Desaceleração da China traz à tona problemas estruturais do Brasil

Até pouco tempo atrás, o Brasil era considerado o principal exemplo de como um país em desenvolvimento pode ganhar proeminência global aproveitando o boom de commodities liderado pela China.

Agora, o Brasil parece simbolizar algo bastante distinto: o hábito de países ricos em recursos naturais de acabar com seus ciclos de prosperidade com estouros espetaculares.

O mercado de ações do Brasil caiu 22% nos últimos doze meses. O real se depreciou mais de 30% em relação ao dólar. E a expectativa é que, hoje, o País divulgue que sua economia encolheu a uma taxa anualizada de cerca de 1,7% no segundo trimestre. De fato, economistas têm expressado temores de uma recessão que durará muito anos.

A China tem causado turbulência financeira em muitos países, mas nenhum deles foi mais abalado que o Brasil, um dos principais fornecedores de matérias-primas para um país cujo apetite voraz por commodities vem arrefecendo. A dor que a desaceleração chinesa infligiu ao Brasil não é só uma questão de mercados financeiros, como em alguns países, mas atinge o coração da economia real.

“Fomos da Brasilmania à Brasil-náusea”, diz Marcos Troyjo, um ex-diplomata brasileiro que dirige um centro de estudos sobre mercados emergentes na Universidade Columbia, em Nova York. “Nós estamos olhando para uma década perdida, onde o crescimento estagna, a inflação é alta e, a parte mais triste, uma década onde não aprendemos nada.”

Para os brasileiros que acreditaram no que diziam seus líderes, que o País saltaria ao status de primeiro mundo durante o boom das commodities, a crise veio como uma profunda decepção. Manifestações antigoverno são hoje corriqueiras, com os protestos da população contra a corrupção incluindo pedidos de impeachment da presidente Dilma Rousseff. À medida que a inflação brasileira se aproxima de dois dígitos e as taxas de juros sobem, famílias da classe média estão deixando de pagar as prestações de seus carros e a população de baixa renda está comendo menos carne.

“A carne é a primeira a sair”, diz Janeide Ferreira, uma faxineira de 54 anos que mora no Rio de Janeiro. “As coisas estavam muito melhores cinco anos atrás.”

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A julgar pelas opiniões de firmas de classificação de crédito, o Brasil está em perigo de perder seu grau de investimento, o que poderia provocar um declínio desordenado do real.

Alguns brasileiros ricos não estão esperando para ver. Brasileiros estão comprando casas no exterior, do sul da Flórida à Scarsdale, em Nova York, muitas vezes com planos de criar os filhos por lá.

Analisando o passado recente, é fácil ver por que o Brasil inspirou um frenesi de otimismo equivocado. Se a maior história econômica deste século foi a ascensão da China, o Brasil estava posicionado para se beneficiar dela. Rico em minério de ferro, milho, soja e carne bovina, sem mencionar o petróleo, o País se posicionou como um fornecedor crucial para a afluente China.

O comércio anual entre o Brasil e a China, que movimentou apenas cerca de US$ 2 bilhões em 2000, saltou para US$ 83 bilhões em 2013. A China suplantou os Estados Unidos como o maior parceiro comercial do Brasil.

A ascensão da China estimulou os investidores globais a injetar mais de US$ 1 trilhão por ano em mercados emergentes até 2011, um aumento de cinco vezes em dez anos. O Brasil foi um dos principais destinos desse dinheiro. Como seu mercado financeiro era mais transparente que o da China, alguns investidores compraram o Brasil como uma forma de apostar na China.

Em meio a isso, a Petrobras fez uma grande descoberta em águas profundas, o pré-sal, anunciada num momento em que os preços do petróleo subiam e os analistas falavam em redução na oferta. Luiz Inácio Lula da Silva, que tinha acabado de ser eleito presidente, posicionou-se como a voz dos milhões que melhoravam de vida com o boom das commodities guiado pela China.

Mas o Brasil já tinha visto outros booms no passado — que sempre acabaram de forma desastrosa. A expansão de 1966 a 1973 foi apelidada de “Milagre Brasileiro”. O que se seguiu foi a tumultuada década de 80, com hiperinflação, crises de dívida e queda dos padrões de vida.

Desta vez era para ser diferente. Emergindo das turbulências dos anos 80, o Brasil cortou gastos, estabilizou sua moeda e domou uma inflação de quatro dígitos. Essa combinação de retidão fiscal e um governo cada vez mais competente iria supostamente possibilitar que a maior economia da América Latina alcançasse o nível de países desenvolvidos, como os EUA.

O Brasil, um dos mercados emergentes preferidos dos investidores no grupo conhecido como “BRIC” (que inclui ainda Rússia, Índia e China), produziu a impressionante taxa de crescimento econômico de 7,6% em 2010.

Especialistas em desenvolvimento global começaram a falar em exportar o “modelo Brasil” para outros emergentes.
Lula vislumbrou o petróleo e as commodities financiando novas estradas, portos, usinas e indústrias como a construção naval. O Brasil tomava seu lugar entre os países desenvolvidos do mundo. Logo, autoridades brasileiras começaram a viajar para encontros com investidores com um livreto indicando que a economia cresceria a uma média de quase 4,5% ao ano perpetuamente.

Mas isso não aconteceu. O País caiu no que economistas chamam de “maldição dos recursos naturais”, uma teoria que descreve como os países abundantes em matérias-primas têm, muitas vezes, um desempenho pior que aqueles sem a fartura. A ideia é que o dinheiro das commodities pode supervalorizar a moeda e criar políticas míopes, deixando esses países mal posicionados quando o boom das commodities finalmente termina.

“Infelizmente, a história é que as economias dependentes de commodities não conseguem alcançar os EUA”, diz Ruchir Sharma, diretor de mercados emergentes do Morgan Stanley Investment Management. “Não são só os produtores de petróleo. Mais países acabam mais pobres em comparação aos EUA depois que descobrem uma commodity desejada.” Usando dados que remontam a 1800, ele diz que os países dependentes de commodities costumam crescer por dez anos, para depois passarem até 20 patinando ou em declínio.

Algumas razões são estruturais. O influxo de divisas das exportações de matérias-primas fortalece a moeda do país. Isso, porém, reduz a competitividade das indústrias não relacionadas às commodities ao prejudicar as exportações e tornar as importações mais baratas. No auge do boom brasileiro, o Goldman Sachs declarou que o real era a moeda mais supervalorizada do mundo. Medido em dólar, ir ao cinema ou pegar um táxi no centro de São Paulo era mais caro que em Nova York. Com isso, o setor manufatureiro do país começou a se contrair.

Mas muitos dos problemas do Brasil foram cultivados em casa, diz Alexandre Schwartsman, economista que já foi diretor do Banco Central. “Conseguimos produzir esta recessão nós mesmos”, diz ele.

Estimulado pelo comércio com a China, o governo brasileiro promoveu uma política externa projetada para reduzir o papel dos EUA na América Latina. O Brasil bloqueou uma iniciativa americana para um acordo de livre comércio nas Américas. Esses políticos se uniram à Venezuela para criar um conselho de segurança regional que suplantasse o que inclui os EUA. O ministro das Relações Exteriores que o idealizou, Celso Amorim, trabalhava em um escritório com um enorme mapa-múndi de cabeça para baixo, o qual passava a mensagem de que a era dos mercados emergentes havia chegado.

Mas o mundo não estava de cabeça para baixo. Enquanto o Brasil se aproximava de países antiamericanos voláteis, como Venezuela, Argentina e Irã, alguns de seus vizinhos — Chile, Colômbia e Peru — fechavam seus próprios acordos de livre comércio com os EUA.

O Brasil também começou a gastar sua inesperada fortuna obtida com commodities antes mesmo que seu petróleo e minério de ferro fossem extraídos — outra característica da maldição dos recursos naturais.

Antecipando as vendas de matérias-primas, o governo ampliou consideravelmente os seus gastos, enquanto os bancos estatais forneciam crédito barato aos brasileiros. O país subsidiou as contas de energia, emitiu empréstimos a grandes empresas que tinham laços com o governo e gastou pesadamente para sediar a Copa do Mundo de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016.

O BNDES emprestou tanto que sua carteira de crédito ficou maior que a do Banco Mundial, sendo que muitos desses empréstimos tinham juros abaixo dos do mercado.

Enquanto isso, o Brasil produziu muito menos petróleo que o previsto. A produção, na verdade, encolheu em alguns anos, já que a Petrobras ficou sobrecarregada pela enorme tarefa de desenvolver campos em águas extremamente profundas.

O governo preparou o orçamento sob a crença de os preços das commodities se manteriam em alta, outro erro comum de países produtores de commodities, segundo economistas.

Considere a gigante da mineração Vale. Com a crescente demanda da China por materiais de construção elevando os preços do minério de ferro de US$ 19,00 para US$ 126,00 a tonelada entre 2000 e 2011, executivos da Vale embarcaram numa expansão de US$ 16 bilhões da maior mina de ferro do País, Carajás. Eles encomendaram uma frota de navios de grande porte, o Valemax, para transportar o minério para a China. Mas o preço do minério baixou para menos de US$ 50,00 e a Vale foi forçada a cortar seus dividendos e vender alguns navios. Ela continua com o plano de expansão da mina.

O fluxo de dinheiro trazido pelos altos preços das commodities permitiu aos líderes brasileiros adiar a resolução de problemas persistentes que prejudicaram o país no passado, como um sistema político propenso a incentivar a corrupção e uma burocracia que muitas vezes impede a inovação empresarial.

O boom das commodities talvez tenha turbinado também algumas práticas pouco saudáveis. Promotores brasileiros estão analisando as atividades de dezenas de executivos e políticos numa investigação abrangente, a operação Lava-Jato, sobre o pagamento de subornos e propinas centrada na Petrobras.

Embora a corrupção venha atormentando o país por gerações, os valores em dólares dessa vez chocaram até mesmo os brasileiros mais escolados. A Petrobras afirma que pelo menos US$ 2 bilhões foram roubados nos últimos dez anos.

Dilma e seus assessores dizem que a recessão teria sido ainda pior se seu governo não tivesse expandido a rede de segurança social e fornecido subsídios para indústrias para ajudá-las a evitar a demissão de trabalhadores.

Embora a previsão seja que a economia brasileira vai se contrair 2% neste ano, o governo espera que a perspectiva melhore em 2016, à medida que Dilma lançar programas para enxugar o governo e começar a remendar as relações com os EUA. O real mais fraco poderia ajudar a revitalizar a manufatura e as exportações. Além disso, o País acumulou quase US$ 371 bilhões em reservas internacionais, que podem servir para amortecer uma crise.

Mas a China é uma incógnita. As exportações do Brasil para a China caíram 19% nos primeiros sete meses deste ano, segundo dados oficiais.

Por mais de uma década, a China esteve presente sempre que o Brasil precisou. O País pegou a última onda das commodities em torno de 2002, à beira de uma moratória. Com os preços das commodities subindo graças à demanda chinesa, a economia brasileira disparou.

O Brasil parecia em risco novamente depois da crise financeira global de 2008. Então, o pacote de estímulo de US$ 586 bilhões da China ajudou a reacender a demanda global para os bens que o Brasil produz.

Mesmo agora, o Brasil olha para a China em busca de ajuda. Quando Dilma se reuniu em Brasília com o premiê chinês, Li Keqiang, em maio, a China concordou em emprestar US$ 10 bilhões à Petrobras num momento em que alguns investidores globais começavam a evitar o Brasil. O governo chinês também informou que consideraria investir em ferrovias, portos e estradas do país. Agora que a economia da própria China está perdendo força, alguns questionam se esses planos seguirão adiante.

 

Fonte: The Wall Street Journal

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