Revista GOL: Em nome da alimentação saudável

A pequena seção dos orgânicos no supermercado. Ou a lojinha natural escondida numa rua tranquila do bairro. Para o paulistano Alexandre Borges, 42 anos, não é assim que se vence a luta por uma alimentação mais saudável. Desde que assumiu o controle da Mãe Terra, no final de 2007, seu objetivo é tirar os orgânicos do nicho e espalhá-los pelas gôndolas maiores, ao lado das opções convencionais.

“A tomada de consciência não pode ocorrer só no público que já é adepto, e sim no consumidor em geral”, diz Borges, que descreve o trabalho de seus 300 colaboradores como uma guerrilha que abre espaço entre as gigantes alimentícias e seus produtos viciados em corantes, aromatizantes e conservantes artificiais.

Borges acaba de vencer um round desse embate. Em parceria com a Mãe Terra, a GOL é a primeira companhia aérea do mundo a distribuir gratuitamente um snack orgânico. Composto por sete tipos de grãos integrais não transgênicos, o Tribos levou dois anos para ser desenvolvido e possui 40% menos sódio que um biscoito salgado comum. A cada mês, serão fornecidos em média 2,5 milhões de unidades – um aumento de escala inimaginável
no início da empresa, quando boa parte de seu público era formada por praticantes da macrobiótica.

A Mãe Terra foi criada em 1979 por Inácio Zurita, um vegetariano que dois anos antes montara um centro de ioga e restaurante chamado Sattva, na rua da Consolação, em São Paulo. O sucesso do restaurante – que seria vendido para o ator Lima Duarte anos depois (hoje já tem outro dono e endereço) – incentivou a abertura de uma loja de produtos naturais que logo passaria a empacotar e vender no atacado ingredientes como arroz integral, açúcar mascavo e linhaça. Uma de suas clientes era Adriana Scavone, uma pedagoga que transmitiu para a família o gosto pela alimentação natural.

Com 14 anos, o filho Alexandre já fazia granola em casa para vender aos amigos. “No curso de administração da FGV [Fundação Getúlio Vargas], eu era o cara da banana com aveia”, brinca o atual diretor. Na mesma época, início dos anos 90, a Mãe Terra participava de uma das primeira feiras de produtos naturais da cidade. Borges foi até lá com o pai conhecer o estande e, por impulso, propôs que os dois a comprassem. “Meu pai me achou um louco, pois na época o público era só de natureba. Mas aquilo ficou na minha cabeça.”

Recém-formado, foi ser trainee da Mastercard nos Estados Unidos e teve outro encantamento ao entrar numa loja da Whole Foods e admirar um mercado inteiro dedicado à comida saudável. Pediu emprego de caixa noturno, aguentando durante dois meses a dupla jornada, para entender como aquilo funcionava.

De volta ao Brasil, empreendeu dois negócios vendidos para multinacionais: o site de vendas Flores Online e a agência de comunicação Significa. Em paralelo, viu o comércio de produtos naturais lentamente se estabelecer no país, até que no final de 2007 resolveu “casar com a namoradinha do colégio”, ou seja, efetuar a tão sonhada aquisição da Mãe Terra.

Junto com a então sócia Marília Rocca, Borges contou a Vital Zurita – irmão do fundador Inácio e responsável pela Mãe Terra por quase 30 anos – todo o seu histórico com a marca e seus planos para o futuro, convencendo-o a vender a empresa. Marília deixou a sociedade em 2013 e hoje é vice-presidente da desenvolvedora de softwares TOTVS.

Parece, mas não é

O ritmo de vida urbano faz com que 80% da cesta de compras dos brasileiros seja formada por itens de pronto consumo. Entre os produtos orgânicos e integrais, a proporção é inversa: 80% deles são ingredientes que demandam preparo, como legumes, verduras e grãos. Para preencher esse espaço num segmento que dobrou de tamanho nos últimos cinco anos, movimentando US$ 35 bilhões no país em 2014, a Mãe Terra apostou na criação de versões saudáveis de ícones da junk food, como o macarrão instantâneo, a sopa pronta e o salgadinho de milho. Hoje o portfólio tem mais de 120 produtos.

“Eles entenderam que mesmo as pessoas que estão sem tempo livre gostariam de consumir alimentos integrais ou orgânicos, com menos sódio e açúcar”, diz Sylvia Wachsner, coordenadora do Centro de Inteligência em Orgânicos da Sociedade Nacional de Agricultura. A tendência já é acompanhada pelas grandes indústrias alimentícias e suas subdivisões de produtos naturais – pelo menos na aparência.

“Temos concorrentes que se vendem como saudáveis, mas com glutamato monossódio, um realçador de sabor artificial”, afirma Borges. “Quase tudo o que é vendido como integral nos supermercados na verdade utiliza farinha reconstituída com farelo de trigo, sem o gérmen, que é a parte mais nutritiva do grão.”

Desenvolver um produto realmente integral ou orgânico, que não use transgênicos ou aditivos químicos, é um desafio do início ao fim. As dificuldades começam nos fornecedores, pequenos produtores familiares que precisam de ajuda para serem certificados e que nem sempre podem entregar encomendas de maior porte.

O maquinário tem de ser adaptado para processar alimentos utilizando ingredientes naturais. Se tudo der certo, é preciso cumprir outros dois requisitos para chegar ao mercado: sabor atraente mesmo sem pozinhos artificiais, para enterrar a ideia de que alimento saudável não tem gosto de nada, e preço acessível, não muito acima dos convencionais.

A receita estrutural para cumprir esses compromissos e crescer 40% ao ano desde 2012 tem três ingredientes: planejamento para adotar alternativas na cadeia de suprimentos caso haja problemas com algum fornecedor; escala suficiente para baixar os custos e gerar poder na negociação com os pontos de venda; e o engajamento de profissionais que acreditam na causa da empresa.

Talentos engajados

A Mãe Terra recebe quase diariamente e-mails de pessoas interessadas em trabalhar lá, muitas vezes trocando cargos e salários mais altos pelo prazer de ter um objetivo maior. O gerente de logística Rodrigo Castilho veio de uma gigante de bebidas. João Seixas, diretor financeiro, tem MBA no Massachusetts Institute of Technology, o famoso MIT. Já o italiano Luigi Bavaresco, gerente de marketing e produto, passou oito anos numa multinacional de bens de consumo antes de decidir atuar em uma empresa bem menor, onde seu trabalho finalmente tivesse um impacto positivo para o planeta.

O ambiente da fábrica da Mãe Terra em Osasco (SP) sintetiza esse espírito engajado. Os autoproclamados mãe terráqueos, diferentes em seus estilos e comportamentos, são unidos por uma ideia de sociedade mais sustentável. Eles postam comentários e cenas do cotidiano de trabalho no Facebook da empresa e fazem suas refeições em uma cozinha central com ingredientes orgânicos, opções vegetarianas e sucos naturais.

“Faz toda a diferença trabalhar numa empresa com alma”, diz o italiano Bavaresco, quase sem sotaque após três de seus 38 anos vivendo no Brasil. “O cansaço é igual, os desafios são até maiores, mas a satisfação quando recebemos mensagens de apoio dos clientes nos dá aquele sentimento impagável de que estamos fazendo o bem.”

 

Fonte: Revista GOL, nº 161, agosto/2015

 

 

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