Como o agro contribui para o controle da inflação no Brasil

Leandro Gilio, pesquisador sênior do Insper Agro Global

Victor Martins Cardoso, assistente de pesquisa do Insper Agro Global

Inflação dos alimentos é hoje um desafio de ordem global. Se a demanda crescente por alimentos, principalmente advinda de países emergentes, já era um fator altista observado ao longo das últimas duas décadas, eventos recentes, como a pandemia e a guerra entre a Rússia e a Ucrânia, em uma das maiores regiões produtoras de grãos do mundo, intensificaram os desequilíbrios entre oferta e demanda em cadeias agroalimentares, elevando os preços significativamente.

Segundo dados da FAO, em abril de 2022, o índice mundial de preços dos alimentos atingiu seu ponto mais alto, em termos reais, desde o início da série iniciada em 1990. Nos meses seguintes os preços começaram a ceder, mas ainda resistem em alto patamar.

Fatores como padrões climáticos incomuns, a exemplo das ondas de calor na Europa, e a continuidade da pressão da Rússia sobre a Ucrânia, com bloqueios em escoamento de produtos pelo Mar Negro, têm gerado essa maior rigidez nos preços globais dos alimentos, quando comparados com outros segmentos também afetados pelos elementos que desencadearam a alta, como o setor de energia, por exemplo. Esse tem sido um dos desafios enfrentados pelos bancos centrais de todo o mundo à medida que eles tentam alinhar a inflação às suas metas — é o caso norte-americano, em que os preços dos alimentos têm puxado a alta de inflação no país.

Para o Brasil, o cenário é oposto: são os preços dos alimentos que vêm contribuindo para o controle inflacionário. Aproveitando-se de um período de clima favorável à maior parte dos cultivos na atual temporada, o Brasil pôde produzir uma safra recorde, em especial no mercado de grãos. Como efeito, principalmente da maior oferta, tem-se verificado redução de preços de produtos agrícolas, o que se refletiu em controle de preços ao consumidor no país — segundo o Índice de Preços ao Produtor de Produtos Agropecuários (IPPA-CEPEA), os preços no campo recuaram cerca de 15%. Os preços do grupo de alimentos e bebidas ao consumidor cresceram 1% no mesmo período, uma evolução significativamente mais baixa em relação a outros segmentos (alta de 2,87% do índice geral)[1].

Junto a isso, a maior oferta de produtos agropecuários refletiu-se em um aumento das exportações do setor, que registraram um recorde de US$ 83 bilhões somente no primeiro semestre de 2023 (leia mais aqui), valor 4% maior do que o observado no mesmo período do ano passado. Consequentemente, esse fluxo comercial favorável pressiona a valorização do real frente ao dólar, constituindo assim mais um elemento de controle inflacionário, inclusive para outros setores.

Estes resultados podem ser considerados positivos para o cenário macroeconômico. A maior produção agrícola tem se refletido em maior produto interno bruto e menor preço, o que vem auxiliando no controle inflacionário e permitindo ao Banco Central a busca por um caminho de redução da taxa básica de juros da economia (Selic) — já sinalizado pela última Ata do Copom —, que pode levar a uma maior dinamização de investimentos e do consumo.

No entanto, existem alguns pontos de atenção. Primeiramente, há prejuízos com relação à margem do produtor rural, em um momento em que os custos seguem elevados, o que pode levar, em último caso, a menores investimentos para a próxima safra. Além disso, a conjuntura internacional ainda se mostra muito incerta, uma vez que o movimento de queda nos preços das commodities cedeu recentemente e os riscos climáticos, como a chegada do El Niño, assim como a escalada do conflito entre a Rússia e a Ucrânia. Esses fatores combinados, se intensificados, podem levar a uma reversão do contexto atual já a partir da próxima safra.

Fonte: Insper
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