Entrevista com Silas Brasileiro – presidente do Conselho Nacional do Café

Foto: Divulgação CNC

Figura de destaque na defesa do setor cafeeiro nacional, Silas Brasileiro também contribui com o Portal SNA e é membro da Academia Nacional de Agricultura. O conteúdo que ele compartilha em seus artigos oferece valiosos insights sobre o segmento no país e no mundo. Em sua entrevista para o Portal, ele explica de forma didática as circunstâncias que elevaram o preço do café no país, bem como revela sua perspectiva para os próximos meses das cotações. Também explica como o CNC pode ajudar num cenário de incertezas tarifárias e outros fatores decisivos. Confira a seguir:

SNA: O mercado de café no Brasil tem sido impactado por sucessivas altas no varejo, tornando-se um dos produtos que mais pesam no bolso do consumidor brasileiro. Como o senhor avalia esse cenário e quais são as principais causas desse encarecimento?

Silas: O Brasil, como maior produtor e exportador mundial de café, desempenha um papel fundamental no abastecimento global. No entanto, o aumento dos preços observados nos últimos anos resulta de uma combinação de fatores adversos na produção. Condições climáticas severas, como secas prolongadas, altas temperaturas, granizo e geadas, impactaram significativamente as lavouras, não só no Brasil, mas em praticamente todos os maiores produtores mundiais, reduzindo a oferta e pressionando os preços internacionais. O cenário logístico global também contribuiu para essa elevação dos preços: guerras e dificuldades de escoamento da produção – tornando os fretes mais caros. No entanto, temos a visão de que os preços não se manterão nos patamares hoje praticados.

Esse conjunto de fatores explica a alta no varejo, e é essencial que os consumidores compreendam que não se trata apenas de especulação de mercado, mas de desafios reais enfrentados por toda a cadeia produtiva. No entanto, na visão do Conselho Nacional do Café (CNC), não faltará café para o abastecimento mundial. Mantivemos uma média de produção nos últimos anos em torno de 60 milhões de sacas, com uma super safra em 2020. Isso proporcionou um estoque de passagem seguro. Passamos, nos últimos anos, pelo menor estoque mundial de café, porém, em momento algum o abastecimento ficou em risco. Precisamos ter bastante responsabilidade com as informações. Por isso, o CNC é sempre muito realista e sincero com os consumidores, buscando informar a realidade.

Nesse sentido, devemos entender que o preço de uma commodity é determinado pelo mercado internacional. Portanto, a lei da oferta e demanda sempre será o ponto-chave da precificação. Por isso, trabalhamos diariamente pelo equilíbrio: não podemos ter excesso de oferta, para que o preço seja aviltado e não remunere o produtor, nem falta de produto, para que o café extrapole valores e afete o bolso do consumidor final.

Existe, ainda, um alarmismo sobre a baixa produção de café em 2025, com previsões indicando que serão colhidas 51 milhões de sacas de 60 kg, mas a projeção do Conselho Nacional do Café é que teremos um volume maior do que isso, com tranquilidade.

SNA – O governo federal tem sido criticado pela forma como lida com o processo inflacionário dos alimentos. No que tange ao mercado cafeeiro, como o senhor avalia as medidas adotadas até agora e quais seriam as providências corretas?

 Silas: O Conselho Nacional do Café defende que políticas públicas voltadas ao setor cafeeiro devem priorizar previsibilidade e segurança para os produtores. No entanto, o que se observa é que sequer o setor produtivo é devidamente consultado antes da formulação de algumas políticas, o que gera insegurança e pode comprometer a competitividade do café brasileiro.

Podemos citar como exemplo a recente portaria de importação que representa um desconhecimento em relação aos produtores de café do Brasil. Embora não tenha impacto direto sobre os preços, abre uma janela para que outros países produtores entrem no mercado nacional. Não é uma medida realista e, se fossemos ouvidos como setor produtivo, aí sim, teríamos soluções com reflexos e alcance prático, inclusive para aqueles que estão na ponta — os apreciadores do café, que valorizam seus efeitos terapêuticos e benefícios para uma vida saudável.

Em contrapartida, a cafeicultura é a única cultura que conta com um banco constituído pelo confisco realizado no passado, de valores dos próprios produtores, e que deram vida ao Fundo de Defesa da Economia Cafeeira (Funcafé). Esse fundo foi criado pelo Decreto-Lei n° 2.295/86, regulamentado pelo Decreto n° 94.874/87 e ratificado pela Lei n° 9.239/95 como parte do ajuste da política cafeeira frente ao processo de democratização e reforma administrativa do Estado Brasileiro.

Tem como objetivo, desenvolver a cadeia produtiva do café do Brasil através de financiamentos e incentivos à modernização da cafeicultura (mais produtividade e qualidade) e também a pesquisa cafeeira, para o desenvolvimento de plantas resistentes a pragas, doenças, condições climáticas adversas, buscando produzir com menos custos, mais tecnologia, para sermos mais competitivos no mercado; apoio à indústria e à exportação, para aumento de consumo e conquista de mercados, garantindo compradores para os cafés produzidos nas propriedades rurais; promoção do ordenamento da oferta (financiamento da estocagem para evitar que os cafeicultores e suas cooperativas tenham que vender café nos períodos em que os preços estão mais aviltados).

Ademais, existe um Conselho Deliberativo da Política do Café (CDPC), que está instalado no Ministério da Agricultura e Pecuária (MAPA), presidido pelo ministro titular da pasta, e atua como um agente de definições das políticas públicas a serem adotadas na cafeicultura. Dentro desta estrutura está o Conselho Nacional do Café e a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), representando a produção, a Associação Brasileira da Indústria de Café (ABIC), representando o café torrado e moído, a Associação Brasileira da Indústria de Café Solúvel (Abics), representando o café solúvel e o Conselho dos Exportadores de Café do Brasil (Cecafé), representando a exportação. Além destes, o governo tem cadeiras através do MAPA, do Ministério da Fazenda, do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços e do Ministério das Relações Exteriores. Dentre as atribuições do Conselho também está o direcionamento do orçamento consignado ao Funcafé na Lei Orçamentária Anual.

Para a safra de 2025/2026, o Fundo deve oferecer mais de R$ 7 bilhões de reais para financiar a cadeia cafeeira. Isso é realmente impressionante e mostra como a cultura do café é bem representada pelos seus pares.

 SNA: O setor cafeeiro também enfrenta desafios no comércio exterior, especialmente com a guerra tarifária em andamento. Como o CNC pode ajudar produtores, empresários e todos aqueles que integram a indústria cafeeira a enfrentar momentos mais turbulentos como esse?

 Silas: O CNC trabalha ativamente para defender os interesses do setor cafeeiro e mitigar os impactos de crises econômicas e comerciais. Estamos atentos às negociações internacionais, garantindo que os produtores brasileiros tenham condições justas de concorrência no mercado global. A guerra tarifária em curso afeta diversos setores da economia, e o café não está isento desses impactos. Por isso, medidas estratégicas são necessárias para equilibrar as relações comerciais.

Uma das iniciativas importantes nesse sentido é o Projeto de Lei da Reciprocidade, em tramitação no Senado, que visa estabelecer condições mais justas para os produtos brasileiros no mercado internacional. Além disso, o CNC investe constantemente na capacitação dos cafeicultores, na difusão de boas práticas agrícolas e na promoção do café nacional em mercados estratégicos. Também estamos fortalecendo parcerias internacionais para ampliar as oportunidades comerciais e reduzir os impactos das barreiras tarifárias impostas por outros países.

 SNA: A transparência sobre os fatores que afetam o preço do café é um tema relevante. O senhor acredita que há pouca divulgação dessas informações? Como o público leigo pode conhecer melhor as variáveis que influenciam no preço final da bebida?

Silas: Sim, há um grande espaço para ampliar a compreensão da sociedade sobre os fatores que influenciam o preço do café. Muitas vezes, o consumidor final não tem acesso a informações detalhadas sobre os desafios enfrentados pelo setor produtivo. Questões climáticas, variações cambiais, políticas governamentais e demanda global são aspectos que afetam diretamente a cotação do café, mas nem sempre são amplamente divulgados. Contudo, a não ser na geada de 1975, no Paraná, nunca tivemos preços tão elevados. Avaliamos que com a normalização climática e não tendo elevação de taxação externa, os preços tendem a se normalizar.

O CNC tem se empenhado na disseminação de informações para maior transparência no setor, seja por meio de publicações técnicas, boletins informativos ou participação em eventos. Além disso, buscamos ampliar a comunicação digital, utilizando redes sociais e plataformas online para aproximar o consumidor da realidade do produtor. Acreditamos que quanto mais a população entender as variáveis que influenciam o preço do café, maior será a valorização desse produto tão importante para a economia e cultura brasileira.

Como projeto de comunicação o Conselho Nacional do Café foi convidado a integrar as reuniões do BRICS 2025, que se iniciaram no dia 12/03 no Brasil, em reconhecimento ao sucesso de nossa atuação no G20. A presença dos cafés do Brasil durante os eventos reforça a posição brasileira no mercado global e amplia as oportunidades de cooperação internacional para o setor.

O convite ao CNC reflete o reconhecimento do peso e da relevância do café brasileiro no comércio internacional e nas pautas ambientais e sociais.

Como parte da programação, o CNC oferece, durante as reuniões, blends diferenciados dos Cafés do Brasil, com pontuação acima de 80 pontos, oriundos de importantes regiões cooperativas do Sul de Minas, Cerrado Mineiro, Mogiana Paulista e do Espírito Santo. Junto às degustações, o CNC também disponibiliza materiais informativos em quatro idiomas, ressaltando os diferenciais da sustentabilidade social e ambiental da cafeicultura brasileira e sua relevância para o mercado mundial.

O evento conta com a presença de representantes dos mais altos níveis governamentais dos países-membros do BRICS, incluindo ministros de Estado, lideranças empresariais e membros do corpo diplomático internacional. As reuniões estão programadas para ocorrer no Itamaraty e no Serpro, totalizando 80 encontros ao longo do ano.

A participação do CNC no BRICS reafirma a relevância do Brasil no cenário global e o compromisso do setor cafeeiro com a sustentabilidade e a inovação. O CNC segue trabalhando ativamente para fortalecer a cafeicultura nacional, ampliar as oportunidades de negócios e valorizar o produtor brasileiro no cenário internacional.

SNA: Olhando para o futuro, qual sua perspectiva para os próximos meses e como o mercado cafeeiro pode se proteger melhor para atender à crescente demanda sem prejudicar o poder de compra do consumidor?

Silas: A expectativa para os próximos meses é de equilíbrio na produção, atendendo tanto a demanda interna quanto às exportações. As chuvas registradas no final de 2024 e início de 2025 foram benéficas para as lavouras, favorecendo a estabilidade do setor.

Para que o Brasil continue sendo referência mundial na produção de café, é essencial investir em pesquisa e inovação, em alterações da legislação trabalhista e social, e em ampliar o acesso ao crédito rural, fortalecendo a sustentabilidade da cafeicultura. A agregação de valor ao produto também é um caminho estratégico. O Funcafé tem proporcionado isso, por exemplo, com investimentos de mais de R$ 400 milhões em pesquisa nos últimos anos.

O café brasileiro é reconhecido mundialmente pela sua qualidade, sustentabilidade e inovação. O desafio agora é garantir que esse reconhecimento se traduza em oportunidades concretas para todos os elos da cadeia produtiva, assegurando um mercado sólido, competitivo e equilibrado para o futuro.

Marcelo Sá – jornalista/editor e produtor literário (MTb13.9290) marcelosa@sna.agr.br
 Agradecimento a Alexandre Luiz Costa – Assessoria CNC
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