A partir de novembro, o diesel no Brasil terá obrigatoriamente 7% de biodiesel, um pleito antigo das usinas que fabricam esse biocombustível no País. Mas o primeiro leilão do produto realizado com o objetivo de atender a essa nova demanda das distribuidoras trouxe surpresas desagradáveis aos participantes.
Na hora do leilão, a Agência Nacional de Petróleo (ANP) considerou que a oferta de produto pelas usinas era pequena e resolveu “dividir” o volume a ser comprado em dois leilões. Já os produtores de biodiesel, que já haviam feitos suas ofertas, frustraram-se com o que consideraram uma mudança das regras “no meio jogo”.
Nenhum dos dois lados admite, mas conforme especialistas, o ponto principal da discussão é econômico. Diante de uma oferta de biodiesel mais apertada em relação à demanda, o esperado era que, ao fim, os lotes fossem arrematados a preços mais elevados, o que não aconteceu, uma vez que 25% da demanda foi transferida para outro leilão.
A associação que representa as usinas de biodiesel do país, a Aprobio, nega que as empresas tenham ofertado volumes menores para impulsionar o ágio. O diretor superintendente da entidade, Julio Cesar Minelli, disse que uma das usinas associadas não conseguiu licença a tempo para participar da oferta. Além disso, nos cálculos da entidade, o consumo no último bimestre do ano é menor do que no bimestre imediatamente anterior.
“Nos últimos 14 anos, a demanda de biodiesel no sexto bimestre foi, em média, 5% menor do que no quinto bimestre. Em 2013, chegou a ser 9% mais baixa”, disse Minelli.
De acordo com o executivo, o que chamou a atenção é que a ANP e o Ministério de Minas e Energia (MME) atrasaram em uma hora e meia o início do 39º leilão, realizado no começo deste mês e, antes do início, “avisaram que havia uma nota no site da ANP informando a realização de um outro leilão para adquirir 25% da demanda já anunciada”.
“É complicado mudar a regra do jogo no meio do jogo, pois as usinas já fizeram suas ofertas considerando 100% de uma demanda, que foi, de fato, somente de 75%”, afirmou. A entidade se reuniu na última sexta-feira com diretores da ANP para tratar do assunto. Além de expor os cálculos que levaram as usinas a concluir que o volume ofertado seria suficiente, a Aprobio informou a ANP que, nas próximas vezes, gostaria de participar das discussões para ajudar a resolver eventuais questões.
No 39º leilão, o preço médio do volume arrematado foi de R$ 2,104 por litro – sem considerar a margem da Petrobras, o que significou um ágio médio de 0,7% quando comparado ao preço máximo de referência médio do leilão (de R$ 2,09 por litro).
Procurada, a ANP respondeu, por e-mail, que está analisando as razões da “baixa oferta” de biodiesel no último leilão. Negou que exista um direcionamento do MME para conter o ágio dos leilões, e assim, evitar impacto nos índices de inflação.
Nos cálculos da agência, a demanda pelo biocombustível nos meses de novembro e dezembro, “acrescida da formação obrigatória de estoques de segurança na Petrobras”, foi estimada entre 700 milhões e 730 milhões de litros – ante estimativa da Aprobio de, no máximo, 690 milhões de litros.
As usinas de biodiesel ofertaram no 39º leilão 702 milhões de litros, dos quais 645,2 milhões foram arrematados. “Espera-se que no leilão complementar sejam comprados entre 55 milhões e 85 milhões de litros”, informou a ANP. As propostas das empresas serão apresentadas no dia 24 e a aquisição pelas distribuidoras se dará nos dias 29 e 30 de outubro.
No Brasil, a mistura obrigatória de biodiesel no diesel vigora desde janeiro de 2008. Naquela época, era de 2%. Dois anos depois, em 2010, o percentual subiu para 5%, ficando nesse patamar até maio deste ano, quando passou a vigorar a mistura de 6% – transitória para o percentual de 7%, que passa a valer em novembro.
“Ainda temos muita capacidade para pouca demanda. Até maio, a ociosidade das usinas era de 65%. Agora, com a mistura de 7%, cairá para 45%”, disse Minelli. Segundo a Aprobio, o país tem 58 unidades de biodiesel que podem produzir 7,6 bilhões de litros anuais. “Se o percentual se mantiver em 7%, somente em 2022 a ociosidade será ‘normal’, de 15%. Até lá, não haverá espaço para construção de novas fábricas”.
Fonte: Valor Econômico