Um gigante agrícola com ‘pés de barro’

País com as melhores condições para ampliar produção e exportações agropecuárias nas próximas décadas, o Brasil caminhará nessa direção como um “gigante de pés de barro”, já que continuará a depender de grandes volumes de fertilizantes importados para sustentar a expansão de sua oferta de alimentos. E, no que depender do ritmo dos aportes que prometem elevar a disponibilidade doméstica do insumo, essa dependência poderá inclusive crescer.

Diante das incertezas que cercam diversos projetos de produção das matérias-primas básicas para a fabricação de adubos – nitrogênio, fosfato e potássio, o trio conhecido como “NPK” – em território nacional, os mais pessimistas já admitem até um “apagão” na oferta local de potássio, frente na qual as importações já respondem por pouco mais de 90% da demanda. Mas a situação é desconfortável também no caso das outras duas matéria-primas.

O horizonte para o potássio é mais sombrio porque o único empreendimento em operação no Brasil (Taquari-Vassouras) está em fase de exaustão e aquele que deveria substitui-lo (Carnalita) custa a sair da gaveta. Ambos estão localizados em Sergipe e são da Vale. A mineradora chegou a admitir que poderia passar Carnalita para frente por conta da disputa que o projeto causou entre os municípios sergipanos de Capela e Japaratuba por causa de investimentos e impostos envolvidos.

Em nota, a Vale informou ser positivo o projeto de lei sancionado pelo governo de Sergipe que propõe a divisão do ICMS ligado a Carnalita. “A empresa aguarda a confirmação dos projetos pelas Câmaras Municipais de Capela e Japaratuba, bem como as certidões de uso e ocupação do solo pelos referidos municípios para, então, pautar o próximo estágio para a aprovação, que é a engenharia detalhada e o licenciamento, que antecedem a fase de construção”.

Se sair do papel, Carnalita tem sua capacidade anual projetada em 1.2 milhão de toneladas de cloreto de potássio por ano. Mas fontes do ramo insistem que o projeto não é viável economicamente, sobretudo depois da forte queda das cotações internacionais da matéria-prima. Conforme um especialista, esse tombo paralisou investimentos no produto no mundo todo. “Está tudo parado. O mercado todo de mineração está em crise”.

A fonte acrescenta que a russa Uralkali, uma das maiores produtoras de potássio do mundo, fez uma “boa jogada” ao abandonar, no ano passado, a parceria que mantinha com a Belaruskali. Juntas, as duas companhias formavam a BPC, cartel que dominava boa parte do comércio mundial do nutriente. Após o divórcio, a Uralkali elevou produção, pressionou cotações e jogou futuros concorrentes – dela e da Belaruskali, diga-se de passagem – para escanteio, já que projetos na área não custam menos que US$ 1 bilhão.

Essa fonte é uma das que preveem que haverá um “apagão” total de potássio no Brasil a partir de 2016, quando Taquari-Vassouras deverá minguar. E, no mercado, tal projeção não é mais encarada como catastrofista como era há alguns anos.

Cristiano Veloso, CEO da Verde Potash, empresa com ações negociadas no Canadá, diz que o Brasil depende mais do potássio da Rússia do que a Ucrânia do gás do vizinho com o qual vive forte tensão geopolítica. “Sem esse potássio não tem agricultura”. A companhia toca um projeto de termo potássio no mercado brasileiro. O investimento previsto é de R$ 280 milhões, dos quais R$ 250 milhões financiados pelo BNDES, mas ainda depende da obtenção de licenças ambientais.

Considerando-se todos os principais nutrientes para a fabricação de adubos, as importações brasileiras de fertilizantes intermediários cresceram 10,6% em 2013 sobre 2012, atingiram 21.619 milhões de toneladas e bateram um novo recorde. O volume representou cerca de 70% do total comercializado no país. Segundo dados da Secretaria de Comércio Exterior (Secex/MDIC), as compras custaram US$ 8.885 bilhões no ano passado, um incremento de 3,51%.

De acordo com a Associação Nacional para Difusão de Adubos (ANDA), os investimentos totais em prospecção e produção de matérias-primas para a produção de fertilizantes deverão totalizar US$ 13 bilhões até 2018 em projetos nessa frente. Se contrariarem as expectativas e de fato forem todos realizados, poderão significar uma oferta doméstica adicional de 9 milhões de toneladas e aliviar em US$ 4.5 bilhões o déficit na balança do segmento, segundo a entidade. A ANDA considera projetos de Vale, Petrobras, Anglo American, MbAC e Galvani.

Anglo, MbAC e Galvani têm foco nos chamados fosfatados, frente na qual, conforme Roberto Busato Belger, diretor de fertilizantes da B&A Mineração, estão as maiores possibilidades de o Brasil reduzir sua dependência de importações, atualmente em torno de 50%.

A unidade de fosfatos da Anglo American no Brasil, único braço de fertilizantes da mineradora, ajustou no ano passado sua estratégia de crescimento e deu vida nova aos planos de duplicar, a partir de 2017, sua capacidade de produção de concentrado de fosfato, hoje de cerca de 1.4 milhão de toneladas por ano. A multinacional garante que não avalia mais vender a divisão de adubos, como anunciou poucos anos atrás.

Já a MbAC, com foco no Brasil e em outros países da América Latina e também listada no Canadá, adquiriu em 2008 uma mina de fosfato em Arraias (TO) e desenvolve o projeto Santana, no Pará, no qual espera dar a partida em 2017. No país, a empresa também investe em “terras raras”.

No caso da Galvani, de capital nacional, o desafio é obter financiamento ou atrair sócios para desenvolver projetos que podem quase triplicar, para 3 milhões de toneladas por ano, sua produção de adubos fosfatados. Há projetos greenfield programados para Serra do Salitre (MG) e Santa Quitéria (CE) e expansões de unidades existentes. Nessa área, mesmo a Vale mantém um projeto de produção de rocha fosfática e superfosfato simples.

Diante das condições de mercado e dos percalços para a obtenção de licenças ambientais, não há certeza de que mesmo esses projetos, antes dados como certos vão de fato se concretizar nos prazos inicialmente anunciado. Isso serve para preservar o ânimo de empresas estrangeiras que exportam fertilizantes intermediários ao Brasil e que buscam uma proximidade maior com as misturadoras importadoras para facilitar o escoamento dos produtos.

Diversas empresas “juniores” estrangeiras já anunciam investimentos no país, mas nem a Anda nem os executivos e especialistas consultados pelo Valor dão muito crédito às promessas. Algumas fontes justificam a cautela com um fato inusitado recente: em fevereiro, uma empresa chamada Fosfato Brasileiro enviou comunicado à Comissão de Valores Mobiliários (CVM) anunciando a decisão de alterar seu objeto social de “exploração, beneficiamento, transporte e comercialização de fertilizantes” para “compra e venda de direitos econômicos de jogadores de futebol, entre outras atividades. A companhia, que não quis dar entrevista, passou a se chamar “Loucos por Futebol”.

Já a canadense Eaglestar Minerals, listada na bolsa de Toronto e formada por fundos e grupos daquele país, garante não estar para brincadeiras. Mudou de nome para DuSolo e, de acordo com Sharon Levy, diretor da companhia, decidiu “colocar toda a força no Brasil”.

Levy disse que o projeto Bonfim, de fosfato natural, no sul do Tocantins, poderá entrar em produção este ano, mas que ainda não há licenças. Já o projeto Samba, no Piauí, está em fase inicial de pesquisa. De acordo com ele, o fosfato natural não tem adição de produtos químicos e a capacidade de produção é pequena, em torno de 100 mil toneladas. O custo, entretanto, é relativamente pequeno. Os aportes iniciais são de aproximadamente US$ 1 milhão.

Executivos lembram, ainda, que outro obstáculo para que os investimentos deixem as gavetas é a falta de isonomia tributária da produção nacional com a oferta importada. Um dos pleitos é ressuscitar a tarifa de importação sobre o insumo, que antes de ser zerada estava em 6%, conforme observa Belger, da B&A Mineração.

De acordo com ele, a conjuntura não permite sequer grandes investimentos das operações atuais. “As minas estão mais pobres e os custos, crescentes. Não temos como competir com os produtos importados, que têm 0% de imposto de importação e 0% de ICMS”, afirma.

Fonte: Valor Econômico

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