Lula e o preço da picanha. Por Xico Graziano

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Governos tendem a dissimular a realidade para ter o melhor ganho político da situação, segundo o articulista

A elevação do preço dos alimentos no 1º trimestre de 2024 deixou os jornalistas confusos. Seria a inflação culpa do agro nacional? Elucidar essa questão faz parte do beabá das aulas de economia rural. Em 1º lugar, por ser a agricultura sujeita, por razões climáticas, à frustração de safras, oscilações conjunturais de preços de alimentos fazem parte da curva de oferta no mercado.

Em 2º lugar, dizemos que a oferta de alguns alimentos, aqueles de curto ciclo de produção, é elástica aos preços. Quer dizer, momentos de baixa remuneração aos produtores desestimulam o plantio no ciclo seguinte. A redução do plantio, por sua vez, faz cair a oferta, fazendo então os preços reagirem no 2º momento, invertendo a equação.

No Brasil, o feijão e muitos legumes, como o tomate e a cebola, são típicos dessa oscilação conjuntural de preços, que parece uma gangorra: uma hora lá em cima, outra cá embaixo. Certa vez, em 1977, o chuchu protagonizou um entrevero público, pois foi culpado pela inflação pelo então ministro da Fazenda, Mário Henrique Simonsen. O
poderoso Delfim Neto, que entende de economia agrícola, se irritou.

Mercado agropecuário

Os economistas sabem que oscilações momentâneas de preços, como as verificadas no mercado agropecuário, jamais podem ser responsabilizadas pelo fenômeno inflacionário. Inflação significa um movimento consistente de elevação de preços reais, causados por deficiências estruturais da economia que restringem a oferta face à pressão de
demanda.

No Brasil, a modernização tecnológica do campo, iniciada há 50 anos, ocasionou ganhos constantes de produtividade rural que levaram à queda do custo unitário dos alimentos. Conjuminada com a melhoria dos sistemas de distribuição, houve redução do preço da cesta básica nas grandes cidades.

José Roberto Mendonça de Barros, auxiliado por Juarez Rizzieri, foram os primeiros economistas que mostraram a tendência decrescente do custo da alimentação do brasileiro. Em outro artigo, publicado em fevereiro de 2020, mostrei que, de 1975 a 2018, ou seja, durante 43 anos, o preço real dos alimentos havia caído 3,5% ao ano.

Repito: ao ano. Esse é o efeito mais sensacional da modernização capitalista do agro. Ela alivia o bolso do consumidor, especialmente os mais pobres. Em entrevista recente, o professor Geraldo Barros, coordenador do Cepea/Esalq/USP (Centro de Estudos Avançados em economia Agrícola), confirmou que “o preço dos
alimentos hoje está em torno de 40% em termos reais, do que era lá atrás [últimas 5 décadas]”.

Efeitos

De onde vem a polêmica atual? Ela decorre de 2 fatores externos que afetaram sobremaneira o mercado mundial, com reflexos no preço global de alimentos: a pandemia de covid-19; a guerra da Rússia contra a Ucrânia.

Nesse contexto, países exportadores, como o Brasil, saíram ganhando, obtendo margens elevadas na venda de commodities, bem remunerando suas cadeias produtivas, como as carnes. A deliciosa picanha subiu em
decorrência desse efeito.

Agora, acomodadas ambas as situações internacionais, os preços dos alimentos voltaram ao normal, embora continuem sujeitos às oscilações conjunturais de mercado.

Nem Bolsonaro nem Lula tiveram qualquer coisa a ver com isso, nem na subida nem na descida do custo do churrasco. Os políticos populistas, por definição, vivem de enganar o povo. Sua esperteza vem daí: frente a um fato,
descobrem como tirar o melhor ganho político da situação. Lula é especialista nessa tática da tapeação popular.

Jornalistas, por sua vez, deveriam aprender. Desde quando o coitado do chuchu virou vilão da carestia, descobrimos que os governos tendem a dissimular a realidade. Fiquem espertos: o agro não tem nada a ver com a inflação brasileira.

Muito menos a picanha.

Xico Graziano é engenheiro agrônomo, doutor em administração e professor de MBA da FGV
Artigo originalmente publicado na revista Poder360 e gentilmente cedido pelo autor a SNA
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