A oferta farta e o adiamento, ou cancelamento, de embarques direcionados à China provocaram forte queda nos prêmios pagos pela soja no porto de Paranaguá, no Paraná. Nesse mercado, o prêmio, que pode ser positivo ou negativo, é um diferencial que serve para “ajustar” a realidade local ao patamar de preços praticados na bolsa de Chicago, principal referência global para o comércio do grão.
Levantamento do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada da Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” (Cepea/Esalq) indica que esse diferencial, que em 26 de fevereiro estava positivo em 8 centavos de dólar por bushel (medida equivalente a 27,2 quilos), transformou-se em um desconto de 30 centavos no fim da semana passada. Na sexta-feira, em Chicago, os contratos futuros para entrega também em maio fecharam a US$ 13,8850 por bushel.
Em épocas de colheita no país, quando o volume de escoamento aumenta, é normal que os prêmios estejam em patamares baixos ou negativos. Mas chama a atenção a velocidade da virada, que também serve como termômetro da crescente força da China nesse mercado. Conforme o Departamento de Agricultura dos EUA (USDA), o país responderá por 65,5% das importações globais de soja nesta safra 2013/14, ou 69 milhões de toneladas.
Em janeiro e na maior parte de fevereiro, a soja brasileira para embarque em maio amargou prêmios negativos em Paranaguá. O mês é usado como base por refletir o momento em que o mercado se concentra mais do que nunca no escoamento da produção de Brasil e Argentina – tendo em vista que, a essa altura, os EUA já definiram o destino da sua produção, colhida no segundo semestre. Os três países são os maiores produtores mundiais do grão.
Apesar de ser normal que os prêmios fiquem negativos nos portos brasileiros nesta época, em 2013 não foi assim (ver gráfico). Isso porque, no ano passado, a oferta no primeiro bimestre era mais restrita do que nos últimos meses, em parte em razão do comportamento do clima.
O cenário se refletiu nas estatísticas da Secretaria de Comércio Exterior (Secex). No primeiro bimestre de 2014, as exportações brasileiras de soja em grão e derivados (farelo e óleo) renderam US$ 2,276 bilhões, 77,3% a mais do que no mesmo intervalo do ano passado. O volume dos embarques de soja em grão aumentou quase 194% na comparação, para 2,8 milhões de toneladas.
Mesmo assim, no fim de fevereiro, com os temores sobre a seca no Sul do país e o excesso de chuvas em Mato Grosso – que elevaram preços em Chicago – os prêmios ficaram em terreno positivo. “O mercado ficou receoso, porque havia muitos compromissos de entrega da soja e incerteza quanto à colheita”, afirma Vinícius Xavier, analista da consultoria FCStone.
Apesar da reação – no início de fevereiro os prêmios eram negativos em mais de 20 cents -, os diferenciais positivos não se sustentaram, em grande medida já em função de manobras chinesas para mitigar o impacto das altas da soja no mercado internacional ou de gargalos na logística daquele país.
De acordo com Francisco Peres, analista e operador de mercado da Labhoro Corretora de Mercadorias, há rumores de que os chineses cancelaram ou adiaram o recebimento de 15 a 20 navios carregados de soja brasileira nas últimas três semanas.
Ontem, essa informação ganhou força com a confirmação de que um dos maiores importadores de soja da China revendeu a clientes dos EUA, onde é época de entressafra, cargas da oleaginosa colhida no Brasil.
Independentemente de eventuais interesses comerciais, a China de fato enfrenta uma sobrecarga no recebimento de navios, o que tem congestionado portos locais, segundo Peres. Mas ele nota que, no país, os estoques de soja estão elevados e as margens de esmagamento encolheram bastante nos últimos 60 dias.
Nos Estados Unidos, enquanto isso, a demanda contínua e os estoques limitados conferem firmeza aos prêmios no Golfo do México (ponto de partida para a exportação da soja americana), de acordo com Stefan Tomkiw, analista do Jefferies Bache, em Nova York. Por lá, os prêmios para a soja com embarque em maio estão positivos em mais de 70 centavos de dólar por bushel – uma diferença, portanto, de cerca de US$ 1 por bushel em relação à commodity brasileira escoada pelo porto de Paranaguá.
Apesar do aumento do deságio aplicado à soja no terminal brasileiro, o valor pago pela saca não sofreu grandes alterações, pondera Lucilio Alves, pesquisador do Cepea. “Como os preços na bolsa de Chicago estão mais elevados, o valor recebido pelo exportador não mudou muito. Está atualmente muito próximo de US$ 30 por saca, assim como no fim de fevereiro”, afirma ele.
Ainda assim, o recente aprofundamento dos descontos no prêmio afetou o ritmo de comercialização no Brasil, que caiu nos últimos dias, segundo o corretor da Labhoro. “Os produtores estão segurando um pouco as vendas”. Ele não crê na possibilidade de reversão desse deságio no curto prazo. “Os valores dos prêmios devem ‘andar de lado’ pelo menos até que o USDA [Departamento de Agricultura dos EUA] divulgue seu relatório de intenção de plantio naquele país, em 31 de março”, diz Peres.
Fonte: Valor Econômico