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No esforço de sempre ouvir diretamente o que têm a dizer os principais nomes do agronegócio brasileiro, o Portal SNA também busca, com suas entrevistas, saber dos avanços científicos que permitem ao setor seguir aprimorando cultivos, robustecendo o volume produzido e desbravando novas fronteiras do imenso território nacional. Nesse sentido, já foram várias as conversas com pesquisadores, notadamente os que ocupam cargos de expressão na Embrapa – desde a presidente Silvia Massruhá, por ocasião dos 50 anos da empresa, até os chefes gerais das muitas unidades espalhadas por diversos biomas.
No maior deles, a Amazônia, a Embrapa possui dois importantes polos de atuação: a Oriental, sediada em Belém, com cujo chefe-geral conversamos recentemente (https://sna.agr.br/entrevista-especial-com-walkymario-de-paulo-lemos-chefe-geral-da-embrapa-amazonia-oriental/); agora, foi a vez de Everton Rabelo Cordeiro, que comanda a Ocidental, em Manaus. No cargo desde 2020, ele é engenheiro agrônomo com mestrado e doutorado, possuindo longa e exitosa carreira como pesquisador, docente e gestor público e privado.
Interlocutor frequente da empresa com outros órgãos do setor, ele discorre, a seguir, sobre os desafios da região, a importância de fomentar as pesquisas e levar seus resultados até a população local, bem como as mudanças observadas desde a década de 1970, quando a Embrapa chegou a Manaus, entre outros assuntos. Gentilmente, ele gravou um vídeo para falar sobre a COP 30, tema da última pergunta, além de tê-la respondido por escrito, falando também do intercâmbio com a unidade co – irmã, a Oriental. Confira!
- SNA: A Embrapa chegou a Manaus em 1974, ano seguinte ao da sua fundação. Quais eram os principais desafios da época e qual relação guardam com as questões atuais, no que diz respeito às atividades agropecuárias e seu necessário respaldo cientifico?
Cordeiro: O foco inicial da criação da Embrapa em Manaus no ano de 1974 era a Heveicultura, ou seja, suprir as carências relativas ao plantio de seringueira e seu desenvolvimento na região amazônica. Mas diante das necessidade e oportunidades surgidas, posteriormente agregou a cadeia do dendê inclusive no seu nome temático, que antes era Centro Nacional de Seringueira e passou a ser Centro Nacional de Seringueira e Dendê. Ao longo do tempo, e de tantas necessidades, foi assumindo o trabalho com outros temas da região e hoje atua como Manejo Florestal, Fruticultura, Pastagens, Plantas Medicinais, Piscicultura, Microrganismos e Genômica. Agora essa abrangência culminou com nosso atual nome temático de Embrapa Amazônia Ocidental. De sua origem até os dias atuais, são inúmeras as questões que se relacionam atualmente, já que neste período são dezenas de cultivares: Tecnologias e processos desenvolvidos e assimiladas às atividades agropecuários da região e do restante do país, que precisam do devido respaldo científico para correta e adequada adoção.
- SNA: As atividades de pesquisa, tecnologia e inovação são importantes vetores de transformação social, sobretudo num bioma dessa dimensão e complexidade. Como é o diálogo com as populações locais, para que assimilem e apliquem o conhecimento científico desenvolvido pela instituição?
Cordeiro: A Embrapa utiliza-se de vários instrumentos e processos para conhecer as necessidades das populações de onde atua. Além de conhecer é preciso priorizar e isso se dá a partir de consultas aos diferentes clientes. Nossas equipes enquanto atuam nos diferentes locais, também identificam parceiros e oportunidades. Há também constante fluxo de demanda que ocorre diretamente com a Unidade local. Onde situações são trazidas pelas diferentes populações e/ou parceiros. Em momento oportuno consultas são realizadas, assim se prioriza as ações. No momento de finalização das pesquisas os parceiros são procurados para testarmos nossas pesquisas em suas localidades. Comprovada a eficiência, se dá a divulgação, ora por artigos científicos, ora por documentos e/ou comunicados técnicos, onde são apresentadas as soluções dos problemas identificados inicialmente.
- SNA: Com frequência, gestores de diversas áreas relatam ser mais difícil encontrar mão de obra qualificada na Amazônia. O que poderia atrair um maior número de profissionais capacitados para a região, atuando para fomentar práticas de ponta na agropecuária?
Cordeiro: A mão de obra voltada para a pesquisa tem algumas peculiaridades, a principal é disponibilidade para lidar com desafios. Aqui na Amazônia é o que mais temos. Mas, por termos tantos desafios, há uma necessidade premente de condições de trabalho satisfatória. Precisamos de uma infraestrutura voltada para equipamentos, laboratórios, pessoal, recursos, salários diferenciados e uma cultura voltada para a pesquisa. Pesquisar não é barato, mas o resultado é a chave que abre a porta da independência tecnológica e financeira dos países.
- SNA: Como as políticas públicas regionais podem contribuir para alavancar a qualidade de vida dos centros produtivos e seus respectivos cultivares, ajudando também a manter o tênue equilíbrio entre a riqueza biológica da floresta e a viabilidade econômica da agropecuária local?
Cordeiro: Desenvolvendo uma cultura que valorize a pesquisa, seus agentes, apoie e implemente os resultados decorrentes dela. O diálogo entre agentes públicos e privados, pesquisadores e as diferentes populações precisa ser contínuo. Se cada um desses atores se isolar, não ocorre o fluxo de informação necessário a identificação das reais necessidades. Havendo sido encontrada a solução do problema, ele precisa ser comunicado rapidamente e disponibilizado à sociedade para que esse tênue equilíbrio não se rompa e a riqueza da biodiversidade seja incorporada à economia e para as populações que agora vivem e as que virão.
- SNA: Quais as semelhanças e diferenças de atuação em relação à Embrapa Amazônia Oriental, e como se dá o intercâmbio entre as unidades, sobretudo com realização da COP 30 em Belém?
Cordeiro: As semelhanças são muito maiores que as diferenças. O intercâmbio e a colaboração são constantes. Muitas das tecnologias desenvolvidas na Embrapa Amazônia Oriental são facilmente incorporadas ao sistema de produção do Amazonas. A cultivar de Açaí BRS Pará é um exemplo de tecnologia desenvolvida lá que veio para cá. O contrário também acontece, e um excelente exemplo é o da cadeia do Dendê, que foi desenvolvida no nosso Campo Experimental do Rio Urubu aqui no Amazonas, e hoje tem forte adoção no Pará, onde se obtêm 85 % da produção nacional. Para a COP tem se dado na mesma intensidade. Nossos catálogos de tecnologias estão sendo interligados e cada vez mais a cooperação ocorre. Muitos foram os fóruns e reuniões, mas as mesmas estão se intensificando e o portfólio a ser disponibilizado na COP em Belém encherá de orgulho a nação brasileira e aos povos que vivem nessa imensa, rica e bela Floresta Amazônica.