A regularização do abastecimento de feijão e a possibilidade de retorno dos preços do produto a um patamar considerado razoável, para atender ao mercado, devem ocorrer somente no início de 2017, a partir da colheita da primeira safra. Segundo Eduardo Lüders, presidente do Instituto Brasileiro do Feijão e Pulses (Ibrafe), embora esteja prevista maior oferta do grão entre o fim de julho e durante o mês de agosto, quando serão colhidas as áreas irrigadas (a chamada terceira safra), o volume não será suficiente para trazer os preços a um ponto satisfatório para o consumidor.
“Com a entrada da safra irrigada, a partir deste mês e a concentração em julho e agosto, prevê-se uma queda nos preços, que devem ser normalizados até a entrada da safra 2016/17, que começa a ser plantada em setembro e colhida no começo do próximo ano”, prevê Neri Geller, secretário de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa).
A falta de feijão no mercado, causada pela queda na produção, elevou os preços do produto a patamares nunca antes vistos no Brasil. Em vários municípios de diferentes Estados, os produtores já recebem acima de 500 reais pela saca de 60 quilos. “Em São Paulo, os preços pagos ao produtor apresentaram ligeira queda de fevereiro para março deste ano, no entanto, essa queda não foi repassada ao consumidor”, relata o pesquisador Alcido Elenor Wander, chefe adjunto de Pesquisa e Desenvolvimento da Embrapa Arroz e Feijão (GO).
Wander afirma que há grandes variações nos preços entre regiões: o maiores em lugares que produzem o feijão do tipo comercial carioca, especialmente onde houve quebra de safra decorrente dos efeitos climáticos do fenômeno El Niño.
“Um fato interessante é que os aumentos de preços ao produtor são repassados ao atacado e varejo (consumidor final), quase que instantaneamente. Já as quedas de preço ao produtor demoram entre dois e três meses para chegar ao consumidor”, observa o pesquisador.
PRODUÇÃO NACIONAL
Entre as safras de 2014/15 e de 2015/16, a produção nacional de feijão em geral caiu de 3,1 milhões para 2,9 milhões de toneladas, uma redução de 178 mil toneladas. Tais reduções ocorreram por causa do efeito El Niño, principalmente no Sul (-166 mil toneladas), por causa do excesso de chuvas, e no Centro-Oeste (-82 mil toneladas), em decorrência da falta de chuvas.
“A queda nestas regiões não pôde ser compensada pelo aumento da produção no Sudeste (+4 mil toneladas), Nordeste (+62 mil toneladas) e Norte (+5 mil toneladas)”, analisa o pesquisador da Embrapa. Segundo ele, a produtividade média foi de 862 quilos por hectare na primeira safra e 1.051 kg/ha na segunda. Na terceira safra de 2016, ainda em andamento, a expectativa é colher em torno de 2,5 mil kg/ha.
“Como a produção nacional caiu 200 mil toneladas na safra de 2014/15 e 400 mil toneladas em 2015/16, temos um déficit acumulado de 600 mil toneladas em dois anos”, calcula Wander. Ele acrescenta que nem mesmo as importações de 277 mil toneladas no ano passado e de 120 mil toneladas de janeiro a maio de 2016, oriundas da Argentina, China e Bolívia, conseguiram fazer com que os mercados se acalmassem.
Segundo o presidente do Ibrafe, Eduardo Lüders, o País produz entre 3,2 milhões e 3,4 milhões de toneladas de feijão em geral ao ano – em torno de 65% são do tipo carioca, 18% de caupi (macaçar ou de corda) e o restante de preto, vermelhos, rajados, entre outros.
“O feijão que mais produzimos – o carioca –, quando há sobra, não temos para onde exportar, porque é consumido apenas no Brasil. O inverso também é verdadeiro, ou seja, quando há redução na produção, não temos de onde trazer o produto para equilibrar o preço interno”, esclarece Lüders, que também é analista de mercado da Correpar Corretora de Mercadorias, que atua no mercado há 20 anos.
Lüders aponta a diversificação como uma alternativa para o setor: “Se tivermos feijões vermelhos e até mesmo preto em excesso, podemos exportar. Estes feijões também são passíveis de importação, quando vivemos um aumento grave como o de agora, em 2016”.
CAUSAS DO DESABASTECIMENTO
Na opinião do presidente do Ibrafe, entre os motivos do desabastecimento de feijão estão o aumento da área de soja e de milho, a diminuição do preço mínimo no ano passado e os problemas climáticos. “Coincidentemente, neste ano, o fenômeno El Niño atingiu com chuvas o maior Estado produtor – o Paraná – e com seca, em Minas Gerais, na primeira e na segunda safra de 2016.”
“O governo abandonou a produção de feijão à própria sorte. Além disto, não há liberação de novos agroquímicos pelo Ministério da Agricultura e pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), já liberados em outros países e que são necessários, porque diversas pragas vêm ganhando resistência com o passar dos anos”, destaca Lüders.
Ainda segundo o analista, o governo precisa, com urgência, entender que a produção de feijão está migrando de pequenos produtores para médios e grandes. “Precisamos readquirir a confiança dos pequenos produtores no preço mínimo de garantia e, por outro lado, oferecer aos médios e grandes um contrato de opção que permita, em caso de preços baixos, garantir pelo menos o investimento que fizeram no plantio”, sugere Lüders.
IMPORTAR RESOLVE?
Na semana passada, o governo federal autorizou a importação de feijão de alguns países, com isenção de tarifa durante 90 dias, com o objetivo de reduzir o preço do produto no Brasil. O produto importado de países do Mercosul, por sua vez, já é isento desta taxação, mas agora foi estendida ao feijão produzido na China e no México.
Lüders apoia a importação de grão com tarifa zero. “Seria no mínimo imoral, por parte do governo, continuar cobrando 10% de imposto para a importação de um produto que está passando pela maior escassez de sua história”, avalia ele, fazendo uma ressalva: “Esta ação pode ter apenas um efeito de marketing político, porque não significará mudança de patamar de preços, uma vez que o único feijão que pode ser importado é o preto e, estrategicamente, retira da Argentina a condição de único fornecedor, durante o segundo semestre”.
Considerando que a crise de abastecimento é do feijão tipo carioca, o qual o País não pode importar para regular o mercado diretamente, o pesquisador da Embrapa Alcido Elenor Wander também prevê que levará alguns meses até normalizar o abastecimento, se as safras forem normais, sem quebras.
Wander, no entanto, acredita que as importações podem ajudar a amenizar a crise de abastecimento de forma indireta. “Como o carioca está mais caro, alguns consumidores passam a consumir outros tipos de feijão, como o preto. Assim, o preto importado pode ajudar a atenuar a situação, mas não resolve, porque a demanda insatisfeita é de feijão do tipo carioca e não há possibilidade de importar este tipo em quantidades que seriam necessárias”, alerta.
Após um momento delicado como o atual, quando todos ainda falam sobre um possível aumento do consumo total de feijão em geral no Brasil, se estiverem disponíveis, o presidente do Ibrafe acredita que a população irá descobrir que existem outros tipos deste grão. “Temos observado um aumento de cerca de 30% no consumo de feijão preto e de 25% no consumo de feijões de corda ou fradinhos, como também são conhecidos”, informa Lüders.
Ele também que não há nada que possa ser feito para mudar o quadro atual de falta do produto no mercado. “É necessário que o governo entenda que um produto da cesta básica, como o feijão, pode ser considerado como um pilar da segurança nacional.”
MAIORES PRODUTORES
Destacando o mercado do grão, Brasil, Índia e Mianmar são os maiores produtores de feijão do mundo. Em território nacional, os principais Estados são Paraná (com 22% da produção), Minas Gerais (17%), Bahia (10%), Mato Grosso (10%), Goiás (7%), Ceará (6%) e São Paulo (6%).
A demanda de feijão no País tem crescido, segundo pesquisas, devido à grande disponibilidade de informações positivas repassadas à população pela internet, aliadas à qualidade do produto. O consumo aumentou a partir de 1995 e, de acordo com Lüders, atualmente, deve estar próximo a 19 quilos per capita.
Por equipe SNA/SP