Bandeirolas no lugar de varas ou chicotes para conduzir o gado, chocalhos em vez de gritos e latidos de cachorro e mangueiras de manejo para reduzir as laçadas. A regra é ter o cuidado acima da força. São técnicas simples, mas que se mostram cada vez mais eficientes na produção de alimentos. As práticas voltadas ao bem-estar convergem com a qualidade da carne desejada pelos consumidores e com a preocupação de reduzir o sofrimento durante o trato e o abate.
Característica marcante no homem do campo, o uso da força fica de lado em propriedades que preconizam a lida não agressiva como estratégia para obter melhores resultados. Estudos dão conta de que práticas de bem-estar reduzem de 5% a 10% as perdas ocasionadas por lesões e hematomas nos animais.
— O bom manejo influencia na qualidade da carne, do aspecto até a maciez e o sabor. Sem contar que a sociedade não admite mais que os animais sofram maus-tratos — ressalta Júlio Barcellos, coordenador do Núcleo de Estudos em Sistemas de Produção de Bovinos de Corte (Nespro) da UFRGS.
A universidade está fazendo pesquisas na Espanha e na Escócia, em instituições de referência na área, sobre os efeitos de práticas que provocam dor nos bovinos de corte. A ideia é levantar subsídios para auxiliar criadores. O estresse no manejo pré-abate, por exemplo, faz os músculos se contraírem com mais frequência, resultando em carne mais dura e cor escura, diz Barcellos. A sanidade e o bem-estar têm reflexo também na taxa de conversão, acelerando o ganho de peso e, consequentemente, o tempo de abate.
No caso de ferimentos causados no campo ou no transporte até os frigoríficos, os prejuízos são contabilizados quando o pagamento é feito pela carcaça dos animais. Partes machucadas da carne são descartadas pelo frigoríficos, reduzindo o rendimento e o valor pago aos criadores.
— Boas práticas devem ir do início da produção ao final do abate, com a organização do setor como um todo — defende Carlos Simm, presidente do conselho técnico operacional de pecuária de corte do Fundo de Desenvolvimento e Defesa Sanitária Animal (Fundesa).
LAÇADAS ELIMINADAS E MENOS BOVINOS FERIDOS
Na Estância Querência, em Lavras do Sul, os investimentos em bem-estar animal estão concentrados no treinamento da mão de obra que atua na lida do campo. Administrada por Yara Suñé, 38 anos, a propriedade adotou práticas para melhorar a produção de hereford e braford.
— Antigamente, era tudo no grito e com cachorros nas mangueiras — diz Yara, engenheira agrônoma que chegou a ver um funcionário matar um terneiro a pauladas na cabeça para fazê-lo andar no brete.
Há quase 10 anos, a pecuarista passou a usar bandeirolas e chocalhos para conduzir animais, evitando ferimentos causados por varas pontiagudas e estresse por gritaria. Com mangueiras de manejo, reduziu o uso de laço em terneiros e afastou os cachorros do rebanho:
— Tínhamos de 2% a 3% dos animais machucados em razão do laço. Treinamos os funcionários para que entendessem que o bom campeiro não é aquele que usa a força.
Ao criar animais mais mansos, Yara consegue preços maiores na venda para criadores e mais rentabilidade nas carcaças negociados com frigoríficos.
COLCHÃO AMPLIA CONFORTO E AUMENTA A PRODUÇÃO
Deitadas em colchões importados da Suécia, as 125 vacas da raça holandesa que estão em lactação na propriedade Giliotto produzem uma média de 37 litros de leite por dia — 30% a mais do que quando descansavam em camas de areia. O investimento feito pela família de Serafina Corrêa para aumentar o conforto das vacas teve retorno na ordenha, que antes não passava de 28 litros por dia.
— Investimos em nutrição balanceada, mas grande parte do aumento é resultado do conforto. As vacas conseguem se acomodar melhor nessa estrutura macia — diz Guilherme Giliotto, 25 anos.
Ao lado de outros dois irmãos e do pai, Lidenor, 70 anos, o jovem foi um dos pioneiros no país a investir nesse tipo de tecnologia, que substitui camas feitas com areia ou feno. O colchão, de espuma e com cobertura de borracha, foi importado na época ao custo de R$ 800 cada um. No total, a família investiu R$ 500 mil para modernizar a estrutura do galpão — incluindo piso e sala de ordenha novos. Toda a produção leiteira, de 130 mil litros por mês, é vendida à Cooperativa de Suinocultores de Encantado (Cosuel).
Para as vacas prenhas, a família inaugurou neste ano um galpão pré-parto climatizado, onde os animais são colocados um mês antes de dar cria.
— Nesse período, é importante que não sofram nem com o frio, nem com o calor, e que sintam o maior conforto possível — explica Guilherme, acrescentando que os animais também parecem gostar de ouvir música sertaneja.
TRANSPORTE CANSATIVO E ESTRESSANTE
Parte das perdas geradas pela ausência de práticas de bem-estar animal se concentra no percurso do rebanho até os frigoríficos. Transportada em caminhões, a carga fica exposta a estresse e sujeita a lesões em rotas rodoviárias longas e cansativas. Embora o Brasil ainda não tenha exigências de certificações de boas práticas no transporte, a expectativa de aprovação de uma nova instrução normativa pela União Europeia deverá fazer com que as indústrias exportadoras estabeleçam regras nesse sentido.
— As exigências internacionais tendem a aumentar, tanto de mercados que já acessamos quanto daqueles em que queremos entrar. É uma demanda dos consumidores — analisa Ronei Lauxen, presidente do Sindicato da Indústria de Carnes e Derivados do Estado (Sicadergs).
Entre os cuidados, o desembarque e descanso dos animais ao percorrer uma distância máxima estabelecida. A certificação que se estuda exigir para o transporte pode ser comparada ao que é feito pelo Programa de Boas Práticas Agropecuárias da Embrapa. Em projeto piloto no Estado, foram certificadas sete propriedades na região dos Campos de Cima da Serra que cumpriram um conjunto de 120 normas e procedimentos em 12 áreas, entre as quais a do bem-estar animal.
— Esse reconhecimento é um diferencial no mercado e faz com que produtores tenham rendimentos superiores nos pesos de carcaças e preços maiores na venda — diz Sérgio Gonzaga, coordenador do programa da Embrapa na Região Sul.
ALGUMAS BOAS PRÁTICAS RECOMENDADAS
Nas propriedades:
– Treinamento dos funcionários para uso de ferramentas menos agressivas, como bandeirolas e chocalhos, em vez de varas de madeira, gritos e choque elétrico.
– Instalação de estruturas adequadas de mangueiras e bretes (sem cantos pontiagudos que machuquem os animais).
– Afastamento dos cachorros próximos às mangueiras, para evitar estresse dos animais causado pelo medo.
No transporte:
– Embarque dos animais com cuidado, sem forçar o fechamento da porta traseira no lombo dos animais.
– Respeito à capacidade máxima de animais na carroceria dos caminhões.
– Cuidado com a carga transportada viva: freadas podem resultar em ferimentos.
Nos frigoríficos:
– Instalação de currais de espera com condições adequadas para os animais descansarem antes de ser abatidos.
– Uso de técnicas que diminuam o sofrimento, como pistola pneumática em vez de golpes de marreta. O equipamento reduz o sofrimento do animal.
– Orientação para que os transportadores tenham cuidados no deslocamento dos animais. As longas distâncias percorridas em rodovias, entre a propriedade e indústria, estressam e cansam os animais.
Fonte: Zero Hora