O Brasil agrícola é uma verdadeira moeda com suas faces: de um lado, o País é um dos líderes mundiais na produção de açúcar, café, carnes, milho e soja; de outro, ainda vivencia problemas de infraestrutura de décadas atrás, principalmente no que diz respeito ao transporte da safra pela precariedade das rodovias, ferrovias e hidrovias brasileiras. Percursos longos em caminhões sucateados (a frota tem idade média de 18 anos, segundo a Confederação Nacional de Transporte – CNT) e os custos altos com combustível e pedágios, entre outros, fazem com que o produtor rural e o dono da carga deixem de ter lucros mais significativos.
Na tentativa de reaver parte dos gastos com os chamados insumos, que incluem o transporte, o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF), que integra o Ministério da Fazenda, já havia decidido pelo sistema de creditamento, implantado, após quase dois anos de discussão, no final de 2013. Com ele, as empresas rodoviárias de carga passaram a ter direito aos créditos do Programa de Integração Social (PIS) e Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins).
“Além de gastos com pedágio, as despesas com armazenagens, combustíveis, lubrificantes, manutenções, peças, seguros e até estadias de veículos ou cargas dão (ou deveriam dar) direito ao crédito”, informa o advogado tributarista Marco Aurélio Poffo.
O problema está na arrastada discussão em torno daquilo que é considerado insumo ou não. O debate acontece desde quando o CARF instituiu o regime não-cumulativo de apuração das contribuições ao PIS e Cofins. No atual cenário, a Receita Federal vem restringindo em alguns casos o direito ao creditamento por parte das empresas. Com isso, muitos casos têm ido parar na Justiça.
“A Receita tem uma visão arrecadatória, única e exclusivamente predatória. O que interessa é bater recordes e recordes sucessivos de arrecadação, pouco importando o direito constitucional já garantido aos transportadores”, critica Poffo.
O CARF, segundo o especialista, definiu três tipos de créditos: os de sinal verde, amarelo e vermelho.
“No primeiro caso, a legislação é expressa e clara quanto ao direito ao crédito; no segundo, a legislação não é clara, mas as decisões administrativas e judiciais hoje, em sua maioria, são favoráveis; e os de sinal vermelho, cuja legislação não é clara e as decisões não são favoráveis, em sua maior parte. Os casos que tratamos são o amarelo, os mais comuns e que têm tido resultados positivos para os transportadores.”
STJ
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem decidido, na grande maioria dos casos, que o contribuinte tem direito ao crédito de PIS e Cofins, no entanto, somente em relação aos bens e serviços empregados ou usados de forma direta sobre a fabricação do produto ou a prestação dos serviços (que inclui, aí, o transporte). Uma minoria, a exemplo do ministro do órgão Napoleão Nunes Maia Filho, vem defendendo maior ampliação do conceito de “insumo”, devendo incluir quaisquer bens, direitos ou serviços aplicados, direta ou indiretamente, no processo de fabricação ou na prestação de serviços.
Apesar disso, é unanimidade no STJ que não se pode considerar como insumo as “despesas normais ou gerais”, em que não se incluem os bens produzidos ou não se aplicam na prestação dos serviços, tais como uniformes para os funcionários, limpeza, material de expediente, vale-refeição, vale-transporte, propaganda, entre outros.
IMPACTO NO AGRONEGÓCIO
“Os gastos com transporte tem um impacto enorme no agronegócio brasileiro, considerando a possibilidade de creditamento à alíquota de 9,25% de PIS e Cofins dos insumos utilizados no serviço nos últimos cinco anos de vida da empresa. Com o aumento (e respeito) do direito aos créditos, a tendência é diminuir o valor do custo de frete e, como consequência, da inflação dos alimentos, gerando mais empregos, por exemplo”, ressalta Poffo.
De acordo com o advogado tributarista, a decisão do CARF impõe uma nova visão a respeito do transporte de cargas no Brasil, na modalidade não-cumulativa, tornando-se mais favorável a todos os contribuintes que prestam serviços a terceiros.
“Para as transportadoras que se utilizam do regime denominado Lucro Real, a incidência do PIS e da Cofins ocorre de forma não-cumulativa, ou seja, o débito de ambos, existente na Nota Fiscal de Serviços, será calculado com o desconto do valor existente nas notas fiscais de entrada. É como funciona com o ICMS (Imposto de Circulação sobre Mercadorias e Serviços) e com o IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados), por exemplo”, informa.
“O sistema funciona como uma conta corrente: débito menos crédito. Quanto maior o crédito (o que se dá em razão desta nova decisão), menor será o débito, menor o PIS e a Cofins a pagar.”
Segundo Poffo, tem direito ao creditamento a empresa transportadora que usou os créditos e discutiu junto ao CARF o direito à sua utilização.
“As demais empresas devem contratar escritórios especializados no levantamento destes créditos, mas sempre cientes de que a Receita Federal pode não concordar com eles. Por isto, o aconselhamento de advogados é imprescindível para análise concreta, caso a caso”, orienta Poffo.
“É bom salientar que o direito ao crédito só é permitido se existir a nota fiscal de entrada dos insumos. É este o documento exigido pela legislação”, informa.
CARF
O entendimento do CARF (Instrução Normativa nº 404, de 12 de março de 2004) não se diferencia muito daquele que vem sendo aplicado pelo STJ.
“Sendo assim, pode-se afirmar que a definição de ‘insumos’ para efeito do artigo 3º, II, da Lei nº 10.637/2002 do PIS e mesmo artigo da Lei nº 10.833/2003 da Cofins, exige que (i) o bem ou serviço tenha sido adquirido para ser utilizado na prestação do serviço ou na produção, ou para viabilizá-los (pertinência ao processo produtivo); (ii) a produção ou prestação do serviço dependa daquela aquisição (essencialidade ao processo produtivo); e (iii) não se faz necessário o consumo do bem ou a prestação do serviço em contato direto com o produto (possibilidade de emprego indireto no processo produtivo).”
DECISÃO PALIATIVA
Analista de mercado e consultor técnico do Sistema Nacional de Aprendizagem Rural (Senar) Goiás, Pedro Arantes afirma que toda decisão para reduzir custos com o transporte para o setor do agronegócio será bem-vinda, no entanto, a do sistema de creditamento do CARF é apenas paliativa, como tantas outras.
“Devolver créditos do PIS e Cofins às transportadoras ainda é muito pouco, principalmente no que diz respeito ao combustível, responsável por 50% dos custos do transporte, em média”, ressalta.
“O problema é que, com a deficiência de infraestrutura das rodovias brasileiras, os gastos com frete aumentam cada vez mais. Se o governo investisse, de fato, em ferrovias para as cargas mais pesadas, por exemplo, já seria de grande ajuda”, aponta o especialista.
Outra crítica feita pelo analista de mercado está no fato de que os gastos com o transporte são os mesmos, independentemente da carga.
“O milho, por exemplo, custa de 35% a 40% a menos que a soja. No entanto, na hora de transportar, o valor a ser pago é igual e as dificuldades na estrada também. Por isso, poderia existir um programa de diferenciação para cada tipo de transporte”, sugere.
Na opinião de Arantes, uma decisão também paliativa, mas que seria útil de imediato para agilizar o transporte de produtos agrícolas e reduzir seus custos, é mudar a forma de planejamento desta logística, enquanto as rodovias, ferrovias e hidrovias não recebem suas devidas melhorias.
“Um caminhão que sai do Mato Grosso e vai para um porto, por exemplo, fica de cinco a seis dias na fila de espera para descarregar e isto onera ainda mais o gasto com transporte. Agora, no Porto de Santos e Paranaguá, está sendo elaborada uma programação que, se seguida à risca, pode desafogar o sistema. O que estão fazendo é que quem sai de determinado Estado para chegar ao porto saberá o dia e a hora certa para descarregar a mercadoria. Isto vai reduzir o tempo de espera.”
Por equipe SNA/RJ