Substâncias bioativas identificadas na gravioleira vêm chamando a atenção dos cientistas há pelo menos quarenta anos. São as acetogeninas anonáceas, uma classe de compostos derivados de ácidos graxos, cujo espectro de atividade biológica inclui propriedades inseticidas, anti-helmínticas e anticancerígenas.
A Embrapa e a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) acabam de concluir um estudo que pode contribuir para que, no futuro, essas substâncias cheguem às prateleiras de supermercados e farmácias.
A pesquisa avaliou um método promissor para extrair e concentrar esses compostos. Um estudo que abre caminhos para que se possa transformar folhas em produtos, como suplementos alimentares ou fitoterápicos, sem que se percam os princípios ativos de interesse.
Conforme a pesquisadora Ingrid Vieira Machado de Moraes, da Embrapa Agroindústria Tropical (CE), as acetogeninas anonáceas já foram amplamente estudadas, mas ainda não existe um produto padronizado, cuja concentração seja determinada e segura para consumo humano.
“Pesquisas em todo o mundo têm confirmado o que o conhecimento tradicional aponta: componentes bioativos naturais presentes nas folhas, caule, casca e semente dos frutos da gravioleira apresentam comprovado efeito anticancerígeno”, diz Ingrid.
Muitas empresas brasileiras e estrangeiras têm comercializado a folha da gravioleira desidratada na forma de cápsulas e sachês de chá, obtidos a partir da secagem e trituração das folhas. Por meio desse processo, os compostos bioativos presentes nas folhas, encontrados na ordem de partes por milhão, estão misturados a diversos outros compostos e suas concentrações não são determinadas.
“O conhecimento das concentrações de moléculas potencialmente citotóxicas, como as acetogeninas anonáceas, é de extrema relevância para o consumo seguro dos produtos que contêm esses compostos”, afirma Ingrid.
A pesquisadora extraiu os compostos bioativos utilizando um solvente reconhecido como seguro para o consumo humano, o etanol. O estudo foi realizado no Departamento de Tecnologia de Alimentos da Faculdade de Engenharia de Alimentos da Unicamp (FEA-Unicamp). Foram avaliados alguns parâmetros visando otimizar os processos de extração e de separação e concentração por membranas.
Para que o extrato seja transformado em produto, são necessários ainda outros estudos, incluindo análises de estabilidade das moléculas e padronização dos extratos. A intenção é melhorar o método de produção e a qualidade final do extrato, dando condição de informar a concentração dos princípios ativos presentes.
ENTRE O VENENO E O REMÉDIO
O estudo foi orientado pelo professor Flávio Luís Schmidt, do Departamento de Tecnologia de Alimentos da FEA-Unicamp. Ele diz que as anonáceas têm despertado atenção no mundo inteiro, porque, se por um lado podem ajudar no combate a diversas doenças, por outro lado também apresentam algum nível de toxidade.
“Não nos preocupamos neste estudo com as questões biológicas de seus princípios ativos, mas nos dedicamos à extração dos principais compostos e estudamos formas de purificação.”
Ele pondera que muito se tem falado dos benefícios das anonáceas e seus princípios ativos, porém os dados são de estudos feitos em ambiente puramente analítico, em escalas extremamente reduzidas.
Segundo Schmidt, qualquer viabilidade de aplicação desses componentes deverá passar por um processo de extração que possibilite uma produção em maior escala e comercialização: “O estudo foi direcionado nesse sentido, incluindo a utilização de solventes de fontes renováveis”.
Para o professor, estudos como esse podem gerar empreendimentos viáveis, com geração de emprego e renda. “Neste caso, a matéria-prima é renovável e pode gerar produtos relativamente baratos, ao alcance da população, com ganhos em qualidade de vida”, acredita o professor.
O Brasil hoje é o maior produtor de graviola do mundo, tendo ultrapassado o México nos últimos anos. Só o Estado da Bahia responde por aproximadamente 85% da produção nacional segundo a Agência de Defesa Agropecuária da Bahia (Adab).
TECNOLOGIAS LIMPAS
Uma das preocupações do estudo foi a de utilizar, na produção dos extratos, um solvente considerado seguro para o consumo humano. Dessa forma, não é necessário aplicar tratamento térmico para extrair o solvente utilizado no processamento, e, assim, evita-se que altas temperaturas degradem as moléculas de interesse.
O método usado para a produção do extrato foi a separação e concentração por membranas seletivas. O processo não envolve mudanças de fase e não utiliza temperaturas elevadas, garantindo as características nutricionais do produto.
As membranas funcionam como peneiras moleculares. Conhecendo-se o tamanho molecular dos compostos de interesse, é possível aplicar a tecnologia adequada para a separação.
Dependendo da seletividade da membrana utilizada, é possível fracionar e concentrar diferentes compostos. É uma tecnologia limpa, que implica na redução de consumo energético e impactos ambientais.
UFC ESTUDA ATIVIDADE ANTICÂNCER
O químico Cláudio Costa explica que a graviola não tem só acetogeninas, mas também alcaloides, que apresentam atividade anticancerígena e que, provavelmente, na folha essas substâncias atuem sinergicamente. O especialista atua em parceria com o Núcleo de Pesquisa e Desenvolvimento de Medicamentos (NPDM) da Universidade Federal do Ceará (UFC), que realiza estudos com a folha da graviola desde 2010.
As pesquisas conduzidas no NPDM observaram atividade anticâncer dos extratos em testes pré-clínicos com células e animais. Os estudos fazem parte de uma parceria com a empresa Inovagro, interessada em produzir um suplemento alimentar a partir do pó da folha da graviola.
Entre os estudos realizados no NPDM, foi avaliado o processo de extração da substância ativa e também foram feitos testes antitumorais e toxicológicos. Os resultados ainda não significam que as pessoas possam utilizar o extrato.
É necessário responder a muitas questões, como: qual é a dose segura, se há efeitos colaterais, como transformar o extrato em um produto padronizado, entre outras informações.
Fonte: Embrapa Agroindústria Tropical com edição d’A Lavoura