Depois de um ano de tantas dificuldades, o melhor dos mundos seria olhar para frente e ter a certeza de que o pior ficou para trás. Mas, como a única certeza disponível no mercado é que as turbulências vão continuar, resta ao agronegócio brasileiro confiar em suas vantagens comparativas, apostar em um mercado doméstico menos arredio e contar com um câmbio favorável às exportações para voltar a colher em 2016 resultados em geral positivos como os de 2015.
Não será fácil, como mostra estudo recém-concluído pelo Rabobank sobre as perspectivas do setor no Brasil no ano que vem. Para o País, o banco espera uma nova retração da economia – de 1,4%, ante os 2,9% previstos para este ano – e juros básicos na casa de 14,25% até o quarto trimestre, combinação que tende a resultar em mais uma temporada de crédito mais escasso e caro. Globalmente, o baixo crescimento e a aversão ao risco são alguns dos desafios que perduram.
Mas, como também conclui o trabalho assinado pelos analistas Adolfo Fontes, Andres Padilla, Andy Duff, Jefferson Carvalho, Maurício Barbosa, Renato Rasmussen e Victor Ikeda, 2016 não deverá ser um ano perdido, como 2015 não foi. Com prudência e uma canja de galinha temperada com porções generosas de clima benéfico e dólar forte, o agronegócio brasileiro poderá se manter na estrada com segurança e voltar a pisar no acelerador com mais força em 2017.
Com margens garantidas pelo câmbio neste ano, a cadeia produtiva da soja, carro-chefe do campo nacional, terá mais uma vez no dólar um importante alicerce. E, se confirmado o horizonte de normalização do ambiente financeiro nos Estados Unidos e a elevação gradual dos juros naquele país, a moeda americana poderá se situar em uma faixa até mais generosa para os exportadores – o Rabobank estima que a moeda estará perto de R$ 4,40 no fim de 2016.
“Diferentemente do que acontece nos EUA, o câmbio está sendo bastante compensador no Brasil. Mesmo com o aumento da oferta da Argentina [em razão da redução das travas às exportações promovida pelo novo governo] e uma eventual redução dos estoques nos portos da China, que estão elevados, será possível manter margens positivas”, diz Renato Rasmussen. EUA, Brasil e Argentina lideram produção e exportações globais do grão, enquanto a China responde por mais de 60% das importações.
O Rabobank projeta que a colheita brasileira de soja alcançará o recorde de 100 milhões de toneladas nesta safra 2015/16, apesar dos riscos climáticos derivados do fenômeno El Niño, e sinaliza uma provável redução de área nos EUA em 2016/17, em virtude da pressão sobre as cotações advinda da oferta adicional argentina e das incertezas sobre os estoques chineses. A depender dessa conjunção, os contratos futuros da commodity poderão recuar abaixo de US$ 8,30 por bushel na bolsa de Chicago – hoje estão em cerca de US$ 8,80.
Se de fato a soja perder área plantada nos EUA em 2016/17, será para o milho, o que certamente significará uma nuvem a mais sobre os preços internacionais do cereal – que, como acontece nos demais mercados de commodities, já tem perdido sustentação nas bolsas americanas por causa da valorização do dólar. Mas, como observou Rasmussen, o outro lado dessa moeda é justamente o ganho de competitividade do milho brasileiro no exterior, que ajuda a oferecer suporte às cotações no próprio país.
Os bons preços domésticos dos grãos, se confirmados, poderão levar a um avanço nas vendas de insumos como fertilizantes, como realça Victor Ikeda, mas continuarão a pressionar as margens dos frigoríficos. Mas, como nota Adolfo Fontes, tudo indica que estes terão em 2016 mais chances de ampliar as receitas com as exportações, o que será um alento tendo em vista o cenário ainda complicado no mercado interno.
“O câmbio deixa as carnes brasileiras muito competitivas”. Além disso, concorrentes do Brasil nas carnes bovina, de frango e suína enfrentam problemas e, com isso, a abertura (ou reabertura) de mercados em 2015 para os produtos brasileiros poderão render ótimos frutos em 2016.
O mesmo não deverá ocorrer com os lácteos. Neste segmento, o mercado global está mais bem abastecido – em parte por conta do fim das cotas de produção na União Europeia e em larga medida em decorrência da retração da demanda – e Andres Padilla espera alguma recuperação apenas a partir do terceiro trimestre de 2016. Fortemente dependentes do consumo interno, os produtores brasileiros, nesse caso, têm pouco a esperar do câmbio e terão que aguardar a retomada da demanda doméstica por itens de maior valor agregado para voltar a sorrir.
Mas, dentre as grandes cadeias do agronegócio brasileiro, é uma exceção. O próprio Padilla observa que, no caso do suco de laranja, o dólar forte e a retração da oferta da Flórida tendem a fazer de 2016 mais um ano bastante aproveitável, como foi 2015, enquanto Jefferson Carvalho destaca os prováveis reflexos positivo do câmbio também para os cafeicultores do País. Importante notar, ainda, que, ao contrário do que acontece com os lácteos, o consumo doméstico por café continua a crescer apesar das turbulências, maximizadas pela desordem política. “A relação entre oferta e demanda globais poderá ficar um pouco mais confortável, mas sem muita pressão na bolsa de Nova York”, afirmou ele.
Na contramão, o açúcar, por sua vez, tende a registrar em 2016 seu primeiro ano de déficit global depois de uma longa sequência de superávits. Mesmo com os estoques elevados, poderá ser suficiente para dar continuidade à recuperação das cotações, o que para as usinas brasileiras será fundamental. Mesmo com a expressiva melhora do mercado interno para o etanol, cujas vendas bateram recordes sucessivos no Brasil em 2015, a situação do segmento ainda é delicada. “A polarização continua. Só aproveitarão bem a safra as usinas que estiverem em melhor situação”, disse Andy Duff.
Fonte: Valor Econômico