o BC relatou essa preocupação a economistas, em encontros trimestrais em São Paulo e no Rio de Janeiro. A mesma tônica apareceu na última ata do COPOM, na qual o BC afirmou que “todos os membros” do colegiado destacaram a presença de “riscos de médio e longo prazo no âmbito externo” relacionados à fragilidade da recuperação da economia global.
O chefe de tesouraria de um banco estrangeiro no Brasil diz que “sem dúvida seria melhor que o dólar caísse por fluxo físico”. Mas ele ressalva que as posições elevadas dos bancos em dólar à vista não representam risco sistêmico, já que as instituições trabalham com operações casadas – ou seja, vendem dólar à vista e compram moeda no mercado futuro. Ao “casar” as operações, as instituições evitam exposição cambial, reduzindo o risco do sistema como um todo.
Segundo dados da BM&F, os bancos terminaram o mês de julho com posição comprada em dólar via derivativos (dólar futuro, cupom cambial e swap cambial) de US$ 27.009 bilhões. Deduzindo esse montante da posição vendida em dólar à vista no mesmo período (US$ 29.445 bilhões), o saldo vendido em dólar é de US$ 2.436 bilhões.
Por outro lado, o gerente de tesouraria de outro banco internacional estima que o estoque de linhas de dólares do BC no mercado soma cerca de US$ 7 bilhões. Considerando esses três segmentos (à vista, futuro e a termo), o saldo dos bancos ainda é comprado em dólar em US$ 4.6 bilhões.
A relativa tranquilidade do mercado é evidenciada pelas taxas de cupom cambial, que operam nas mínimas em vários meses. A taxa de 12 meses está em 2,40% ao ano, menos da metade da marca de 5,80% alcançada em setembro do ano passado, quando o dólar bateu recorde histórico perto de R$ 4,25. A moeda americana fechou sexta-feira em alta de 1,53%, a R$ 3.1850.
O cupom cambial é a taxa de juros em dólar negociada no Brasil e serve de referência para o custo de financiamento da moeda americana no mercado interno. De acordo com o gerente de tesouraria do banco citado anteriormente, o nível baixo do cupom mostra que não há falta de liquidez no mercado. Portanto, dá segurança para os bancos continuarem financiando a demanda por dólar físico. “E o diferencial de juros entre o que o banco capta de linha externa e o cupom aqui continua alto, então os bancos mantêm essa posição sem maiores problemas e com lucro.”
Fonte: Valor