Para tentar garantir a isenção da cobrança de royalties pelo uso de recursos genéticos nativos do Brasil para produtos do agronegócio, o Ministério da Agricultura e o setor decidiram abandonar a proposta do Executivo que já tramita no Congresso, concebido sob grande influência do Ministério do Meio Ambiente, e se dedicar à aprovação de outro projeto de lei.
De uma maneira ou de outra, contudo, já não há mais tempo hábil para que o Brasil ratifique seu regulamento interno sobre o tema até outubro, como previsto no Protocolo de Nagoya, acordo internacional sobre biodiversidade do qual o país é signatário. Dessa forma, na próxima conferência global que tratará do assunto, no mês que vem na Coreia do Sul, o Brasil deve participar como observador.
De acordo com uma fonte do governo federal que acompanhou todas as discussões nessa frente, o anteprojeto de lei que regulamenta o uso da biodiversidade brasileira destinado apenas à agropecuária e à alimentação depende apenas da assinatura da presidente Dilma Rousseff para ser encaminhado ao Legislativo. Esse projeto passou por ajustes finais da Casa Civil nos últimos dois meses, mas, por conta das eleições, está parado no Planalto.
O Valor teve acesso a esse novo anteprojeto, gestado no Ministério da Agricultura e na Embrapa. Ele define, entre outros pontos, que a cobrança de royalties sobre o setor agropecuário será facultativa. A proposta “sugere” uma taxa de 0,3% sobre a receita líquida de produtos oriundos de recursos genéticos usados para a produção de alimentos – uma nova variedade de mandioca, por exemplo. E prevê royalties de 1% sobre o produto quando este for oriundo de variedades desenvolvidas e pertencentes a comunidades tradicionais, como indígenas ou quilombolas.
Esse projeto exclusivo para o agronegócio ganhou força por causa de espécies como caju, maracujá, amendoim, guaraná, jenipapo, pitanga, seringueira e camu camu, naturais do Brasil e voltadas para a alimentação.
“Foi preciso discutir dois projetos porque o Ministério da Agricultura representa um setor que já é pagador de encargos”, diz o deputado federal Nilson Leitão (PSDB-MT), que participou de várias reuniões com representantes do governo federal para discutir o tema. Leitão acredita que, quando ambos estiverem no Congresso, a tendência é que os projetos do Meio Ambiente e da Agricultura sejam condensados em um só para facilitar a tramitação.
O novo anteprojeto também prevê uma repartição não monetária de benefícios para compensar a exploração do patrimônio genético nativo. Ou seja, em vez de uma empresa ter que pagar royalties pela utilização de um recurso genético, poderá apresentar projetos de conservação ambiental, investir em capacitação profissional nas áreas de exploração, se comprometer a fabricar produtos orgânicos ou promover a distribuição gratuita de seus produtos em projetos sociais.
Esse PL exclusivo da agropecuária também prevê a criação de um cadastro para pesquisadores e empresas que queiram acessar recursos genéticos, em substituição às atuais autorizações exigidas pelo governo. E pleiteia anistia de 100% para multas já aplicadas envolvendo pesquisas com recursos naturais e de até 90% para as multas sobre empresas que venderam produtos provenientes desses recursos. Essas propostas estão no PL encabeçado pelo Meio Ambiente, mas excluem o agronegócio.
Segundo uma fonte da Embrapa, a discussão no governo também opôs o Ministério da Agricultura ao do Desenvolvimento Agrário, que defende maior proteção para comunidades tradicionais.
Fonte: Valor Econômico