Em 2035, o Brasil será um país autossuficiente na área de energia, líder na exploração de petróleo em águas profundas e dotado de uma ampla rede de fontes renováveis que o colocarão em uma posição estratégica no planeta. O cenário traçado faz parte do estudo “World Energy Outlook”, desenvolvido pela Agência Internacional de Energia (AIE), que aponta a China e a Índia como os principais mercados demandantes de fontes energéticas nas próximas décadas.
No caso do Brasil, a AIE destaca a descoberta de novas jazidas nos campos de pré-sal e a diversidade de fontes renováveis, no caso, eólica, biomassa e solar, capazes de suprir as limitações do potencial hidrelétrico, hipótese admitida pelo governo federal. Porém, alerta a agência, o Brasil terá pela frente o desafio de oferecer os serviços de energia a preços acessíveis, o que exigirá vultosos investimentos.
As conclusões da AIE estão alinhadas com os investimentos previstos para os próximos anos, revela Altino Ventura, secretário de planejamento estratégico do Ministério de Minas e Energia (MME). Na semana passada, o ministério divulgou o Plano Decenal de Expansão de Energia (PDE 2023), que prevê investimentos da ordem de R$ 1,263 bilhão para os próximos 10 anos, montante que deve representar 2,5% do PIB acumulado no período 2014-2023 ou 11,6% dos investimentos totais do país.
Para chegar a esses números, o governo federal estimou PIB médio de 4,7% ao ano, índice considerado “otimista” por Ventura, mas que não invalida a execução do programa. “Temos uma taxa de crescimento populacional de 1% ao ano e nosso consumo per capita de energia é de apenas 2500 KWhora/ano e até 2050 continuaremos crescendo em demanda energética. Como temos fontes renováveis abundantes e excelentes expectativas com o pré-sal, deveremos nos tornar exportadores de energia e mudar o atual quadro, em que importamos 14% da energia usada”, afirma.
Hoje, o Brasil importa eletricidade do Paraguai, gás natural da Bolívia e carvão mineral de diversos países, volume que aumentou este ano em função da estiagem que obrigou o acionamento além do previsto das termelétricas. De acordo com o PDE, serão investidos R$ 879 bilhões (69,3%) na exploração de petróleo e gás, R$ 301 bilhões (23,9%) em hidrelétricas e R$ 82 bilhões (6,5%) em biocombustíveis, em especial no etanol e derivados do bagaço de cana.
Até 2023, estarão concluídas as maiores hidrelétricas, como Belo Monte e Jirau, e haverá expansão de 70 mil km de linhas de transmissão, que permitirão um aproveitamento de 170 mil MW. “Mas, a partir de 2025, chegaremos ao limite na construção de novas hidrelétricas e teremos de partir para o desenvolvimento de novas fontes renováveis, reservando parte dos combustíveis fósseis para as termelétricas e usando eólica, solar, biomassa e nuclear como complementares”, afirma Ventura.
Para o engenheiro Erik Rego, professor da Poli-USP e sócio da consultoria Excelência Energética, há grande potencial para a expansão da energia eólica, que hoje responde por apenas 2.202 MW (1,7%) da capacidade instalada de geração de energia. “Por estarem situados no litoral árido do Nordeste, onde estão os melhores ventos, os parques ocupam terras baratas, o que dá vantagem competitiva e atrativa para os investidores”, afirma. Há também espaço para a expansão da energia solar, embora o Brasil esteja em descompasso na produção de painéis, mercado dominado pela China.
O BNDES já anunciou que irá dispor de uma linha de crédito, com juros entre 2,3% a 5,5% ao ano para empresas dispostas a investir em parques solares. Mas, diz Rego, o principal incentivo deveria ser para consumidores nas áreas urbanas, uso que poderia estar mais disseminado se não houvesse a posição contrária dos governos estaduais, que não abrem mão da cobrança do ICMS (que representa 1/3 do valor da conta). Ventura, do MME, admite o problema, e espera que os governos tenham “mais bom senso” e encontrem uma saída em médio prazo.
Embora esteja alinhado com as conclusões da AIE, o consultor Martiniano Lopes, da área de energia da KPMG, receia que as normas regulatórias de exploração do pré-sal inviabilizem a entrada de capital estrangeiro, o que frustraria as expectativas do governo federal. “A obrigatoriedade da participação de 30% da Petrobras na exploração pode desestimular o capital estrangeiro, já que países como o México e do continente africano oferecem condições mais favoráveis”, afirma. Lopes lembra também que o cenário mundial pode mudar muito em razão do desenvolvimento nos EUA do gás de xisto, que hoje já representa 44% do gás natural usado pelas empresas locais.
Fonte: Valor Econômico