O dilema da fome e o populismo diplomático de Lula. Por Xico Graziano

Lula gosta dos belos discursos que imperam na ONU, mas as políticas de combate a fome não são eficazes a longo prazo.

Articulista diz que o problema da abordagem assistencialista de Lula não é a produção, mas a distribuição de alimentos sem incentivo à empregos ou ocupação produtiva; na imagem, comida da recepção do G20. Foto: Sérgio Lima/Poder360

Ao contrapor Lula na recente reunião do G20, Javier Milei prestou um bom serviço à inteligência, questionando a rota de sucesso para combater a fome no mundo. Chega de ladainha….A Aliança Global contra a Fome e a Pobreza, emplacada por Lula com apoio de 84 países, tem o cheiro do passado e o sabor da política populista. Os argumentos utilizados em sua defesa, que ressaltam o papel dos governos na promoção da “justiça social”, parecem os mesmos de sempre. Basta assistir ao discurso de Lula (6min59s): …

O liberal Milei critica a ideia de uma maior intervenção pública contra a fome. Segundo o presidente argentino, deve-se ampliar os mecanismos da economia de mercado, capazes de encontrar soluções mais eficazes para o drama da fome, e não criar contínua dependência, nem ineficiência ou corrupção, dentro do Estado. O raciocínio faz pensar.

Ora, ninguém é a favor da fome. A questão essencial reside em entender sua complexidade nos dias de hoje. Em meados do século 20, a insuficiência da produção alimentar era tida como a causa principal da desnutrição humana. Daí, surgiu a revolução verde, que potencializou a produtividade agrícola e premiou seu expoente, o agrônomo norte-americano Norman Borlaug, com o Nobel da Paz de 1970

A conformação da situação famélica tem se alterado com o passar dos tempos. Agora, mesmo em condições de certa abundância de alimentos, a FAO/ONU (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura) declarou em seu último relatório (PDF – 9MB), que de 713 a 757 milhões de pessoas passaram fome no mundo em 2023. Quais razões levam, em pleno século 21, a essa tristeza humana?

Novas teorias se exigem para compreender o terrível mal, exigindo novas ações para combatê-lo. A mudança de paradigma decorre do fato de que, hoje, afora situações específicas, o dilema da fome se deslocou da produção para a distribuição de alimentos, deixando de ser um problema da agricultura. Pessoas passam fome pela falta de renda para comprar alimentos, ou têm o acesso limitado, por razões variadas, ao alimento saudável. É problema da economia….

Funcionam, assim, programas públicos de transferência de renda e de inclusão de populações carentes para combater a fome. Aqui, está o foco da aliança proposta por Lula: dar o peixe a quem precisa comer. O defeito dessa política assistencialista é um só: não ensinar a pescar….

Esmolas públicas, como o Bolsa Família, podem ser necessárias e eficazes por algum tempo. Mas podem também acomodar o cidadão, entorpecendo as verdadeiras saídas da situação de pobreza, relacionadas ao emprego e à ocupação produtiva. Aqui, se encaixa a fala de Milei.

Existe uma razão gravíssima que provoca severas restrições alimentares de grandes contingentes populacionais: as guerras e conflitos territoriais e raciais. Intitulado “Guerra dos Alimentos”, um recente estudo da Oxfam afirma que 278 milhões de pessoas passaram fome aguda em 2023, em decorrência de sérias encrencas existentes em 54 países.

Curiosamente, a visão bucólica da FAO pouco destaca tais situações como fator preponderante da fome no mundo. Seus “especialistas” preferem atacar os complexos agroalimentares e ficar romantizando a pequena agricultura camponesa, como que vivendo no mundo da lua.

Criada depois da 2ª guerra, a FAO/ONU sempre namorou os velhos esquemas socialistas que favorecem entidades públicas, na África e na América Latina especialmente. O foco da FAO mira nas ajudas internacionais, com transferências de estoques de comida que alimentam políticos mais que famintos.

Com o tempo, a FAO se transformou em um órgão burocrático, inchado, oneroso, recheado de lobistas, analistas e capachos, que vivem da própria organização. Muita reunião, muita teoria, pouca prática. Seu atual diretor-geral, o chinês Qu Dongyu, tem defendido reformas para aprimorar a eficiência da FAO, mas dificilmente logrará êxito.

Para se valorizar, a FAO carrega a desgraça. Desde 2014, passou a divulgar dados sobre padrão alimentar, coletados conforme a Fies (Food Insecurity Experience Scale), baseado em um questionário com 8 perguntas, aplicado a uma amostra da população mundial, distribuída segundo a realidade demográfica e socioeconômica dos países.

Segundo o resultado dessa metodologia da Fies/FAO, existiam 2,33 bilhões de pessoas (28,9% da população global) vivendo moderada ou severamente com insegurança alimentar em 2023. O dado soa exagerado.

Essas são as 8 perguntas cujas respostas medem a percepção das pessoas sobre sua situação alimentar:

Você estava preocupado em não ter comida suficiente para comer?

Você não conseguiu comer alimentos saudáveis ​​e nutritivos?

Você comeu só alguns tipos de alimentos?

Você teve que pular uma refeição?

Você comeu menos do que achava que deveria?

Ficou sem comida em sua casa?

Você estava com fome, mas não comeu?

Você ficou sem comer o dia todo?

Responda você ao questionário e entenda o porquê de os resultados da insegurança alimentar parecem tão graves. Minha filha, que mora em república na faculdade, certamente seria classificada como vivendo em insegurança alimentar. Não é brincadeira, falo sério.

A própria FAO/ONU esclarece que o Fies não coleta informação específica sobre o consumo de alimentos, nem sobre a qualidade da dieta ou sua composição. Ela só mede o comportamento das pessoas frente ao acesso à alimentação. Ou seja, é subjetivo, bem ao gosto dos manipuladores de ideias e dos catastrofistas….

Lula gosta dessa prosopopeia que impera na ONU, cheia de belos discursos em cenários pomposos. Um populismo diplomático.

Xico Graziano, 71 anos, é engenheiro agrônomo e doutor em administração.
Artigo publicado originalmente no Poder360 e gentilmente cedido pelo autor à SNA.

 

 

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