Estudo realizado pela Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO/ONU), feito no ano passado, estima que em 2030 o déficit de pescado no mundo atingirá 100 milhões de toneladas. Outros dados da entidade indicam que o consumo mundial de pescado atingiu 19,2 quilos per capita por ano, acima dos 12 quilos recomendados pela Organização Mundial de Saúde (OMS).
No Brasil, este consumo, conforme a FAO, teria alcançado 14,5 quilos por habitante ao ano, de acordo com levantamento realizado em 2013. Mas uma estimativa divulgada em julho deste ano, pelo ministro Helder Barbalho, do Ministério da Pesca e Aquicultura (MPA), indica que este consumo nacional é de apenas 10,6 quilos de pescado per capita, ou seja, abaixo do recomendado pela OMS.
Em julho deste ano, o órgão anunciou que pretende aumentar em 20% a produção de pescado para que o Brasil alcance 3 milhões de toneladas, até 2020. “O objetivo é passar de 760 mil toneladas para 1 milhão de tonelada na área da captura, e 700 mil toneladas para 2 milhões de toneladas na aquicultura”, prevê o ministro.
O Plano Safra da Pesca e Aquicultura 2015/2016 anunciou R$ 2 bilhões em recursos com linhas de crédito especiais para estimular o crescimento do setor.
PESQUISAS
Diante deste cenário, há uma grande preocupação de pesquisadores, entidades representativas e do mercado em si sobre a sustentabilidade da piscicultura, aquicultura e da cadeia produtiva do pescado como um todo, no sentido de garantir a continuidade da atividade, atender à demanda e estimular o consumo.
Pesquisadora do Laboratório de Tecnologia do Pescado do Instituto de Pesca, vinculado à Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios (APTA), da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo, Thaís Moron Machado destaca a importância das inovações voltadas para o processamento de pescado, em especial as tecnologias para manter a qualidade e agregar valor ao produto.
“O desafio do processamento de pescado é desenvolver e utilizar tecnologias já existentes, que prolonguem o período de vida útil dos produtos, agradem pela qualidade sensorial, proporcionem facilidade de preparo e tenham preço acessível”, pontua Thaís.
Segundo ela, a redução dos teores de gordura, açúcar e sódio, substituição de aditivos por ingredientes naturais, uso de embalagens inteligentes e recicláveis, além de produtos prontos para consumo, são as principais tendências do atual mercado consumidor.
INOVAÇÕES
Para atender a esta demanda foram desenvolvidas algumas inovações na área de processamento, como a carne mecanicamente separada (CMS). Apesar de não ser uma tecnologia recente, Thaís afirma que a CMS ainda é considerada uma das alternativas tecnológicas de melhor aproveitamento da parte comestível do pescado.
“Estse processo resulta em um produto cárneo obtido mecanicamente, de sabor suave, livre de vísceras, escamas, ossos e pele, características que permitem sua utilização de forma prática e segura para ser consumida, principalmente por crianças e idosos”, descreve.
Conforme a pesquisadora, esta tecnologia ainda contribui para a redução de perdas, pois possibilita aproveitar espécies de peixes subutilizados inteiros, eviscerados e descabeçados, resultando na CMS, que serve como base para a elaboração de novos produtos.
“Vale ressaltar que no processamento de pescado para produção de filés sem pele, o grande volume de subprodutos – constituído por vísceras, cabeça, pele, escama, espinhaço (coluna e costelas com carne aderida) e aparas – alcança 60% a 70%”, relata.
Ela ainda comenta que uma boa opção é a utilização do espinhaço como matéria-prima para a obtenção da carne de pescado mecanicamente separada, “resultando em maiores ganhos para as empresas, além da disponibilidade de novos produtos com preços mais acessíveis para o consumidor”.
PROCESSAMENTO
O Laboratório de Tecnologia do Pescado do Instituto de Pesca utiliza várias tecnologias tradicionais para o processamento, embora não estejam totalmente sedimentadas na cadeia produtiva do pescado no Brasil. Entre elas, Thaís cita as técnicas de congelamento, salga, secagem, defumação, conservas, fermentados, utilização do resíduo na produção de silagem, para uso na alimentação animal e/ou como fertilizante, e produção de carne mecanicamente separada.
De acordo com a pesquisadora, a pesquisa de CMS tem papel de destaque no estímulo do consumo de pescado no País. Além do desenvolvimento de produtos à base de carne mecanicamente separada (blocos congelados, empanados, embutidos, utilização de algas marinhas na melhoria da textura, biscoitos e sopa desidratada, entre outros), o Laboratório vem atuando ativamente em projetos que visam à inserção do pescado na merenda escolar.
MERCADO
“Já temos disponível no mercado produtos diferenciados à base de pescado, como filés com molhos, lasanhas e defumados, porém, quando comparados a produtos similares de carne bovina ou de aves, estes ainda são considerados elitistas em função dos altos preços”, ressalta.
Conforme a pesquisadora, poucas indústrias comercializam diferentes produtos à base de CMS, com preço mais acessível – como almôndega, hambúrguer e linguiça -, entretanto, este ainda representa um pequeno nicho de mercado.
“Acreditamos na necessidade de maior aproximação entre a pesquisa e a indústria, assim como a realização de campanhas de conscientização junto ao público consumidor, visando à efetiva aceitação destes e de novos produtos à base de pescado”, comenta Thaís, que tem divulgado as tecnologias do Instituto de Pesca em eventos importantes, como a TecnoCarne, realizada no começo deste mês, em São Paulo.
Outra característica interessante relacionada ao consumo de pescado no Brasil, e que deve ser levada em conta, na opinião da pesquisadora, é a grande variação de consumo entre os diferentes Estados, o que está diretamente relacionado ao hábito alimentar de cada região.
Por equipe SNA/SP