Queda de preços do milho pode causar rombo na economia agrícola dos EUA

A queda nos preços do milho pode provocar o primeiro prejuízo para os produtores americanos em muitos anos e a economia agrícola dos Estados Unidos pode enfrentar sua primeira crise em dez anos.

Os preços do milho caíram quase 30% nos últimos três meses, atingindo o menor nível desde 2010 à medida que o clima quase perfeito no Meio-Oeste, o cinturão agrícola americano, acalenta as expectativas de uma safra enorme pelo segundo ano seguido. Os preços de outros grãos também caíram significativamente, com a soja sendo negociada perto das mínimas de dois anos e meio e o trigo em seu menor nível em quase quatro anos.

O menor preço do milho está beneficiando as empresas que dependem do grão para ração animal e outros usos, incluindo processadores de carne, pecuaristas e produtores de etanol. As ações da Tyson Foods Inc. (TSN -0.65%) subiram 47% nos últimos 12 meses, enquanto as da rival Pilgrim’s Pride Corp. (PPC -0.06%) — processadora de carne de frango que é uma subsidiária da JBS SA JBSS3.(BR -0.23%)— subiram 95%. As ações da Archer Daniels Midland Co. (ADM -0.70%) , que transforma milho em etanol, xarope e outros produtos, subiram 34%.

Os preços menores de grãos em todo mundo também estão ajudando os consumidores, especialmente em países onde o custo do pão e outros alimentos essenciais representam uma parte significativa dos gastos. O índice mensal de preços de alimentos publicado pela FAO, Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura, caiu em junho pelo terceiro mês consecutivo para seu menor nível desde janeiro, principalmente devido à queda dos preços de grãos e óleos vegetais.

O menor custo das commodities poderia reduzir a inflação de alguns produtos alimentícios que contêm milho e soja, como cereais e bolachas, embora poucas empresas de alimentos prontos devam reduzir os preços, dizem analistas.

A retração nos preços do milho, no entanto, deve provocar um corte abrupto na renda do cinturão agrícola dos EUA porque o milho é a principal cultura do país, produzido em cerca de 350.000 propriedades agrícolas e gerando US$ 60 bilhões em receita no ano passado. Agora, o preço do milho perdeu 57% em relação ao recorde da alta de 2012, bem abaixo do limite de US$ 4 por bushel que muitos produtores necessitam para ter lucro. É provável que, pela primeira vez desde 2006, muitos produtores de milho não consigam cobrir os custos, segundo economistas.

Sinais de tensão já são evidentes no Meio-Oeste. O valor das terras em algumas regiões já começou a cair após subir por anos. A demanda por equipamentos também. O lucro da Deere (DE -1.07% & Co.), maior vendedora de equipamentos agrícolas do mundo, caiu 9,5% no segundo trimestre. A empresa informou que as vendas de equipamentos agrícolas e de terraplanagem podem cair entre 5% a 10% este ano.

Ontem, o milho para entrega em setembro caiu 0,3%, para US$ 3,615 por bushel, na bolsa de futuros da Chicago Board of Trade.

Embora o cenário econômico no cinturão agrícola esteja piorando, economistas e bancos informam que não temem um choque como a crise dos anos 80, porque os agricultores não estão muito endividados e criaram reservas financeiras durante o boom. O Departamento de Agricultura dos EUA (USDA, na sigla em inglês) estima que o nível de dívida em relação aos ativos dos agricultores cairia para 10,5% este ano, o menor desde 1954.

Os preços do milho e da soja podem se recuperar se um clima seco atingir o Meio-Oeste no fim do desenvolvimento das culturas, dizem analistas. Mas se o clima favorável continuar, os preços futuros de milho podem cair para até US$ 3,25 por bushel, estima Mark Schultz, analista da Northstar Commodity, em Minneapolis.

O USDA estimou, em fevereiro, que a renda líquida dos agricultores americanos cairia 27% neste ano, para US$ 95,8 bilhões, a menor desde 2010. Mas como as condições de produção têm sido excepcionais desde então, os economistas acreditam que a queda poderia ser ainda maior e continuar no próximo ano.

A abundância de milho americano ocorre dois anos depois que uma forte seca dizimou safras e elevou os preços para mais de US$ 8,31 por bushel. Antes da queda de 40% no ano passado, os preços do milho rondaram os US$ 6 por bushel durante os três anos anteriores, impulsionados pela crescente demanda da indústria do etanol e de mercados estrangeiros como a China.

A alta dos custos de produção faz com que preços abaixo de US$ 4 por bushel sejam inviáveis para muitos produtores. Os bancos já afirmaram que terão mais cautela na avaliação de empréstimos agrícolas após esta safra.

“Há boas chances, com base no que estamos vendo, de ter mais redução de renda em 2015”, diz Eric McRae, vice-presidente do First Mid-Illinois Bank & Trust.

Produtores que arrendam terra para plantar — que representam cerca de 38% das terras agriculturáveis dos EUA — enfrentam o maior impacto dos preços baixos porque os custos são maiores do que para quem é dono de suas próprias terras, diz Gary Schnitkey, economista agrícola na Universidade de Illinois.

Muitos agricultores já começam a se preparar para a época de vacas magras. Doug Adams, produtor de milho do Estado de Iowa, diz que terá que renegociar o aluguel dos cerca de160 hectares que arrenda. “Esse aluguel caro já não vai ser sustentável”, diz Adams. “Não podemos arrendar terra e perder dinheiro ano após ano.”

O cenário nos EUA tem grandes repercursões para a agricultura brasileira. “A colheita americana só começa em setembro e até lá o cenário pode mudar, mas os efeitos da expectativa de uma nova grande safra de milho já são sentidos no Brasil”, diz Amarylis Romano, economista sócia da Tendências Consultoria. O USDA projeta uma safra para este ano de cerca de 352 milhões de toneladas, ante 353 milhões de toneladas registradas no ano passado, as duas maiores do país.

A economista diz que este excesso de oferta fechou a janela que o Brasil tinha para exportar milho e, em consequência, as exportações brasileiras do grão já caíram 37% entre janeiro e julho. Além disso, a fraca demanda doméstica por alimentos está preocupando os produtores de milho. “Os preços caíram quase 9% apenas em julho”, diz. Ela ressalta, contudo, que o problema não é a demanda. “No geral, a demanda mundial por alimentos está crescendo. O fato é que tanto EUA quanto Brasil estão registrando grandes safras e derrubando os preços”, diz. A safra brasileira de milho deve atingir 74 milhões de toneladas este ano ante 78,5 milhões de toneladas no ano passado, diz ela.

 

Fonte: The Wall Street Journal

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