Paulo Hartung, otimista com a economia verde

Foto: Gladstone Campos
Por Marcelo Sá, com equipe SNA

 

A SNA conversou com Paulo Hartung, economista formado pela Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) em 1978, e “Professor Honoris Causa” pela Universidade de Vila Velha (2004) e pela Ufes (2006). Foi governador do Espírito Santo por três mandatos (2003-2010 e 2015-2018), senador, prefeito de Vitória, deputado federal e deputado estadual. Atualmente, comanda a Indústria Brasileira de Árvores (Ibá), associação que reúne a cadeia produtiva de árvores plantadas para fins industriais.

É sobre seu atual trabalho que Hartung discorre extensamente, otimista com os avanços das práticas sustentáveis no setor que representa e o reconhecimento nacional e internacional que vem recebendo por isso. Para ele, que possui extensa carreira política pelo Espírito Santo, seu estado natal, os gestores precisam dialogar com pragmatismo e agir para mitigar a polarização, embora reconheça que é um fenômeno mundial. Hartung acredita que o Brasil entra competitivo num momento decisivo, que é a transição para uma economia verde que definirá as potências agrícolas para as próximas décadas, sobretudo com o antagonismo entre EUA e China. No entanto, adverte que o País precisa transformar essa chance em oportunidade real.

 

Confira a primeira parte da entrevista:

 

SNA: O último relatório do Internacional Council of Forest and PaperAssociations (ICFPA) mostrou otimismo com as ações do setor industrial de base florestal no combate aos efeitos das mudanças climáticas, apontando o Brasil como caso de sucesso no equilíbrio entre produção e sustentabilidade. A Ibá já esperava por esse prognóstico positivo ou foi uma grata surpresa?

Sim, era um resultado esperado, fruto de um trabalho de anos, com muita gente capacitada envolvida. Costumamos dizer que o setor de árvores cultivadas brasileiro está do lado certo na equação climática. Fazemos uso inteligente da terra, respeitamos a natureza e cuidamos das pessoas. Dos setores que fazem uso da terra no Brasil, não há nada igual ao que a indústria de base florestal realiza. As companhias de árvores cultivadas conservam mais de 6 milhões de hectares, indo além do que a legislação prevê. O manejo das áreas produtivas é outro diferencial sustentável do setor de árvores cultivadas. Atualmente são 9,9 milhões de hectares de áreas de cultivo em todo o Brasil, em que as companhias plantam, colhem e replantam, comumente em áreas antes degradadas. Com aplicação de tecnologia e ciência no campo, realiza um manejo responsável e que tem evoluído ao longo do tempo. Um exemplo é o avanço da produtividade do eucalipto, que partiu de cerca de 10 m³/ha/ano na década de 1970 e hoje chega a uma média de 38,9 m³/ha/ano. Trata-se do mais puro conceito da bioeconomia de se fazer mais com menos. Vale especial menção que este é um setor certificado há mais de 20 anos. Instituições internacionalmente reconhecidas como FSC, (sigla em inglês para Conselho de Manejo Florestal) e PEFC, (Programa de Reconhecimento dos Esquemas de Certificação Florestal) que atestam o manejo sustentável no campo e diálogo com comunidades vizinhas. No processo fabril, o cuidado ambiental também é ponto central. Da energia gerada na indústria de base florestal, 88% vem de fontes renováveis. Também destaco a diminuição do uso de água em 75% desde a década de 1970. Importante demonstrar que, a partir de todo este trabalho sustentável, provemos mais de 5.000 bioprodutos, que possuem origem renovável, são recicláveis e biodegradáveis. Além disso tudo, estocam carbono. Os mais conhecidos são fraldas, embalagens de papel, livros, cadernos, lenços, pisos laminados, painéis de madeiras entre outros. Mas, a partir das pesquisas estamos indo além. A celulose solúvel já é uma realidade e possui uma infinidade de aplicações em outras indústrias. Seu principal uso é na fabricação de viscose para confecção de tecidos que dão origem a vestidos ou roupas íntimas. Uma alternativa ao poliéster (origem fóssil). Também vale mencionar o avanço dos estudos com a nanocelulose, que possibilitará mais uma série de aplicações. Nas embalagens de papel, como caixas de leite, em que será possível substituir camadas de plástico e alumínio por barreiras celulósicas. Isso aumentará a reciclabilidade e biodegradabilidade do material. Outro avanço possível será na indústria da moda, com a possibilidade de fabricação de fios têxteis utilizando até 90% menos água e químicos.

SNA: As ações para preservar e regenerar matas nativas, além de proteger a biodiversidade e a pureza dos mananciais, possuem uma tradição histórica que remonta aos tempos coloniais. Pouco se divulga esse legado, que possui vasto registro. Em que medida o trabalho da Ibá e seus associados reside, também, em retomar a verdade dos fatos acerca do desenvolvimento sustentável?

 O Brasil é uma potência ambiental, com a maior floresta tropical e maior biodiversidade do mundo, mais de 60% do território coberto por vegetação nativa, além de possuir 12% da água doce do planeta e já ter uma matriz energética diferenciada, em que 47% é gerada a partir de fontes renováveis. Mas temos uma lição de casa a fazer no quesito ambiental, que é combater a criminalidade, especialmente na Amazônia. Não podemos mais tolerar desmatamento, garimpo ilegal e queimadas. Temos que demonstrar ao mundo disposição e ação para cooperar com o dilema climático. O setor de árvores cultivadas é um dos exemplos que mostra que é possível ser internacionalmente reconhecido pelo cuidado ambiental. As companhias praticam a sustentabilidade. Quando o assunto é proteção da biodiversidade, o setor se destaca globalmente. Como comentei, as companhias florestais mantêm mais de 6 milhões de hectares de áreas de conservação, entre RPPNs, (Reservas Particulares de Patrimônio Natural), APPs (Áreas de Preservação Permanente) e RLs, (Reservas Legais), extensão maior do que o Estado do Rio de Janeiro. Com a sustentabilidade guiando o plano de manejo das companhias é aplicada uma técnica chamada mosaico florestal, que conecta as áreas de cultivo com as conservadas, criando verdadeiros corredores ecológicos. Isto auxilia na proteção do solo, na regulação do fluxo hídrico e na conservação da biodiversidade. Segundo dados da Ibá, foram identificadas mais de 8 mil espécies de flora e fauna em áreas das companhias de base florestal, muitas delas em extinção ou raras. O Caderno de Biodiversidade do Setor de Árvores Cultivadas foi lançado durante o Congresso Mundial Florestal, em Seul, na Coreia do Sul. Impacto positivo foi tamanho que a Ibá está sendo procurada por diversas outras instituições para servir de benchmark. O que quero mostrar é que o setor é um dos exemplos que demonstra ser possível produzir e conservar. O setor florestal nacional é internacionalmente competitivo, destacando-se como o segundo maior produtor de celulose e maior exportador da matéria-prima. Tem uma receita de R$ 244 bilhões anuais. Hoje a carteira de investimentos do setor até 2028 é de R$ 61,9 bilhões, uma das maiores do setor privado brasileiro. Aportes que serão alocados em florestas, logística, novas unidades, modernizações e P&D.

SNA: O reaproveitamento da madeira e outros resíduos vegetais constitui imensa fonte de energia limpa e renovável, num momento em que crescem os mercados de biomassa e sequestro de carbono. Como a Ibá enxerga esse processo e quais as perspectivas para o futuro, nesse sentido?

A transição energética é um tema fundamental para a humanidade enfrentar a crise climática atual. A geração de energia a partir de fontes fósseis é uma das principais emissoras de GEEs, (Gases de Efeito Estufa), China, Estados Unidos, Europa e Canadá vêm buscando modos de enfrentar o desafio e descarbonizar a geração de energia. O Brasil já se mostra diferenciado, uma vez que 47% de sua matriz energética é proveniente de fontes renováveis. Neste sentido, o setor de árvores cultivadas reforça sua conexão com as pautas urgentes do mundo e como um modelo que pode inspirar outras indústrias. Atualmente, o setor produz 63% da energia que consome e da energia gerada na indústria florestal, 88% vêm de fontes renováveis. Importante verificar que para chegar neste patamar, as empresas há anos vêm passando por um constante processo de inovação. Boa parte da matéria-prima usada na geração de energia é o licor preto.  Vale explicar que o tronco de uma árvore é composto, basicamente, por 75% de fibras e 25% de lignina. A lignina pode ser entendida como a “cola” que confere rigidez para a madeira. No processo fabril, fibras são separadas para dar origem à celulose e a lignina, que passa a se chamar licor preto, é reinserida no processo para geração de energia. Ou seja, ao invés de ser descartado, o resíduo ganha valor e se mostra um exemplo prático da aplicação do conceito da economia circular. A biomassa florestal, como cascas, galhos, enfim matéria orgânica vinda das árvores, é outra importante fonte para geração de energia, representando 14% das fontes utilizadas. Enquanto estes elementos são fontes para geração de energia, no campo estão crescendo outras árvores que captam o CO2 e produzem mais matéria-prima para o processo. Por isso é uma energia verde, renovável. Vale mencionar que as fábricas mais modernas de celulose além de gerar toda sua energia de modo responsável, ainda exportam excedente para o sistema público de distribuição.

 

 

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