As maiores negociadoras de grãos do mundo, Archer Daniels Midland, Bunge, Cargill e Louis Dreyfus, perderam seu centenário domínio do mercado de exportações de grãos do Brasil para rivais asiáticos, mostram dados compilados pela Reuters.
Uma análise de dados de embarques aponta que tradings asiáticas, incluindo a estatal chinesa Cofco, compraram 45% da soja, milho e farelo de soja exportados pelo País no ano passado. Comparativamente, a fatia das grandes companhias, um tradicional grupo conhecido pela sigla “ABCD”, ficou em 37%.
Isso marca uma abrupta virada frente a 2014, quando as compras pelas companhias ABCD, com sede nos Estados Unidos e na Europa, responderam por 46% dos grãos exportados pelo Brasil, contra 36% das empresas da Ásia.
Com populações em crescimento nas cidades da China e em outras partes da região, a Ásia tem despontado no mercado mundial de grãos, e comerciantes estabelecidos no continente, como a Wilmar International, estão ampliando sua presença global.
Os dados mostram como as empresas asiáticas têm focado a oferta do Brasil, principal país exportador de soja, desafiando gigantes do comércio global de commodities que tradicionalmente operavam como a ponte entre produtores agrícolas e consumidores.
“É o desejo que os chineses sempre tiveram, de comprar direto dos produtores. (Mas) eles queriam que os produtores entregassem a soja direto para eles”, disse o diretor da consultoria Agroconsult, André Pessôa. “Eles finalmente entenderam que eles têm que fazer a originação aqui.”
A presença chinesa no setor tem crescido, em parte, por meio de aquisições. A estatal Cofco comprou 51% da trading de grãos holandesa Nidera e 51% da Noble, com sede em Hong Kong, em abril de 2014. No ano passado, a Cofco disse que iria comprar os 49% restantes da Noble Agri.
A Reuters analisou mais de uma década de dados de embarques da Willians, agência marítima brasileira.
Os dados mostram como a estrutura do mercado brasileiro mudou dramaticamente nos últimos anos. Em 2003, as companhias ABCD compraram cerca de 57% das cargas de grãos vendidas pelo Brasil, enquanto as compras diretas por empresas asiáticas representaram 9%.
Desde então, as exportações totais do Brasil aumentaram conforme as safras cresceram na esteira da demanda asiática, principalmente.
Mas a expansão das asiáticas acelerou conforme os comerciantes daquela região passaram a buscar, eles mesmos, o suprimento. Na lista das maiores compradoras nos primeiros dois meses de 2016, as empresas ABCD tiveram relativamente pouco crescimento em volume, segundo os dados.
Em expansão bem mais acelerada aparecem as japonesas Itochu, Agrex/Mitsubishi e Mitsui, as chinesas China Agri, Noble Agri e Nidera, todas controladas pela Cofco, a sul-coreana CJ e a Wilmar, de Cingapura.
De clientes a competidores
As tradings ABCD ainda têm um papel-chave no atendimento ao crescente apetite da China por grãos. Mesmo após comprar fatias na Noble Agri e na Nideria em 2014, a Cofco ainda depende dos vendedores tradicionalmente dominantes.
O Brasil, também importante exportador de milho, está no meio de uma safra recorde de soja, com as primeiras cargas tendo chegado aos portos nas últimas semanas. Isso após uma temporada de exportações recordes.
“Boa parte dessas empresas (asiáticas) mudou de postura, passando de clientes a concorrentes”, disse a Bunge, maior compradora de grãos do Brasil no último ano, em posicionamento por e-mail em 11 de março.
A companhia, forte no mercado brasileiro, tem reduzido seu negócio de exportação de soja, focando em exportações de milho e no esmagamento de soja no ano passado, segundo ela, devido à “condição desfavorável do mercado”.
ADM e Cargill não quiserem comentar os dados. A Louis Dreyfus não respondeu solicitações da Reuters.
A mudança no mercado segue-se aos esforços das tradings asiáticas para adquirir infraestrutura, como terminais portuários, para tornar seus negócios de exportação mais eficientes e assim ganhar uma vantagem em um mercado em que as margens são tipicamente apertadas.
As exportações de milho, soja e farelo de soja do Brasil dispararam nos últimos dez anos, de mais de 40 milhões de toneladas para cerca de 98 milhões de toneladas em 2015, segundo dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior.
Compradores asiáticos capitalizaram essa crescente oferta, em muitos casos ampliando suas operações portuárias e sua infraestrutura local para ganhar competitividade.
Uma ampla parcela das compras da japonesa Marubeni, segunda maior compradora de grãos do Brasil depois da Bunge, foi feita por um terminal marítimo em São Francisco do Sul, no Sul do País, que a companhia comprou em 2011.
A Itochu também elevou suas aquisições de grãos em dez vezes no último ano, após fechar uma joint venture com uma empresa local em 2014, a Naturalle. Um porta-voz da companhia disse que ela tem expandido sua presença no Brasil para levar soja e milho para mercados do Sudeste e Leste asiático.
No curto prazo, as companhias asiáticas podem estar prontas a comprar grãos com margem zero para garantir um lugar no mercado, o que representa uma concorrência pesada para as companhias longamente estabelecidas no País.
Mas Murilo Braz Sant’Anna, presidente da trading local Algar Agro e ex-executivo da Bunge Brasil, disse que não espera que essa estratégia sem lucro possa durar mais que dois ou três anos.
Fonte: Reuters