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Momentos decisivos para o futuro do setor
Às vésperas do recesso parlamentar, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP – AL), determinou a suspensão das atividades das comissões da Casa para que os parlamentares se concentrem em votar o Projeto de Lei Complementar nº 68/2024, que, a exemplo de outros PLPs, serão responsáveis pela regulamentação da reforma tributária (emenda constitucional nº 132), aprovada no ano passado.
As atenções do setor agropecuário se voltam para as últimas negociações que determinarão os efeitos das mudanças fiscais nos alimentos, tanto na eventual oneração das cadeias produtivas como no valor final que o consumidor virá a pagar. Em jogo, o difícil equilíbrio entre exigir de cada setor a devida contribuição sem afetar o poder de compra da população sobre itens essenciais nem o trabalho dos agricultores.
Uma das grandes preocupações é a falta de produtos, na cesta básica do texto, que sejam ricos em proteína, entre outros nutrientes fundamentais. Como União e estados definem, historicamente, suas próprias listas e isenções cabíveis, a versão de 15 itens prevista pelo PLP 68 segue isenta dos novos tributos CBS e IBS, mas como suas alíquotas ainda não são conhecidas, o encargo pode ser grande sobre mercadorias não contempladas no grupo, tais como queijos, leite, compostos lácteos e massas alimentícias.
Nas últimas semanas, cresceu a pressão pela inclusão, entre os beneficiados, da carne, mas o Grupo de Trabalho da Câmara não cedeu aos apelos e entregou relatório em que os produtos fora da cesta sejam tributados com alíquotas reduzidas em até 60%.
A desoneração da carne viria num contexto de dar acesso às famílias brasileiras alimentos baratos e de consumo popular. Ao enviar a proposta para a Câmara, o governo não incluiu a proteína animal, mas após fala do presidente da república, que ecoou promessa de campanha, até mesmo o ministro Carlos Fávaro aderiu à ideia, talvez já ciente que era tarde demais.
O presidente da FPA, deputado Pedro Lupion (PP – PR), lembra que, apesar da mudança de opinião do executivo federal, foi a FPA e a bancada do agro que dialogou desde o início com o grupo de trabalho responsável pelas propostas que serão encaminhadas ao plenário. E, antes disso, defendia um projeto de reforma tributária que beneficiasse toda a sociedade, durante os longos anos de debate.
Receio de retrocessos conquistados a duras penas
Já produtores temem que, apesar da isenção em termos de cadeia produtiva que tem sido tradição no setor, a incidência maior sobre compra de maquinário e sua manutenção, contratação de serviços e uso de instalações, entre outros, ameace a alocação de recursos, especialmente porque o PLP 68 retira a isenção de insumos habitualmente considerados parte do essencial à produção, a saber: adubo, condicionadores de solos, amônia e ureia, inseticidas, fungicidas, sementes, vacinas, soros e medicamentos veterinários e razões animais, por exemplo, seriam taxados, nos moldes da proposta, com redução de alíquotas em até 60%.
O Sistema OCB também externou suas preocupações com as opções apresentadas. O reconhecimento da neutralidade tributária do ato cooperativo continua sendo a principal demanda da entidade. Por isso, a OCB entende que as cooperativas devem ter assegurado o direito opcional ao regime específico do IBS e da CBS. A proposta, no entanto, limita a aplicação da não incidência sobre os cooperados não contribuintes, comuns em diversos ramos, como Crédito, Transporte e Agropecuário, por exemplo.
A preservação da não incidência é a essência do modelo de negócios e precisa ser garantida para evitar que não haja uma tributação mais onerosa, cobrando tanto a cooperativa como o cooperado. No cenário rural, estar associado a uma cooperativa garante a produtores acesso a crédito, assistência técnica e escoamento de safra, sendo que a incidência diferenciada de impostos é fundamental para que essas pessoas sigam respaldadas.
Em virtude dessas e outras insatisfações, foi apresentado um texto substitutivo ao PLP 68, com emendas que serão apreciadas em plenário. As bancadas prometem estar vigilantes, já que as novas regras, ainda que implementadas gradualmente ao longo de vários anos, começarão, desde logo, a impactar a vida de produtores, consumidores e todos os envolvidos na pujante indústria agropecuária brasileira, cujas ramificações políticas e econômicas mobilizam os esforços de gestores públicos e privados.
Após reunião ocorrida na terça-feira, 9 de julho, na qual foram reiteradas a determinação da bancada em incluir a carne na alíquota zero, a FPA decidiu apresentar um novo texto substitutivo numa tentativa final de convergir os esforços durante a votação em plenário.
Vitória da Mobilização
Durante os debates em plenário na noite da quarta-feira, 10 de julho, a mobilização finalmente surtiu efeito e a carne foi incluída na cesta básica desonerada, além do queijo, peixes e do sal. Antecipando-se ao destaque (espécie de emenda ao texto – base) que seria apresentado, o relator PLP 68, deputado Reginaldo Lopes (PT-MG), anunciou que decidiu aceitar a inclusão de proteínas animais. Diante da iminente derrota, o governo cedeu. Assim, o primeiro projeto da regulamentação foi aprovado por 336 votos a favor e 142 contrários, seguindo agora para o Senado.
A vitória representou a força política da bancada do agro no Congresso, capitaneada pela FPA, cujo presidente Pedro Lupion declarou após a sessão: “Esse era o ponto principal para a bancada. Aplaudimos a decisão política do relator que evitou disputa ruim no plenário. A maioria dos líderes fez contas e viu que haveria maioria favorável à inclusão, muito superior aos 257 votos necessários”.
Ele também rechaçou a tese de que a isenção da carne traria impacto no Imposto sobre Valor Agregado (IVA), citando estudos encomendados pela própria entidade que contestam os números inicialmente aventados pela equipe econômica. Mesmo com o presidente da Casa, Arthur Lira, sendo contra no começo, a convergência costurada pelos deputados favoráveis venceu a resistência de quase todos e foi aprovada com folga.