Entrevista com o Chefe – Geral da Embrapa Café, Antônio Fernando Guerra

Foto: Arquivo Embrapa CAFÉ

 Destaque permanente e antigo do agronegócio brasileiro, o mercado cafeeiro é sempre objeto de reportagens, artigos e notícias importantes no Portal SNA. Num momento em que as cotações estão pressionadas por vários motivos, entre os quais a alta do dólar, foi pertinente conversar com Antônio Fernando Guerra, Chefe – Geral da Embrapa Café.

No cargo desde 2018, possui sólida formação acadêmica, com graduação em Engenharia Agrícola pela Universidade Federal de Viçosa (1979), mestrado em Engenharia Agrícola pela Universidade Federal de Viçosa (1981) e doutorado em Engenharia de Irrigação – University of Arizona (1990).

Ele esclareceu o funcionamento do Consórcio Pesquisa Café, coordenado pela Embrapa, que reúne entidades do setor encarregadas de formular políticas públicas para o cultivo e comercialização do produto. Também explicou a mudança no arranjo desse grupo ao longo das décadas, acompanhando os avanços da cadeia produtiva e as demandas do mercado consumidor. Segundo ele, cabe à Embrapa encontrar as melhores soluções técnicas e científicas que possam impulsionar a produção cafeeira, em constante diálogo com demais órgãos públicos e privados, além de parcerias com outras instituições.

*Ele gentilmente gravou um vídeo complementando suas respostas. Confira no final.

SNA: Quais foram as principais mudanças e desafios na condução de políticas públicas para o setor cafeeiro, desde os tempos do Instituto Brasileiro do Café (IBC), até os dias atuais, com o Consórcio Pesquisa Café e sua bem sucedida soma de esforços e conhecimentos, sob coordenação da Embrapa Café?

As pesquisas de café foram iniciadas ainda na época do Brasil Império, e, a partir de então, à medida que foram aparecendo desafios para a nova cultura – como doenças e pragas – foram sendo criados institutos de pesquisas. Assim, em 1897, foi criado o primeiro instituto com a missão exclusiva de cuidar do café: o Instituto Brasileiro do Café – IBC. E, anos depois, em 1927, também foi criado o Instituto Biológico de São Paulo, tendo como um dos objetivos principais combater e mitigar o surgimento da broca do café.

Posteriormente, com o objetivo de formular e definir a política para o setor, além de implementar, coordenar e definir estratégias, desde a produção até a comercialização interna e externa, foi criado o Instituto Brasileiro do Café – IBC, em 1952, com objetivos mais amplos, que incluíam a assistência técnica e econômica à cafeicultura, estocagem, além de promover estudos e pesquisas em prol da cultura e da economia cafeeira como um todo.

O Instituto também foi o gestor do Fundo de Defesa da Economia Cafeeira – Funcafé, instituído em 1986 com recursos provenientes de cotas de contribuição sobre exportações de café, para financiar a produção e novas pesquisas.

Com a extinção do IBC, em 1990, as instituições que trabalhavam com café sentiram a necessidade de se organizarem e terem um direcionamento em suas atividades de pesquisa para otimização dos resultados. Assim foi criado, em 1996, o Conselho Deliberativo de Política do Café – CDPC, vinculado ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento – Mapa. O CDPC tem a finalidade de formular as políticas públicas concernentes à produção, comercialização, exportação e marketing, bem como de estabelecer programa de pesquisa agronômica e mercadológica para dar suporte técnico e comercial ao desenvolvimento da cadeia agroindustrial do café.

Também em 1996 foi criado, sob a gestão do CDPC e coordenação da Embrapa, o Programa Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento do Café, mais conhecido como Programa Pesquisa Café, em parceria com as instituições componentes do Sistema Nacional de Pesquisa Agropecuária – SNPA, institutos e universidades brasileiras e a iniciativa privada do agronegócio café. Ficou estabelecido que o Programa de Pesquisa em Café deveria contemplar, em toda a cadeia produtiva, o desenvolvimento da pesquisa científica e tecnológica e os estudos socioeconômicos, a difusão de tecnologia e de informações e o acompanhamento da economia cafeeira brasileira e mundial.

No ano seguinte, em 1997, foi criado o Consórcio Brasileiro de Pesquisa e Desenvolvimento do Café, mais conhecido como Consórcio Pesquisa Café, com o objetivo de planejar e executar as pesquisas. O Termo de Constituição do Consórcio foi celebrado pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária – Embrapa; Empresa Baiana de Desenvolvimento Agrícola – EBDA; Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais – EPAMIG; Instituto Agronômico de Campinas – IAC; Instituto Agronômico do Paraná – IAPAR; Instituto Capixaba de Pesquisa, Assistência Técnica e Extensão Rural – INCAPER; Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento – MAPA; Empresa de Pesquisa Agropecuária do Estado do Rio de Janeiro – Pesagro – Rio; Universidade Federal de Lavras – UFLA; e Universidade Federal de Viçosa – UFV (DOU de 14/3/97 – Seção 3).

Por fim, para coordenar a implementação e execução do Programa Pesquisa Café e sistematizar e organizar, no âmbito do Governo Federal, as ações de promoção e execução de atividades de pesquisa e desenvolvimento (P&D) com café no Brasil, foi criada em 30 de agosto de 1999, o Serviço de Apoio ao Programa Café (SAPC), Unidade Descentralizada da Embrapa criada com o nome síntese Embrapa CaféHoje a atuação dessa Unidade da Embrapa frente ao Programa Pesquisa Café inclui atividades de gestão e realização de P&D&I, orientadas por objetivos estratégicos definidos, de forma a responder aos desafios do desenvolvimento da cafeicultura brasileira e o fortalecimento do Consórcio Pesquisa Café.

SNA: O Brasil exerce longevo protagonismo na produção e exportação de café, com a excelência do produto atestada pelo vasto mercado consumidor e rigorosos testes de controle da qualidade. Como a Embrapa Café pode contribuir para aperfeiçoar ainda mais um setor tão bem sucedido?

Apoiado pelo Fundo de Defesa da Economia Cafeeira (Funcafé), criado em 1986, o Brasil desenvolve o maior programa mundial de pesquisas de café, cuja base de todo o trabalho é a constante preocupação com a qualidade. Avanços significativos da cafeicultura brasileira estão relacionados a expressivos investimentos em melhoramento genético, controle de pragas, biotecnologia, nutrição e fertilidade de solos, tecnologias pós-colheita, entre outros. As pesquisas são desenvolvidas por instituições parceiras, participantes do Consórcio Pesquisa Café, coordenado pela Embrapa Café.

Como resultado de todo este esforço, nos últimos anos foi possível o lançamento de 23 cultivares da espécie Canéfora e 132 cultivares de Café arábica, plenamente incorporadas ao setor produtivo. Um dos avanços mais recentes acontece com a descrição do genoma do café, cujo sequenciamento identifica os principais genes da planta. Somente na espécie Canéfora mais de 33.000 genes de expressão foram identificados. Isso permite identificar atributos positivos de qualidade do café (aroma, sabor, corpo, acidez e outras características desejáveis), de estresse abiótico (tolerância a seca e a temperaturas elevadas) e de estresse biótico (ferrugem, bicho-mineiro, nematóides e cercosporiose), entre outros.

Ao estabelecer uma comparação temporal, verifica-se grande evolução do setor cafeeiro brasileiro entre 1997 e 2022, desde a criação do Consórcio Pesquisa Café. A área produtiva em 1997 era de 2,4 milhões de hectares e a produção de 18,9 milhões de sacas de 60 kg, com produtividade de 8,0 sacas/hectare. Passados 25 anos, houve redução da área para 1,82 milhão de hectares e a produção aumentou quase três vezes.

SNA: O mercado cafeeiro, como tantos outros, é totalmente dolarizado. Esse fator, entre outros, vem pressionando a cotação do produto no país, que é um dos mais populares entre os brasileiros. Como o trabalho da Embrapa Café, dentro de suas atribuições, pode ajudar a mitigar oscilações dessa natureza?

 Enquanto instituição de pesquisa científica, cabe a Embrapa dedicar-se intensamente à oferta de resultados que otimizem a produção cafeeira. Análises dos desafios e tendências da cafeicultura, em nível nacional e internacional, orientam os programas e os projetos de pesquisa do Consórcio Pesquisa Café, os quais são discutidos tecnicamente nos colegiados e apresentados em eventos técnico-científicos (simpósios de pesquisas, workshops, reuniões técnicas, palestras etc.) que contam com a participação de representantes das entidades consorciadas e dos demais segmentos do agronegócio café representados no CDPC. Os objetivos desses eventos são priorizar demandas de pesquisa e inovação para atender à cafeicultura por meio de prospecção de tendências. E, assim, definir temas prioritários para o desenvolvimento de projetos de pesquisa que visam ao aumento de produção, produtividade, competitividade e sustentabilidade dos cafeicultores familiares, pequenos, médios e grandes, aprimoramento da gestão da atividade cafeeira, análise de novas tendências de consumo (cafés especiais, certificação, rastreabilidade, monodoses, cápsulas, propriedades nutracêuticas e funcionais), mitigação das mudanças climáticas, além do avanço do conhecimento científico e transferência de tecnologia.

SNA: A exemplo de tantos cultivares brasileiros de sucesso, o café precisa enfrentar novos desafios como eventos climáticos extremos, além de adotar soluções mais modernas no tocante à irrigação, beneficiamento e gestão das lavouras. Como a Embrapa Café pode contribuir em questões como essa?

 Nos últimos anos, outros desafios emergentes surgiram, dado o incremento do poder aquisitivo da sociedade brasileira associados às legislações e exigências trabalhistas, além da concorrência de outras atividades econômicas, pois a mão de obra tornou-se escassa e onerosa no meio rural, trazendo novos desafios à cafeicultura como a necessidade de mecanizar os processos produtivos com a consequente redução dos custos inerentes. Destaque deve ser dado às exigências do novo Código Florestal que estabeleceu limitações ao cultivo do café em áreas montanhosas tradicionais, entre outras. Ressalta-se também o cenário atual das mudanças climáticas que impõem a necessidade de intensificar estudos para mitigar os efeitos e seus impactos na cafeicultura e, assim, fornecer tecnologias adequadas para o desenvolvimento de sistemas de cultivo sustentáveis. A última chamada de projetos de pesquisa, que começa a ser executada a partir do início deste ano, privilegia justamente temas como a internet das coisas, inteligência artificial na cafeicultura, soluções mais modernas nas formas de irrigação, beneficiamento e gestão automatizada das lavouras.

 SNA: Como é o diálogo com empresas e entidades que não compõem o Consórcio Pesquisa Café, no intercâmbio de ideias, informações e tecnologia? O setor é um dos mais bem representados no país, o que fortalece toda a cadeia produtiva, mas como encontrar equilíbrio entre tantos anseios e propostas?

 A pesquisa com café no País conta hoje com mais de mil pesquisadores, extensionistas e bolsistas alocados em 16 estados e regiões produtoras. Para esta sinfonia científica funcionar, recursos físicos, financeiros e materiais das instituições de pesquisa são conjugados, de forma consorciada, viabilizando o desenvolvimento conjunto de projetos de pesquisa. Esta regência, no Brasil, é realizada pelo Consórcio Pesquisa Café, liderado pela Embrapa Café. O sucesso pela harmonia no desenvolvimento da cafeicultura brasileira se deve a cada um desses atores e nós, da Embrapa, somos os facilitadores para que tudo funcione bem.

Por Marcelo Sá – jornalista/editor e produtor literário (MTb13.9290) marcelosa@sna.agr.br
Agradecimento a Antonio Luiz Oliveira Heberle
Facebook
Twitter
LinkedIn
WhatsApp