No município de Irauçuba, um dos mais atingidos pela desertificação no Ceará, o produtor Francisco de Assis Sousa mantém um plantel de 30 ovinos, que ele assegura ser boa aposta para o contexto local, principalmente após três anos de chuvas irregulares na Zona Norte do estado – realidade também em diversas outras regiões do Semiárido brasileiro neste período. “Aqui é melhor que bovino. O ovino produz comendo e bebendo menos. Um bovino usa mais ração que mais de cinco ovinos juntos. Onde se cria dez vacas, dá para criar 50 ovelhas”, afirma o produtor que trabalha na Fazenda Aroeira. Características como essas tornam esses animais interessantes em regiões que sofrem com clima árido. Pesquisas buscam adaptar a criação aos desafios das mudanças climáticas.
Segundo o médico veterinário Olivardo Facó, pesquisador da área de Melhoramento Genético Animal da Embrapa Caprinos e Ovinos (CE), a melhor adaptação de caprinos e ovinos a regiões áridas ou semiáridas é um fenômeno global: “em geral, essas espécies, por terem menor porte, apresentam também menor exigência para se manter em ambientes extremos”. Facó alerta, porém, que as comparações com outras espécies não podem ser generalizadas, pois dentro mesmo de cada uma delas há especificidades. “Há bovinos muito bem adaptados ao Semiárido, como os chamados curraleiros pé-duros. Um animal como esse vai ter uma melhor adaptação do que um caprino ou ovino de origem europeia, por exemplo. Entre os pequenos ruminantes mesmo, há diferenças marcantes”, ressalta ele.
Para Facó, os fatores importantes que devem ser observados são as repercussões que as mudanças climáticas trarão para a produção pecuária. “Já se percebe um quadro de elevação da temperatura global e de instabilidades climáticas. Uma consequência disso são as secas se agravando e surgindo em regiões onde não havia esse cenário. Em uma situação como essa, a busca por espécies de animais capazes de se manter viáveis, resilientes a oscilações de temperatura será muito importante”, explica.
Sendo o Semiárido brasileiro uma das regiões mais afetadas pelas mudanças climáticas, a sustentabilidade da produção de caprinos e ovinos, mesmo com a boa adaptação, dependerá da adoção de métodos que reduzam os impactos do aquecimento global, com aproveitamento da biodiversidade e dos recursos hídricos, inclusive por conta da perspectiva de déficit hídrico progressivo na região. Esse quadro gera novas demandas para pesquisa, como o melhoramento genético de raças adaptadas, recuperação de solos degradados, melhoramento de espécies vegetais para alimentação e eficiência alimentar, áreas em que a Embrapa tem investido em pesquisas voltadas para minimizar ou se antecipar a consequências das mudanças climáticas.
Novas demandas para a pesquisa
O pesquisador Olivardo Facó avalia que a busca por animais adaptados ao Semiárido, por exemplo, pode crescer em novas regiões onde quadros de desertificação e seca surjam no futuro, tanto em termos de uso dessas raças, como em cruzamentos que possibilitem crias mais resistentes. Daí, a relevância das pesquisas em melhoramento genético com foco nas raças de caprinos e ovinos localmente adaptadas, que mobilizam atualmente cinco centros de pesquisa da Embrapa com núcleos de conservação no âmbito da Plataforma de Recursos Genéticos.
“Os programas de melhoramento genético especializado podem precisar de variações genéticas presentes nas raças adaptadas, com objetivos de ter rebanhos com mais resistência contra estresse térmico, doenças, oscilações de chuvas e ofertas de alimentos”, destaca Facó, citando as possibilidades de cruzamento entre raças de animais adaptadas e outras consideradas “exóticas”, mas com boa produção de leite ou carne, para geração de crias com tendência a serem produtivas e adaptadas ao ambiente. O pesquisador alerta, porém, que esses acasalamentos devem ser orientados por pessoal especializado, pois cruzamentos de forma indiscriminada podem resultar, em uma terceira ou quarta geração de animais mais frágil, sem boas condições de adaptação. “Essas demandas já são realidade e, para uso futuro, há muito o que a Embrapa estudar”.
Consolidar caprinos e ovinos como opção produtiva em um contexto de mudanças climáticas requer, porém, preocupações com a viabilidade dos sistemas de produção, como a oferta de alimentos para os animais. Em virtude disso, a Embrapa tem intensificado a pesquisa e o desenvolvimento de tecnologias que integrem as áreas de nutrição animal, forragicultura, melhoramento vegetal e solos. Há pesquisas em andamento com foco na eficiência alimentar, redução da emissão de gases e fertilidade do solo para plantio de forrageiras.
Esta última tem sido testada com experimentos em parceria com o produtor Francisco Sousa, da Fazenda Aroeira, que tem ajudado na implantação de parcelas de terra onde materiais como bagana, esterco e leguminosas da caatinga trituradas são usados na tentativa de melhorar a fertilidade do solo em região marcada pela desertificação. O objetivo é recuperar áreas degradadas para, em 2015, plantar variedades de milho e milheto que possam servir para a alimentação do rebanho de ovinos da propriedade.
Segundo o pesquisador Henrique Souza, da área de Meio Ambiente e Pastagens da Embrapa Caprinos e Ovinos, em áreas como essa, há a preocupação com o chamado superpastejo, uma quantidade de animais acima do suporte de alimento que a área é capaz de fornecer, fator que intensifica a degradação e pode tornar determinadas áreas inviáveis para produção. “Observamos algumas áreas como esta e perguntamos logo: o que esses animais vão comer? Por isso, é fundamental tentar a reposição de nutrientes para enriquecimento do solo”, afirma.
Fernando Guedes, também pesquisador da Embrapa Caprinos e Ovinos, complementa que em regiões de poucas chuvas, o poder de recuperação da vegetação tende a se tornar mais lento. “Aqui em Irauçuba, há uma média histórica de 300 a 400 mm de precipitações no período chuvoso. Em Sobral, mesmo sendo também sertão, a média varia entre 700 a 800 mm de chuva no inverno. Em regiões com médias baixas, é possível que, com a mesma lotação de animais, as áreas se degradem mais ainda que em outras com médias de chuva maiores”, ressalta Guedes.
As sementes que serão levadas para plantio na Fazenda Aroeira, estão sendo testadas na Casa de Vegetação da Embrapa Caprinos e Ovinos, em Sobral (CE), simulando condições de temperatura próximas à realidade local, em amostras de solo e lâminas d´água que foram coletadas no próprio terreno da propriedade rural. As variedades integram uma estratégia da Embrapa em testar plantas forrageiras que possam ser produtivas nas condições ambientais de regiões semiáridas.
Eficiência alimentar
Aliados à pesquisa com plantas forrageiras, estão experimentos que, em uma perspectiva futura, servirão para avaliar a eficiência alimentar dos caprinos e ovinos, ou seja, conhecer que animais podem, comendo menos, obter o mesmo ganho de peso de outros ou comer a mesma quantidade que outros e, ainda assim, ganhar peso. Para isso, a Embrapa investiu em equipamento de Grow Safe para caprinos e ovinos, que permitirá a análise individualizada do comportamento de animais se alimentando, de modo a fornecer informações para os testes de desempenho de programas de melhoramento genético.
No Grow Safe, cada animal é identificado com um brinco eletrônico e sensor que revela quando e quanto ele se alimenta, ao identificar a diferença de peso de ração no comedouro antes e depois. Os testes serão feitos com dietas padronizadas, para que se determinem os animais de melhor desempenho alimentar. “A ideia é chegarmos a uma equação que possa predizer o ganho de peso e o consumo, a partir deste acompanhamento individual. Mas a perspectiva futura é identificar, nestes animais de melhor desempenho, marcadores moleculares que reconheçam genes para a melhor eficiência e, quem sabe, chegar a identificar os mais eficientes a partir de coletas de sangue”, explica o pesquisador Diego Galvani, da área de Nutrição Animal da Embrapa Caprinos e Ovinos.
A identificação de animais, nos rebanhos, que aproveitem melhor os nutrientes pode contribuir para sistemas de produção mais sustentáveis, inclusive ecologicamente: a melhor nutrição pode reduzir a emissão de gases de efeito estufa e de resíduos, que saem na urina e fezes e podem até contaminar o lençol freático. A Embrapa também trabalha para o balanceamento de dietas com compostos que reduzam a emissão de metano e maximizem a eficiência alimentar.
“Antes, para reduzir os custos de produção relacionados à alimentação, você buscava substituir os ingredientes por outros mais baratos. Isso até reduz custo, mas nem sempre contribui para a eficiência do sistema, pois o valor nutricional da dieta pode piorar”, ressalta Galvani. A intenção é encontrar, na biodiversidade da Caatinga, plantas ricas em compostos secundários que, uma vez inseridas na dieta, acrescentem nutrientes que possam equilibrar a dieta, reduzindo a fermentação de metano e a emissão de gases por parte do animal.
Caprinos no Brasil
No Nordeste brasileiro, estão concentrados alguns dos maiores rebanhos de caprinos e de ovinos no País. Sozinha, a região concentra 90% da população de caprinos, cerca de 8,4 milhões de cabeças, e de 57% de ovinos, aproximadamente 9,8 milhões de animais, de todo o território nacional. No caso dos caprinos, Bahia, Pernambuco, Piauí e Ceará são os únicos estados brasileiros a terem rebanhos com mais de um milhão de cabeças. Os mesmos quatro estados se somam ao Rio Grande do Sul como os cinco maiores rebanhos de ovinos do Brasil. Esses animais, em geral, têm boa adaptação, produzindo leite, carne e pele, mesmo em condições extremas de temperatura, chuvas e oferta de alimentos irregulares. Esses fenômenos climáticos são verificados não somente no Brasil, mas em diversas outras regiões do planeta com condições climáticas semelhantes.
Fonte: Embrapa