A Câmara dos Deputados aprovou, em 6 de julho, o texto constitucional da reforma sobre a tributação de bens e serviços, baseada na PEC 45/2019. Discutida há décadas, a reforma foi bem recebida pelo mercado, por buscar simplificar o ineficiente sistema tributário brasileiro, criando um horizonte de resolução de um dos grandes gargalos à produtividade e à competitividade no país. A proposta agora passa pelo Senado e estará sujeita a alterações, que vão além das leis complementares que deverão ser elaboradas ao longo do tempo para esclarecer detalhes mais específicos ainda não tratados.
De modo geral, a proposta aprovada prevê a criação de um sistema de IVA (Imposto sobre Valor Adicionado) dual, com alíquotas unificadas, com início de vigência em 2026 e um período de transição previsto de sete anos. O modelo vem substituir duas contribuições em nível federal (PIS e Cofins) pelo CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços) e três impostos (IPI, federal; ICMS, estadual; e ISS, municipal) pelo IBS (Imposto sobre Bens e Serviços), de competência compartilhada entre estados e municípios.
A importância da aprovação da reforma se deve tanto à relevância que a incidência sobre o consumo tem na arrecadação do governo quanto aos efeitos prejudiciais que o sistema tributário sempre causou à economia brasileira. Quando se compara a média da carga tributária sobre consumo de bens e serviços em relação ao PIB, os países da OCDE têm, em média, uma relação de 10,8%, enquanto o Brasil está 4,3 pontos percentuais acima, para dados de 2022. Além da alta carga, a estrutura é disfuncional, causando grande volume de contencioso e uma alocação produtiva ineficiente da economia brasileira. Impostos cobrados em cascata em cadeias produtivas, contestáveis juridicamente, e a guerra fiscal entre estados e municípios são alguns dos pontos de ineficiência que a reforma pretende atacar. Com relação à arrecadação e à tributação, a reforma deverá seguir o princípio de neutralidade, ou seja, não elevar a carga tributária total na economia.
Apesar de a reforma ter como linha base a estratégia de alíquotas unificadas, com o fim de evitar ineficiências decorrentes de diferenciações entre setores e produtos, foram aprovadas diversas exceções e benefícios. E o agronegócio foi o setor da economia contemplado com a maior parte dessas condições:
- Alíquota zero para itens da cesta básica: com a criação de uma cesta básica nacional, os deputados decidiram zerar a alíquota do CBS para itens a serem definidos em lei complementar;
- Alíquota zero para produtor rural pessoa física: pessoas físicas que desempenhem atividades agropecuárias, pesqueiras, florestais e extrativistas vegetais in natura terão alíquota zero de CBS e IBS;
- Isenção de IBS e CBS para produtor rural pessoa física com receita anual de até R$ 3,6 milhões: o produtor que recebe menos que esse valor anualmente poderá repassar o crédito presumido (tipo de compensação tributária) aos compradores de seus produtos;
- Alíquota reduzida em 60%: itens que ficarem fora da cesta básica nacional e que forem produzidos por empresas com receita anual acima de R$ 3,6 milhões terão alíquota 60% menor que a padrão em produtos agropecuários, pesqueiros, florestais e extrativistas vegetais in natura. Além desses, insumos agropecuários e alimentos destinados ao consumo humano também receberão o benefício;
- Cashback: permitirá que pessoas de baixa renda tenham acesso ao mecanismo de devolução, o que não prejudica o consumo em famílias de baixa renda;
- Imposto seletivo: defensivos ficaram de fora da lista de produtos sobre os quais incidirá este tributo;
- Isenção de IPVA: foi estabelecido que o IPVA não incidirá sobre aeronaves, máquinas agrícolas, tratores e barcos de pesca.
Mesmo com diversos benefícios aprovados, o setor teme a elevação da carga tributária, via maiores custos na contratação de serviços ou repasses ao longo da cadeia. Outro temor do setor é o artigo 20, incluído na proposta aprovada, que abre uma brecha para a criação de um novo imposto estadual com vigência de 20 anos sobre produtos primários e semielaborados para investimento em obras de infraestrutura e habitação. Nesse ponto, o artigo prevê que isso só será possível nos casos em que o estado tiver um imposto previsto na respectiva legislação estadual em 30 de abril de 2023 e com limite de aplicação até 31 de dezembro de 2043. No entanto, a própria existência do artigo contraria o propósito da reforma, que visa unificar e simplificar o sistema tributário e reduzir contestações judiciais.
Em suma, ainda há um longo caminho para a reforma tributária ser implementada, o que envolve alterações no Senado, leis complementares e o longo prazo previsto para a implementação gradual do novo sistema. No entanto, o que já pode ser observado é a significativa possibilidade de diminuição de custos incorridos para cumprir as obrigações tributárias, a redução das possibilidades de sonegação e do contencioso tributário, que são aspectos muito positivos para a economia brasileira como um todo e também para o agronegócio, que tem grande relação com o consumo interno. Por mais que se verifiquem problemas na proposta aprovada, foi a reforma possível de ser aprovada, mediante a congregação de diferentes interesses que envolvem o tema, em uma discussão que se arrasta há décadas.
Por outro lado, é importante que as leis complementares, alíquotas e mudanças vindouras sejam esclarecidas, com grande transparência e debate com a sociedade, de modo que se tenha uma real compreensão das mudanças e de como a reforma pode ser positiva para o país. Tudo isso sem perder de vista que, quanto maior o número de isenções e exceções adicionadas na reforma, maiores necessariamente serão as alíquotas do CBS e do IBS, o que acabará criando distorções e prejudicando a renda disponível da população para consumo — algo que justamente a reforma busca combater.