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Não importa a chaminé torta, se a fumaça é direita.
Provérbio turco
O setor florestal é um dos mais dinâmicos e modernos do agronegócio brasileiro. São mais de 10 milhões de hectares de florestas plantadas, dos quais 7,8 milhões com eucaliptos; 1,9 milhões com pinus e cerca de meio milhão de hectares com outras espécies (teca, acácia, araucária…). E tudo com muita tecnologia, genética e agregação de valor pela industrialização. Intimamente ligadas à indústria, as florestas de eucalipto fornecem madeira e derivados (painéis, compensados…), assim como celulose (papel, papelão, produtos alimentares, farmacêuticos…). Já as florestas energéticas de eucalipto geram combustíveis sólidos: lenha e carvão vegetal. O Brasil produz cerca de 7 milhões de toneladas de carvão vegetal por ano e um de seus principais destinos é a siderurgia.
A indústria siderúrgica brasileira adotou o carvão vegetal na produção de gusa, aços e fundidos com baixa pegada de carbono. O país é líder mundial na produção de aço e gusa com carvão vegetal. Grandes produtores de gusa e aço (China, EUA, Japão, Rússia…) recorrem ao coque, derivado do carvão mineral e do petróleo, combustíveis fósseis, não renováveis.
Esse processo é grande emissor de CO2 e responsável por cerca de 75% da produção do aço mundial. Na França, por exemplo, a produção de aço emite cerca de 20 milhões de toneladas de CO2 por ano ou 5% do total das emissões francesas de gases de efeito estufa. Isso deve-se essencialmente à produção primária do aço com base em carvão mineral.
A produção de ferro gusa no Brasil é triplamente “ecológica”. O carvão vegetal é usado como combustível e agente químico na produção de ferro gusa. Como combustível, serve para gerar calor no alto-forno. Como agente químico, é usado para remover o oxigênio do minério de ferro. O processo consome aproximadamente 1,68 tonelada de minério de ferro e 3 metros cúbicos de carvão vegetal (700 kg) para produzir uma tonelada de gusa.
Parte do gusa é fundamental na reciclagem de sucatas metálicas. Sobretudo em países desenvolvidos, os eletrodomésticos usados, os veículos abandonados, as máquinas e os equipamentos descartados são todos obrigatoriamente destinados à reciclagem. Nesse processo adiciona-se gusa ao ferro a ser reciclado para diluir as impurezas das sucatas. O ferro gusa tem esse terceiro alcance ambiental ao permitir a reciclagem do ferro, com economia de energia, emissões e matérias primas. O ferro gusa de carvão vegetal por ser mais limpo e ter tantos empregos é muito valorizado.
A China é o maior produtor de gusa (46.4%), seguida pelo Japão (9,7%), Rússia (5,9%) e EUA (4,3%). Tudo obtido com um combustível fóssil: o carvão mineral. O Brasil ocupa a sexta posição na produção e o primeiro na exportação. Aqui, o ferro gusa pode ser considerado um produto agroflorestal, baseado no uso de carvão vegetal, recurso renovável, oriundo de florestas de eucalipto, altamente produtivas.
A produtividade florestal brasileira é duas vezes superior à das florestas do Chile e da África do Sul. Ela supera em três vezes a de Portugal e Espanha e em quase dez vezes a produtividade de Suécia e Finlândia (Revista Oeste, Edição 95). A produtividade média no plantio de eucalipto passou de 10 m³/ha/ano em 1970 para 39 m³/ha/ano atualmente.
A área de florestas plantadas no Brasil (mais de 100.000 km²) supera o território de Portugal ou da Coreia do Sul. Em 2023, a produção de carvão vegetal no Brasil atingiu 24,2 milhões de metros cúbicos. Minas Gerais concentra 88% do volume total produzido (21,4 milhões de metros cúbicos). Bahia e Mato Grosso do Sul responderam juntos em 2022 por 7% da oferta nacional de carvão vegetal.
A economia circular é realidade no agronegócio. Campeão da economia circular, o setor florestal brasileiro gera 2,7 milhões de empregos diretos e indiretos e recicla 83% de seus subprodutos. Resíduos sólidos, como os da produção de etanol e açúcar, grãos e algodão, são utilizados na geração de energia e na alimentação animal, por exemplo. Nada se perde. Dejetos da criação animal são transformados em adubos, biogás e energia.
Resíduos líquidos também são aproveitados, como no caso da vinhaça da cana-de-açúcar ou do lícor negro na produção de celulose, utilizados na geração de energia, na produção de biometano e fertilizantes. Se muita gente sabe disso, poucos conhecem as empresas produtoras de insumos agrícolas e veterinários cuja principal fonte de matéria-prima é a fumaça de eucalipto.
A pioneira nesse processo foi a mineira Biocarbo, empresa especializada em subprodutos da fumaça. Ela trabalha no ciclo de vida completo da cadeia produtiva do carvão vegetal: pesquisa e desenvolvimento; produção de matéria-prima; beneficiamento e comercialização dos coprodutos. A empresa, com 30 anos de operação, exporta para o Japão, os EUA e o Canadá seus produtos extraídos da fumaça.
Graças à parceria com usinas e siderúrgicas, a fumaça da produção e uso do carvão de eucalipto é transformada em alcatrão vegetal e extratos pirolenhosos. Processados em plantas industriais, eles dão origem a produtos para diversos segmentos: farmacêutico, alimentício, agrícola (defensivos, hormônios, bioestimuladores…), veterinário, química fina e combustíveis (alcatrão). Os subprodutos da fumaça do carvão vegetal são carbonfree.
Não é apenas reciclagem da fumaça e sim upcycling: gera novos produtos, cria empregos, amplia renda e promove desenvolvimento tecnológico e industrial. O processo agrega valor a um subproduto antes lançado na atmosfera. A recuperação da fumaça fortalece à siderurgia a carvão vegetal (aço verde); evita a liberação de compostos orgânicos voláteis (VOCs) na carbonização do eucalipto. A aplicação desses produtos na atividade agropecuária melhora os mecanismos de fermentação das biomassas, potencializada por processos físico-químicos a ação de diversos defensivos agrícolas, evita a volatilização de amônia e a perda de fertilizantes.
Nos fornos, sob ação de calor, os tecidos lenhosos da madeira do eucalipto sofrem uma série de transformações e deixam um material sólido: o carvão vegetal.Quando a madeira é aquecida, o calor destrói parte das grandes estruturas celulares, como a lignina e a celulose. Ao serem quebradas, elas geram pequenas moléculas na forma de fumaça. Fragmentos muito pequenos desses tecidos vegetais são liberados na forma de vapor.
A Biocarbo desenvolveu tecnologia própria para resgatar este vapor, através de recuperadores da fumaça acoplados às chaminés,em grandes fornos de carvão vegetal. A fumaça vira líquido e depois é separada em alcatrão e extrato pirolenhoso.São mais de 200 moléculas orgânicas constituintes. Esses sub ou coprodutos da fumaça dão origem a insumos agropecuários.
Por serem pequenas e terem similaridade química, essas moléculas entram pelos poros (estômatos)e canais permeáveis das folhas e vão até o interior das células vegetais. Essa matéria orgânica ultra decomposta tem ampla gama de benefícios na produção vegetal. Após aplicação na parte aérea dos cultivos, puros ou associados a defensivos agrícolas, esses produtos se concentram no solo, próximo às raízes. Eles têm participação ativa nos mecanismos de nutrição mineral, no metabolismo da energia das plantas e nas sínteses dos ácidos graxos, da coenzima acetil-A (componente da respiração celular e um intermediário chave no metabolismo celular) e do ácido indolacético ou AIA (hormônio vegetal regula o crescimento das plantas e outros processos).
Esse tipo inovador de insumo agropecuário, cuja principal fonte de matéria-prima é a fumaça, é um modelo agroindustrial quase exclusivo do setor florestal brasileiro. Ele estabeleceu um elo material, cíclico, permanente e crescente entre a produção florestal de eucalipto, a siderurgia e a geração, em retorno, de insumos para as diversas atividades agropecuárias.
Neste mundo existem pessoas capazes de transformar dinheiro em fumaça. Hoje, os mais altos cargos da Ré-pública esbanjam o dinheiro dos pagadores de impostos e trabalhadores do Brasil, em meio a narrativas e cortinas de fumaça. Fumus comissi delicti. Já na agroindústria brasileira, a fumaça é transformada em dinheiro.
Evaristo de Miranda é pesquisador, doutor em Ecologia e membro da Academia Nacional de Agricultura da SNA (https://evaristodemiranda.com.br/)
Artigo publicado anteriormente na revista Oeste e gentilmente cedido à SNA pelo autor